A psicanalista carioca Regina Navarro Lins acredita que a mudança na mentalidade das pessoas resultará em uma era de poliamor e sexo livre – e a libertação sexual da mulher tem papel importante nesse fenômeno. Segundo ela, o livro erótico “Cinquenta Tons de Cinza” é a prova de que o público feminino perdeu a timidez e está pronto para assumir que gosta de sexo.
Autora de 11 livros sobre relacionamento amoroso e sexual, Regina realiza palestras por todo o Brasil e é consultora do programa “Amor & Sexo” da TV Globo. Entre seus trabalhos mais famosos, estão o best-seller “A Cama na Varanda” e, o mais recente, “O Livro do Amor”.
Jornal Comunicação: O tabu que envolve uma mulher gostar e falar sobre sexo sempre existiu? Em todos os períodos históricos?
Regina Navarro Lins: Toda repressão sexual surgiu a partir do cristianismo, há dois mil anos atrás, quando o sexo passou a ser visto como algo sujo e abominável. Mas há cinco mil anos, a mulher já era considerada inferior. Com o advento do sistema patriarcal, ela foi aprisionada. O homem tinha medo que ela engravidasse de outro e ele tivesse que deixar a herança para esse filho. Por isso, nem sempre a mulher pôde falar e gostar de sexo.
Comunicação: Como se explica um fenômeno de vendas como “Cinquenta Tons de Cinza”? As mulheres perderam a timidez e assumiram que leem erotismo?
Regina: As mulheres estão assumindo cada vez mais que gostam de sexo. O livro chama a atenção porque todo jogo de dominação é muito excitante. “Cinquenta Tons de Cinza” fez sucesso especificamente entre o público feminino porque fala sobre a mulher. É ela quem é dominada. Esse jogo sadomasoquista de brincadeira sempre despertou o interesse das pessoas.
Comunicação: Como surgiu seu interesse em abordar e se aprofundar em um tema que muitas mulheres têm receio de falar?
Regina: Eu sou psicanalista há 40 anos. Nos últimos 20 anos, eu percebi que as pessoas sofrem muito no amor e no sexo. Para mim, essa é a área de maior sofrimento humano depois da pobreza e da miséria. Por isso decidi me aprofundar no assunto. Desde então, escrevi 11 livros, dos quais o último, “O Livro do Amor”, me custou cinco anos de pesquisa.
Comunicação: Você acredita que está acontecendo uma mudança na mentalidade das pessoas em relação ao sexo? Com base em quê?
Regina: Sim, principalmente a partir dos anos 60. Eu acredito que daqui a algum tempo, menos pessoas vão ficar na relação a dois. Nós vamos ver surgir uma era do poliamor e do sexo menos encanado. Ao longo dos anos eu observei que muitos sinais apontam para isso. A mulher se libertou, por exemplo, daquela ideia de que tem que ser passiva na cama. Hoje ela pode dominar o homem e sentir tesão livremente. Além disso, há um número enorme de casais que buscam as casas de swing e o sexo a três. Tudo isso mostra que a mentalidade das pessoas está sim mudando, cada vez mais.
Comunicação: Como essa mudança de mentalidade afeta o casamento tradicional, baseado no amor romântico?
Regina: O amor romântico se caracteriza pela idealização do outro e traz a ideia de que você tem que encontrar alguém que te complete, sua alma gêmea. Agora, a busca da individualidade caracteriza a época em que vivemos. Nunca homens e mulheres se aventuraram com tanta coragem em busca de novas descobertas, só que, desta vez, para dentro de si mesmos. O amor romântico propõe o oposto disso, já que prega a fusão de duas pessoas. Ele então começa a deixar de ser sedutor e surge um amor baseado na amizade e no companheirismo. O amor romântico está saindo de cena e levando com ele a sua principal característica, que é a exigência de exclusividade. Sem a ideia de encontrar alguém que te complete, abre-se um espaço para outros tipos de relacionamento, com a possibilidade de se amar mais de uma pessoa de cada vez. O modelo de casamento que conhecemos dá sinais de que será radicalmente modificado. Dentro de algumas décadas, um parceiro único pode se tornar coisa do passado.
Comunicação: Tudo o que defende em seus livros e em seu blog você faz na prática?
Regina: Eu não falo sobre a minha vida pessoal porque acho que isso não é importante. O que eu quero é discutir ideias. Com o meu trabalho, defendo que as pessoas devem viver com mais prazer. Eu sempre digo que homens e mulheres têm que refletir um pouco sobre as coisas que limitam a vida, para finalmente jogar fora todo moralismo. Quem realmente pretende viver melhor precisa se livrar de tudo isso, sem preconceitos.