O UNODC (Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime) divulgou recentemente dados do Relatório Mundial sobre Drogas 2013 que apontam o crescimento do uso de drogas, principalmente a cocaína, na América do Sul. Ao contrário do que ocorre em algumas partes do mundo, nas quais já é possível notar uma estabilidade na utilização dessa e outras drogas, como na Europa, o Brasil vive um aumento significativo.
A pesquisa feita pela Fundação Oswaldo Cruz e divulgada no terceiro trimestre do ano também aponta o aumento específico no consumo do crack. De acordo com o levantamento, cerca de 370 mil pessoas usam crack regularmente nas capitais brasileiras, o que representa ao todo 45 milhões de brasileiros. Dentre elas 50% são homens, 40% vivem nas ruas e o número médio de pedras consumidas por dia é 16.
Pode-se dizer que o panorama brasileiro não é nada favorável se comparado ao global e só tem se agravado pela dificuldade em propor soluções eficientes e unificadas. O debate tem se mostrado esparso e desacertado. Para o coordenador da Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas da UNIFESP Ronaldo Laranjeira, a política antidrogas do país está errada.
Também, segundo o psiquiatra e diretor do Proad (Programa de Orientação e Assistência a Dependentes) Dartiu Xavier, o Brasil está travando guerra com o inimigo errado. Para ele, deve-se combater o que leva o indivíduo a se tornar dependente, e não as drogas propriamente ditas.
Dificuldade de consenso
Há uma grande dificuldade em propor uma política pública unificada em relação às drogas, pois ainda existem inúmeras divergências que não foram resolvidas. É o caso, por exemplo, da discussão sobre que tipo de política deve ser implementada (a preventiva, a curativa ou a punitiva). Cada uma delas, com seus adeptos, é apontada como a mais eficiente e, sem um norte, o Estado não tem como definir um modelo concreto para estipular e bancar ações.
O sistema vigente no país baseia-se em uma política voltada para a redução de danos (que se mostrou necessária na década de 80, após a epidemia de AIDS e a alta contaminação de usuários de injetáveis). Um exemplo claro é a distribuição de seringas. Dá-se valor também a uma política punitiva que prevê a criminalização de drogas como a maconha, o crack e a cocaína e as decorrentes penalidades relacionadas ao uso e à venda.
Dentro desse contexto de políticas punitivas há a discussão sobre a diferenciação, hoje existente, entre traficante e usuário. Aquele que apenas consome a droga será punido com menos rigor do que quem a trafica.
Já a política de prevenção tem sido deixada um tanto quanto de lado, em detrimento das outras duas. Abre-se então o debate sobre que tipo de política é mais eficiente para aplicar e investir com mais rigor.
Como e onde tratar
Outro questionamento recorrente é sobre como deve ser feito o tratamento desse indivíduo dependente. Há quem defenda o método ambulatorial, por ser mais barato. Há, ainda, quem prefira o internamento, escolha feita recentemente pelos governos de São Paulo e Rio de Janeiro, que adotaram a internação como peça chave em suas políticas públicas de enfrentamento à dependência química.
Tal internação ganhou a possibilidade de ser feita compulsória ou involuntariamente, e aí nasce mais uma divergência, essa relacionada aos direitos humanos. Segundo Gilberto Gerra, Chefe do Departamento de Prevenção às Drogas e Saúde do UNODC, essa prática deve ser apenas uma medida emergencial de curto prazo.
Outro tema que tem ampliado o debate é a questão sobre as Comunidades Terapêuticas. Atualmente, a estrutura que segue o padrão preconizado pelo Ministério da Saúde e trata dependentes químicos é o Caps AD (Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas). Contudo essa estrutura, apesar de boa, tem se mostrado insuficiente. Paralela a essa estrutura estão as Comunidades Terapêuticas.
Elas são propostas de reinserção social, às vezes, conveniadas ao poder público e que não seguem o modelo de tratamento do Ministério da Saúde. Na sua maioria, são entidades ligadas a grupos religiosos e que não possuem um grupo terapêutico formal e o conhecimento científico necessário para atuar na cura de dependentes.
Para incrementar ainda mais o debate sobre como agir face ao problema das drogas existe a dúvida sobre a medicação. Para alguns, não parece correto fazer o uso de medicamentos para compor o tratamento, por estar trocando uma droga pela outra. Contudo, torna-se extremamente difícil tratar a dependência química apenas com psicoterapia e, por isso, faz-se necessário o uso desses medicamentos.
Outra dúvida é onde focar as ações da polícia: na desarticulação do tráfico de drogas, ou simplesmente na apreensão dessas substâncias.
Educação contra as drogas
Um programa que tem tido sucesso com relação à educação sobre drogas já na infância é o Proerd (Programa Nacional de Resistência às Drogas e à Violência). Ele é uma adaptação do modelo americano DARE e foi implantado no Brasil pela PM-RJ em 1992. O Proerd é desenvolvido nas escolas públicas e particulares, no 5º e 7º ano do Ensino Fundamental, e ministrado por policiais militares treinados.
No Paraná, o programa foi implantado no ano 2000 e nos seus primeiros dez anos já formou cerca de um milhão de alunos. O objetivo é transmitir uma mensagem de valorização da vida e da importância de ficar longe das drogas.
O Tenente-Coronel Dabul, do Proerd Paraná, conta que as crianças que participam do curso tornam-se multiplicadores da ideia de dizer “não” às drogas e que são capazes, inclusive, de cobrar esse comportamento de pessoas próximas, como os próprios pais.
Mudança da política de drogas no Brasil
Há um mês a Comissão de Constituição Justiça e Cidadania (CCJ) discutiu a alteração da política de drogas no país, proposta pelo deputado Osmar Terra (PMDB-RS) através do Projeto de Lei 37/2013. A nova proposta prevê o aumento da pena para o tráfico, a concessão de benefícios para instituições privadas que acolherem dependentes químicos em tratamento e a internação involuntária de usuários.
Todos os pontos do projeto acaloram as discussões sobre a forma como é dado o tratamento a dependentes químicos no país. Segundo estudiosos, o aumento da pena acarretaria um inchaço ainda maior do sistema prisional – hoje, 11% das prisões correspondem a crimes relacionados às drogas.
A concessão de benefícios para as Comunidades Terapêuticas também levanta dúvidas, afinal de contas, trata-se de instituições que não seguem padrões de tratamento, tampouco o modelo do governo.
E, ainda, a questão da internação compulsória, que é tida pela maioria dos psicólogos como um modelo errôneo, pois tira o indivíduo do seu meio para efetuar o tratamento. Quando essa pessoa volta para o convívio social e encara os problemas do dia a dia, está mais propensa a voltar a usar a droga.
Tráfico Internacional
A Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) divulgou em 2012 um estudo que aponta que o Brasil responde a 20% do mercado mundial de cocaína. Aponta, também, uma mudança no papel do país no tráfico internacional de drogas. Como o México, o Brasil era antes usado apenas como uma rota de passagem para drogas ilícitas. Hoje, essa droga já para aqui.
O país mexicano é a porta de entrada para o maior consumidor do mundo, os Estados Unidos, e o Brasil é a saída para o restante do globo, dessa droga que parte da Bolívia e da Colômbia. O mercado brasileiro representa cerca de 60% do que é produzido no país boliviano.
Brasil e o panorama global
Não somente o México e o Brasil têm apresentado índices cada vez maiores de consumo de drogas, mas também países da África. O continente tem emergido como um destino para o tráfico, bem como crescido como produtor de sustâncias ilícitas. Substâncias essas que, segundo o relatório da UNODC, tem tido seu índice de consumo estável na Europa.
O UNODC observou que, enquanto o uso de drogas tradicionais manteve-se estável e até diminuiu na Europa, Novas Substâncias Psicoativas (NSP) e medicamentos controlados tiveram um aumento alarmante em todo o mundo. Os principais consumidores dessas drogas são, respectivamente, jovens e mulheres à procura do emagrecimento.
Para os pesquisadores, trata-se de um mercado lícito e lucrativo, principalmente no caso das NSP. Os jovens, por exemplo, ao usar sais de banho acham estar consumindo uma droga de baixo risco. Contudo, trata-se de um engano, afinal, são tão prejudiciais quanto as tradicionais. E ainda há o agravante da falta de conhecimento científico sobre suas consequências.
Em contrapartida, o consumo de injetáveis diminuiu, assim como o número de infectados com o vírus da AIDS. Essa diminuição se deve, especificamente no caso do Brasil, às políticas de redução de danos.
E os grandes vilões de consumo ainda são o álcool, o tabaco e a maconha. De acordo com o Relatório Brasileiro sobre Drogas (2009), três quartos dos brasileiros (75%) já consumiu álcool na vida. No Chile essa porcentagem é ainda maior (86%).
Quase a metade dos brasileiros já fez uso do cigarro (45%), enquanto no Chile e Estados Unidos essa porcentagem ultrapassa os dois terços da população (72%) e (67%) respectivamente. Já o uso de maconha no Brasil (8,8%) está próximo ao da Grécia (8,9%) e é menor do que nos Estados Unidos (40,2%).
Com relação ao tratamento, o Brasil fica para trás. Atualmente, existe cerca de um centro de atendimento financiado pelo governo para cada dois milhões de habitantes. Já na Inglaterra, há um centro para cada 100 mil habitantes. O número de centros no país inglês é 20 vezes maior.
O que o mundo tem feito
Em resposta à proliferação das Novas Substâncias Psicoativas, alertada pelo Relatório Mundial sobre Drogas 2013, o UNODC criou um sistema de alerta antecipado para permitir que os países monitorem o aparecimento dessas substâncias.
A Comissão de Narcóticos realizará, em 2014, uma revisão de alto nível da Declaração Política e Plano de Ação e, em 2016, a Assembleia Geral das Nações Unidas com sessão especial sobre drogas.
O que o Brasil tem feito
Em 2007, criou-se a Força Nacional de Segurança, apoiada pelas Forças Armadas e iniciou-se a implantação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), no Rio de Janeiro. O objetivo é levar a presença do Estado a áreas antes entregues ao tráfico.
Ainda, no fim do ano passado a presidente Dilma Rousseff lançou um conjunto de ações integradas, com orçamento de quatro bilhões de reais do governo federal, para combater o crack.
A pesquisa também tem sido outra forma de resposta. Mostrou-se extremamente necessário entender o cenário nacional para, só então, aplicar políticas públicas seguras, que gerem resultados categóricos. Contudo, as instituições de ensino e pesquisa não têm escondido a dificuldade que existe para coletar dados, fazer um estudo quantitativo de drogas no país e chegar a números aproximados.
Por isso a UNIFESP, por exemplo, quando fez seu último levantamento, assim como a Fiocruz, procuraram adicionar perguntas indiretas ao questionário que delineou suas pesquisas. Não perguntaram somente se aquele indivíduo usava drogas, mas também se conheciam alguém que o fazia.
Há quem aponte a necessidade de inspirar as ações do Brasil em políticas de outros países, como na decisão de descriminalizar a maconha, tomada recentemente pelo Uruguai . Em maio de 2013, um grupo de cientistas brasileiros assinou um manifesto pela descriminalização das drogas no país, alegando que a política em relação aos usuários precisa ser mais humana e que a legislação atual resulta em prisões arbitrárias e injustas, pela falta de uma distinção clara entre usuário e traficante. Para os defensores, a legalização é a maneira mais eficiente de combater as drogas, pois pesquisas em diversos países, mesmo no Brasil, com o caso das campanhas pela diminuição do cigarro, mostram que os níveis de consumo diminuíram ao longo dos anos após uma política de liberação e conscientização, sem que a nicotina se tornasse uma substância proibida. Ainda, apontam a necessidade de que os dependentes químicos sejam tratados como doentes, e não como criminosos.