sex 26 abr 2024
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Caçadores de lembranças

A garrafinha do refrigerante Crush foi a primeira peça de Adriano. Foto: Ana Clara Tonocchi

Em 1916, nos Estados Unidos, nasceu o refrigerante Crush. A partir da década de 50, a garrafinha de vidro, recheada de uma bebida bem laranja, dominou o paladar brasileiro, principalmente das crianças. Adriano José Vianna foi uma delas. Aos quatro anos de idade, ele decidiu guardar a garrafa ao invés de tomar o refrigerante. Ele ainda não sabia, mas essa seria a primeira peça do Caçadores de Relíquias Curytiba.

Se, em um evento de família, Adriano guardou o Crush, na outra semana, foi uma garrafinha de Coca-cola. O gosto pelas garrafas retornáveis – que ele preferiu não retornar – surgiu dentro de casa. Seu pai era dono de um bar e, na época, as crianças passavam a tarde roubando amendoim junto com os clientes.

A mãe, mais durona, não permitia que o filho mantivesse grandes coleções. Afinal, eram moedas, revistas, garrafas, figurinhas. Ele admite que se sua mãe o deixasse guardar tudo que queria, talvez esse hobby tivesse virado doença: acumulação compulsiva. Este transtorno se caracteriza quando alguém adquire muitos bens dispensáveis e não consegue se desfazer de tais objetos, mesmo que sejam inúteis. Por isso, quando a mãe rasgava os tão queridos álbuns de figurinhas do garoto, também havia um tom de carinho. Com o passar do tempo, as coleções viraram hobby.

Adriano sofreu um acidente de carro, que fez com que ele parasse de trabalhar e não pudesse mexer os braços e as pernas temporariamente, devido a um machucado no pescoço. Durante a fisioterapia, ele percebeu que certas atividades, como a de lixar móveis, o ajudariam na recuperação. Começou, então, a restaurar peças somente com propósito pessoal, já que era um ótimo serviço para fortalecer os braços. Em seguida, Adriano abriu uma loja virtual para vender suas peças na internet. A loja online, que era só uma brincadeira da fisioterapia, começou a vender bem, e passou a ser seu emprego fixo.

Todas aquelas peças já não cabiam mais na casa de Adriano, nem na de seu pai, nem na do irmão. Por isso, ele decidiu alugar um espaço. Ao abrir o portão, a loja Caçadores de Relíquias Curytiba se tornou referência para o público jovem.

 

A loja

Há cinco anos, Adriano não sabe definir o que sua loja é. Uma casa de lembranças. Um relicário, afinal vendem-se relíquias. Um antiquário não – o lugar é muito aconchegante para tal.

Na casa em um bairro mais isolado de Curitiba, cada quarto tem suas peças, cada peça tem sua história. Em um dos cômodos, os games das décadas de 80 e 90 fazem sucesso para quem viveu nessa época. O som arranhado da agulha no disco de vinil – agora tão moderno – preenche um quarto. A sala tem peças diversas de prataria, porcelana, eletrodomésticos. A garagem fica cheia de tudo um pouco, incluindo várias garrafas retornáveis antigas. Na entrada, máquinas fotográficas, chaveiros e peças menores dividem espaço com os preferidos do dono: o Crush, a Coca-cola e outros mimos.

Um dos maiores diferenciais da loja está na exclusividade dos produtos. Afinal de contas, a Caçadores não trabalha com retrô, só com vintage. Ou seja, com objetos antigos e originais, não reproduções.

O público jovem vai atrás disso. Interessados por quadrinhos, pin ups, rockabilly e vinil são os principais atraídos pelo lugar. Colecionadores de câmeras, garrafas, rádios, brinquedos da infância também procuram a loja.

Adriano explica seu gosto pelo antigo. Ele conta que, quando ainda não vendia, ouviu alguém comentar sobre como as coisas estão perdendo cada vez mais seu valor sentimental. Hoje em dia, por exemplo, não se dá mais nome para o carro. Se antes o automóvel fazia parte da família, passava para os filhos, era querido pelos donos, hoje se torna descartável.

A proximidade com o dadaísmo também é importante para um ambiente como o Caçadores de Relíquias. Esse movimento artístico vanguardista traz diferentes significados para objetos do nosso dia a dia. Os eletrodomésticos vintage, coloridos, da década de 60, hoje em dia têm um tom mais decorativo do que utilitário para quem compra.

A casa em que fica a loja Caçadores de Relíquias Curytiba é um pouco de arte, de história, de lembranças e de coleções.

Adriano, à direita, mostra que sua paixão vem desde a infância. Foto: Ana Clara Tonocchi
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