qui 21 nov 2024
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Escrita e revolução: história e atualidades sobre as greves de roteiristas em Hollywood

Por Júlia Aparecida Pedroso e Luísa de Cássia Sousa e Silva

Os roteiristas de Hollywood não declararam greve desde 2008. Nesse período, séries foram canceladas, tiveram suas temporadas resumidas, enredos criticados e, além disso, a cerimônia Globo de Ouro não ocorreu. A greve dos roteiristas de Hollywood de 2023  tem sido destaque na indústria do entretenimento. Paralisações em prol de direitos mínimos, contudo, vêm ocorrendo historicamente. 

Em 1952 ocorreu a primeira paralisação de roteiristas, organizada pela “Author’s League of America”, uma liga de autores estadunidenses. Ela durou, ao todo, quatorze semanas, e terminou com um acordo que garantia pagamentos de escalas, salários por script e garantia de que escritores de rádio e teatro poderiam trabalhar também para a TV. Em 1960, o motivo da greve foi lutar pelo direito de receber o que conquistaram por apresentar filmes teatrais na televisão aberta, objetivo que só foi alcançado após 153 dias de paralisação.

Após mais de uma década sem paralisações, em 1973, as reivindicações envolviam um aumento salarial para filmes exibidos em canais de televisão fechados ou vídeos cassete. Em 1981, após 96 dias de paralisação, os roteiristas conquistaram o direito de participar na receita dos produtores de conteúdo em ascensão. 

Quatro anos depois, uma greve de duas semanas foi considerada uma derrota por um líder sindical, por não ter conseguido alcançar um acordo na divisão das receitas em videocassetes. Porém não se passou muito tempo até a greve de 1988, considerada a mais longa da história cinematográfica, com 22 semanas de duração. 

O conflito iniciou-se com uma luta por pagamentos residuais para programas de TV transmitidos em países estrangeiros, o que acarretou uma demissão em massa em diversas empresas. O fim da greve culminou no reajuste de salários, com base em cálculos de necessidades. Por fim, entre 2007 e 2008, a paralisação de 100 dias garantiu aos roteiristas participação na receita de criações distribuídas na internet. Atualmente, em 2023, os roteiristas estão em greve.

A “Writers Guild of America” (WGA), em português “Associação dos Escritores da América”, é a organização responsável por garantir os direitos dos roteiristas da indústria do entretenimento estadunidense na atualidade. Num vídeo publicado em janeiro de 2023 pelo site da WGA, Adam Conover, membro do comitê de negociações, explica que, a cada três anos, o contrato entre os roteiristas e a “Alliance Motion Picture and Television Producers” (AMPTP) é renegociado. Traduzindo, a AMPTP seria algo como “Aliança dos Produtores de Filme e Televisão”. Criada em 1982, ela é o órgão responsável pela produção de contratos referentes à indústria do entretenimento norte-americana. 

Conover afirma que o comitê de negociações é responsável por ouvir os colegas da associação e organizar o que foi chamado de “Pattern of Demands”, ou padrão de demandas. Na ocasião, foi solicitado que outros escritores solicitassem o envio do documento por email para votação e reforçada a importância de cada um para o exercício pleno da democracia. O roteirista alertou os colegas, dizendo que as propostas iniciais da AMPTP sempre envolvem retrocessos e cortes de benefícios. 

Eric Haywood, também membro do comitê de negociações da WGA, em vídeo publicado em março de 2023, expôs dados com o objetivo de desmentir o mito de que Hollywood não tem dinheiro para as exigências feitas. Ele inicia com o fato de que a receita orçamentária da indústria cresceu de 150 milhões para 220 milhões de dólares por ano nos últimos dez anos. 

Quando se trata de lucros, o escritor compara os 5 bilhões acumulados no ano 2000 com a média de 30 bilhões na atualidade. Os gastos com conteúdo original em streaming também aumentaram consideravelmente, de 5 bilhões para 14 bilhões de dólares entre 2019 e 2022, com previsão de 19 bilhões para 2023. Por fim, Haywood expõe os dados de que, apesar de todo esse crescimento e investimento, nos últimos dez anos os salários de roteiristas decresceram 23%. Com esses dados, o escritor conclui que a desvalorização do trabalho de roteiristas não está atrelada a uma suposta dificuldade financeira da indústria, mas sim a uma escolha de precarizar esse ofício feita pelas grandes companhias. O principal objetivo da greve é, portanto, reverter esse cenário, para que a classe criativa da indústria do entretenimento tenha direito a uma quantia justa e proporcional. 

Em 17 de abril de 2023, o WGA publicou em seu site o resultado de uma votação sobre uma possível greve para reivindicar direitos. Dos membros, 78,79% votaram. Do total de votos, 97.85% foram positivos. No primeiro dia do mês seguinte, foi publicado um comunicado oficial no site formalizando a greve. Na publicação, o órgão explica que as discussões com as companhias Netflix, Amazon, Apple, Disney, Discovery-Warner, NBC Universal, Paramount e Sony, com intermédio da AMPTP, não chegaram a um acordo. Desde então, os trabalhadores estão seguindo um cronograma de piquetes, ou seja, estão se organizando em determinados lugares e horários para protestar contra sua situação laboral.

Mas o problema vai muito além da exigência de melhores salários: o uso da Inteligência Artificial para criar roteiros também tem sido um incômodo. Por conta do avanço de ferramentas como o chat GPT, há preocupações com o futuro dos roteiros. De acordo com o site Variety, os líderes do WGA listaram como um dos problemas o fato de que as empresas não concordaram em garantir que a inteligência artificial não seria utilizada em larga escala. 

A greve que está atualmente em curso é a primeira em quinze anos, e, segundo uma análise da revista americana “Vanity Fair”, terá efeitos para muito além das telas. As pessoas que trabalham nos bastidores, com a organização de eventos e a criação de cenários, por exemplo, serão afetadas pela crise. E quem está assistindo também deve sentir o impacto, uma vez que bons roteiros são o ponto inicial para produzir um bom conteúdo.

Não são poucos os artistas mundialmente conhecidos que estão envolvidos ou apoiam a greve. David Shore, roteirista de séries renomadas como “The Good Doctor” e “House”, afirmou à correspondente da Vanity Fair Natalie Jarvey que nunca viu os roteiristas tão unidos e que, apesar não ser um desejo deles que a greve se estenda, ele não visualiza uma desistência. A banda Imagine Dragons performou, durante um protesto no dia 10 de maio de 2023, as músicas “Radioactive” e “Whatever it takes” para demonstrar apoio aos manifestantes. Em uma entrevista publicada no dia 12 de maio de 2023, Tom Hanks também declarou apoio à greve, salientando a discrepância que existe entre o lucro da indústria e a remuneração dos trabalhadores, que são os responsáveis pelo sucesso de filmes e séries. 

Dessa maneira, esse panorama evidencia a desvalorização que escritores sofrem diante de uma sociedade em que o capitalismo predomina. Assim, exigências por direitos óbvios precisam ser reivindicadas década após década e, ainda assim, pouco menos que o mínimo é entregue por aqueles que possuem todo o lucro. 

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