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Entre mortos e feridos, Farofada no Granito foi a primeira grande manifestação da era Fruet

Um recado um tanto anacrônico foi a marca visual que ficou do protesto

No último dia 12 Curitiba recebeu a sua primeira “Farofada Cultural”, com endereço ali na Rua Bispo Dom José, altura do número 2515. Nos dias que se seguiram ao protesto, o tema liderou colunas de opiniões em jornais, blogs e no Facebook; o motivo: a discrepância entre os cerca de 7 mil esperados e as 200 pessoas que lá apareceram. Baixada um pouco a poeira, mas com o tema ainda fresco, cabe pensar como este episódio ajuda a entender um pedaço desta Curitiba de 2013.

Há divergências sobre qual foi o tema principal da manifestação, mas houve dois elementos desencadeadores do protesto: a colocação de granito na calçada do metro quadrado mais hype da cidade, e um vídeo feito por skatistas no qual um membro da Guarda Municipal pede ao grupo que ajude a manter aquele patrimônio grã-fino, e explica a eles que aquele espaço não é apropriado para a prática do esporte e o grupo, por sua vez, tenta informá-lo que a rua é a pista por excelência do skate “street”. Publicado no Facebook em 23 de abril, pelo perfil “Busão Curitiba”, o filme viralizou nas redes sociais (é desta semana, aliás, que data a criação do evento que deu origem à Farofada).

E embora os organizadores tenham tentado focar no aspecto cultural da coisa (a velha e atual história de ocupar o espaço da cidade), fato é que o cerne da questão é político. E a Prefeitura Municipal de Curitiba, responsável pelo calçamento da cidade e a quem a Guarda é submetida, é o principal ator político envolvido neste processo.

E a administração sabe disso. Na semana em que o vídeo foi publicado convocou uma reunião com representantes do esporte, que resultou no compromisso com a construção de novas pistas públicas de skate, com prazo e local definido. A iniciativa, no entanto, não resolve a questão de fundo: o fato de que a atividade do skate tem que ser livre, e não criminalizada ou restrita a guetos. Solucionar a questão não passa apenas por ter mais pistas de skate, mas que este possa ser praticado na rua (inclusive na calçada da Bispo Dom José) sem que seus praticantes sofram um preconceito institucionalizado.

 

A imagem resume tudo: o skate, o granito, a imprensa

Calçada de granito, seja onde for, é um erro

 

Vamos ao segundo tema: a existência do granito. Isto, por si só, é motivo para revolta. O problema é que, talvez por um ritmo pré-carnavalesco dos movimentos, ela não veio no momento certo, em janeiro, quando o assunto veio à tona. O argumento da administração é de que a licitação é herança do grupo anterior, e que pará-la seria mais custoso do que tocá-la em frente. Não importa. Aquele local já era muito bem servido, sim senhoras, de calçamento, e a substituição do anterior pela rocha pomposa é completamente inútil, salvo para agradar meia dúzia de playboys e comerciantes com mau gosto.

O protesto mais bem feito sobre o tema talvez tenha sido o lançamento da “calçada ecológica do Bairro Alto”, vídeo um pouco menos conhecido na internet do que o evento da farofa. Nele um garoto (aparentemente um comediante local, famoso do lado de lá da 116) faz um stand-up ao ar livre, esplanando as maravilhas da “calçada”: um terreno em que cresce um mato irregular à beira da rua. A revolta com o granito é menos da sua presença dele no bairro dos ricos do que da ausência de calçada e manutenção pública e quase todo o restante da cidade.

 

Que revolta da mídia é essa

 

Na briga entre organizadores e mídia, em que uns acusam a outra de estar a serviço das forças conservadoras, e esta denuncia a farsa dos sete mil manifestantes, tudo parece um grande teatro. A começar que a internet (e as redes sociais) já está aí há um bom tempo, o suficiente para saber que as coisas tomam proporções diferentes no âmbito “real” e “virtual”. A própria imprensa divulgou que o número de confirmados no evento no Facebook era equivalente ao número de pessoas esperadas na atração. Mentira. A organização, por sua vez, também sabendo que isto não era verdade, deixou que a mentira se alastrasse, na esperança de que isso motivasse um número maior de pessoas a trocar o atletiba por uma manifestação. Justo, mas pouco sincero.

Fato é que no pobre jornalismo local, a cobertura da nossa “sociedade civil” é marcada por eventos, mais do que por uma constante. Todo mundo sabe a diferença entre os grupos do Requião e do Romanelli, no interior do PMDB, mas são poucos os que entendem a diferença entre a organização da Marcha das Vadias, da Marcha da Maconha e da Farofada Cultural, por exemplo. Pior, a regra é que a organização destes eventos fique debitada na conta de uma única pessoa, e ela acaba sendo o próprio movimento, na mídia, o que empobrece o debate público.

A Farofada Cultural foi o primeiro protesto significativo da era Fruet, e trouxe alguns aprendizados. Primeiro que reuniu um número significativo de pessoas, sim. Quem acompanha o movimento social em Curitiba sabe que, infelizmente, foram poucas as vezes em que 200 pessoas foram às ruas contra ou a favor de algo na cidade, nos últimos anos. Tiradas as vezes em que há estrutura de transporte e alimentação por parte do movimento sindical e os protestos do MST, pode ser que dê para contar nos dedos da mão. E, segundo, que o fato da administração atual ser mais dialogável do que as cinco anteriores traz consequências de dois lados; se por um lado é um avanço, por outro muita gente que em outros momento estaria na linha de frente do protesto estava lá no Palácio 29 de Março, insistindo para que a via do diálogo fosse exaurida (e pode ser que esta prática seja o procedimento padrão a ser utilizado tanto nos momentos em que for acertada quanto nos que for desastrosa).

 

 

 

 

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