“Ele vai se enforcar, chama os bombeiros”, debochou um catador de lixo ao colega que olhava intrigado para um homem que fazia nós em uma corda no meio da calçada no centro de Curitiba, próximo à Praça Santos Andrade, na última quarta-feira (27). Era o ator Péricles Anarckos, enquanto realizava a primeira ação da mostra Fringe do Festival de Curitiba.
“Horário Comercial” faz parte de uma trilogia de performances “dos cabos” do repertório do Theatro Fúria, de Cuiabá. Durante oito horas seguidas, o artista fez e desfez nós de diferentes tipos, com uma pausa de uma hora para o almoço. Enquanto as pessoas passavam sem notar a intervenção, outras paravam, observavam e interagiam com o ator.
A performance, inspirada no livro “A vida não é útil” de Ailton Krenak, trata da conexão do ser humano com o trabalho e a ideia de produtividade no sistema capitalista.
“O Ailton Krenak aborda essa relação que a gente tem com o consumismo, com o capitalismo, e a performance faz essa relação com o trabalho porque hoje a gente tá virando uma sociedade totalmente workaholic (termo em inglês para pessoa que trabalha de maneira compulsiva). Todo mundo só pensa em trabalhar o tempo inteiro, para ganhar dinheiro, para poder comprar um carro novo, para ter maior conforto. Até que ponto vale a pena isso na vida?”, questiona a produtora da performance e atriz Carol Argenta.
Apesar da apresentação ter sido criada com base nas ideias do livro de Krenak, que questiona o modo de funcionamento da civilização atual, os artistas do Theatro Fúria afirmam que “Horário Comercial” não tem uma única mensagem. O propósito principal dessa intervenção artística é impactar as pessoas de formas diversas no dia a dia.
“Existe uma temática relacionada ao trabalho e isso é importante para que [a performance] aconteça, mas para quem assiste não necessariamente é esse o objetivo, trata-se de interferir no cotidiano da cidade”, esclarece Carol.
A produtora ressalta que esse tipo de ação também contribui levando a arte para pessoas que não costumam a acessar, que não frequentam teatros e galerias de arte. “Quando vamos para a rua estamos ampliando o acesso. Qualquer um pode ter acesso e, quem se interessar, vai se aprofundar e querer saber o que é. Se não, vai apenas ser atravessada de alguma maneira, ficando com aquilo na cabeça”, diz a atriz.
Péricles complementa dizendo que o propósito é que cada observador tenha a própria interpretação da ação. “O objetivo é fazer com que as pessoas tirem as suas mensagens. Existem oito bilhões de consciências, então existem, potencialmente, oito bilhões de pontos de vista”, argumenta.
A reação do público curitibano
O professor de filosofia Ernani, de 46 anos, parou para assistir a performance enquanto esperava a esposa. Achou a apresentação inusitada e engraçada, e acredita que a escolha das cordas fez parecer “como se ele estivesse brincando no meio da rua”. Ernani identificou na exibição uma crítica à rotina lógica do cotidiano, que não dá espaço para a emoção, e elogiou a determinação do artista.
Embora estivesse o tempo todo fazendo nós, Péricles se manteve comunicativo. Conversava com os produtores com frequência, que forneciam goles de café, água e energético. Cumprimentava as pessoas que passavam na rua e os motoristas de ônibus, que iam e voltavam durante o dia na mesma rua, e interagia com estudantes de teatro e outros jovens que acompanhavam o festival. Diversas vezes durante o dia, pessoas de diferentes idades também passavam e perguntavam o que ele estava fazendo, ao que o ator respondia, tranquilamente, sem deixar de fazer nós: “se ele parar, é demitido”.
Na oitava hora de performance, quando o sol curitibano já não protegia o performer do vento fresco de final da tarde, uma mulher de blusa amarela, sentada já há algum tempo observando o artista de um dos bancos ao lado do terminal, pergunta: “qual é a pira da corda que até agora eu não entendi?”. Apesar da crítica presente na apresentação, essa parece ter sido a reação de boa parcela do público curitibano.
Confira a seguir trechos das entrevistas aos membros da performance “Horário Comercial”, Carol Argenta e Péricles Anarckos, para o Jornal Comunicação.