No início de maio foi apresentado pelo governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, o programa “Cartão Recomeço”. A ideia do projeto é oferecer para as famílias de dependentes químicos uma ajuda de R$ 1.350 por mês para internar os usuários em clínicas particulares. Assim que foi anunciado, o programa despertou a antipatia da população. Um pouco por falta de informação, um pouco por preconceito, um pouco por má vontade com o governo “bolsista” do PT – antes de entrar em prática, o projeto já ganhou o apelido de bolsa-crack.
Apesar da alcunha, o programa tem potencial para ser positivo para seus beneficiados. Ao contrário do que pensam os menos informados, o valor não será entregue em dinheiro para a família fazer o que bem quiser com ele: só poderá ser usado se for no pagamento de clínicas de tratamento credenciadas pelo governo. Além disso, o benefício só será ofertado para famílias de baixa renda, e se o paciente já tiver sido internado em clínicas públicas sem resultado. Seria uma ajuda bem-vinda a quem não pode pagar por ela.
Ainda assim, é uma medida puramente paliativa. Além de passar para a esfera privada um problema que deveria ser resolvido pelo governo – por se tratar de um grave caso de saúde pública –, o tratamento dos usuários de crack é só a ponta do iceberg. Para resolver esse problema, que afeta 1,2 milhão de famílias por todo o Brasil (dado do Conselho Federal de Medicina), não basta internar os usuários: é preciso impedir que a droga chegue até eles.
Combater o narcotráfico é a única solução definitiva para os malefícios das drogas. Ações como a bolsa-crack e a internação compulsória de usuários podem até dar (pouco) resultado, mas a única maneira de tirar os usuários das ruas é impedindo que eles tenham acesso ao crack, ou à maconha, ou à cocaína, através de investimento na luta contra o tráfico. Essa guerra não deveria se restringir aos morros do Rio de Janeiro ou às vilas de Curitiba: deve-se proteger melhor as fronteiras do país, identificar receptores, traficantes intermediários, traficantes pequenos. É um trabalho difícil, e certamente mais caro do que o simples pagamento de bolsas para a ponta final do processo, mas seria a única maneira de pelo menos diminuir o consumo de drogas. Afinal, mais do que oferecer um barato, a venda de drogas implica em um pano de fundo manchado de sangue: não é incomum notícias de morte e violência relacionadas ao tráfico. Violência essa que é financiada pelo usuário, mas pode atingir traficantes e policiais, inocentes e culpados. É uma questão muito mais profunda do que o simples financiamento de recuperação de usuários.
Há outras soluções menos utópicas, como investimento maciço em educação, maior abrangência do Proerd (Programa Educacional de Resistência a Drogas e Violência) e policiamento frequente de pontos de venda e consumo já conhecidos. Nenhuma solução definitiva, mas certamente mais eficazes.
Apesar de ser um programa muito benéfico para quem está diretamente envolvido com usuários de drogas – amigos e familiares –, o Cartão Recomeço não está nem perto de ser uma solução definitiva. É necessário evitar que novas pessoas se viciem antes de curar as que já foram viciadas, ou todo o processo será em vão. Soluções paliativas não são soluções: são distrações para tirar os olhos da população e do governo do verdadeiro problema.