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Gap Year é opção para descobrir a si mesmo e o mundo

O Gap Year é procurado por pessoas de diferentes idades e estilos de vida
Foto: Stock Photo / Samantha Craddock

O Gap Year é uma prática que transforma a vida de diversas pessoas. O termo em inglês, que significa “ano de intervalo”, carrega a proposta de promover um momento de intervalo na vida com uma viagem. Os objetivos mais comuns são interromper os malabarismos do dia a dia, apreciar o mundo e até se conhecer melhor.

O termo se aproxima do chamado Ano Sabático, ideia que se refere à cultura judaica de deixar a terra descansar por certo período, sem que se cultive nela. O trabalho é suspenso e, quando esse repouso compulsório termina, a produção ganha novo vigor.

O Ano Sabático está ligado, ainda, a ideia de uma viagem interior, em que o principal objetivo é o autoconhecimento. Planejado por muito tempo, ele costuma ser muito interessante para quem pensa em mudar de rumos, tanto na vida profissional, como na pessoal. Mas o que costuma definir essa classificação e o destino da viagem são os objetivos do viajante.

Há quem deseje simplesmente fugir da rotina, então escolhe um lugar para se divertir, passar o tempo de uma forma inusitada em parques de diversão e praias paradisíacas, por exemplo. Já quem quer se reencontrar espiritualmente ou fazer um trabalho voluntário, costuma escolher destinos como o Nepal e a Índia.

A sócia diretora da Central de Intercâmbio (CI) Mônica Oliveira conta que se a ideia é estudar ou trabalhar fora os lugares mais procurados são a Irlanda e a Nova Zelândia.
Segundo ela, o governo desses países incentiva a ida dos brasileiros para lá. “Isso é muito motivador, pois proporciona certa autonomia financeira, inclusive para realizar a viagem”, afirma.

Vida sem pause
Uma das motivações para fazer um Gap Year é, com certeza, dar uma pausa na rotina. Mas Oliveira faz uma ressalva para aqueles que estão apenas à procura de uma fuga do dia a dia. Segundo ela, refrescar a cabeça, sem um objetivo concreto que faça parte de um projeto de vida, não é a solução mais indicada. “A evolução como pessoa e como profissional se dá com a busca por um upgrade na carreira ou por novas experiências. Fuga não”, considera.

Essa busca, de acordo com ela, é parte da vida de pessoas de diversas idades, que vão de candidatos ao governo do Estado, até estudantes e empresários.

Simplicidade e felicidade
O empresário Marcos Greca, 33, não perdeu a oportunidade. Aproveitou o momento em que estava vendendo a empresa para passar três meses viajando. Conheceu a China, a Malásia e a Indonésia. Além de surfar bastante, Greca visitou a Feira de Cantão, a maior feira multissetorial do mundo na cidade de Guangzhou, na China, conheceu plantações de arroz e a simplicidade do povo asiático. “Não são tão atrelados ao consumismo como o mundo ocidental. Mas são até mais felizes do que nós”, conta.

A vida simples e alegre chamou muito sua atenção e fez, inclusive, com que seu ponto de vista sobre a própria realidade, a do Brasil, piorasse, principalmente em relação ao consumismo. “Isso me mudou bastante”, completa. Relembra que passou por momentos onde ninguém falava sua língua, tampouco inglês, mas que o povo de lá se mostrava muito solícito para tentar a comunicação.

Do sol à Dinamarca

Escola Ørestad Gymnasium em que Mariana Caxambu estudou na Dinamarca
Foto: Mariana Caxambu

Mariana Caxambu, 19, estudante de Relações Públicas na Universidade Federal do Paraná, tinha a vontade de conhecer a Dinamarca e estava insegurança com o ano do vestibular. Decidiu resolver os dois problemas de uma vez só e decidiu fazer um Gap Year em 2011.

Ela decidiu pegar o avião e concluir o terceiro ano do ensino médio no país escandinavo com o objetivo de se abrir para novas experiências e tentar ser uma verdadeira dinamarquesa. Chegou lá sem saber a língua, mas aos poucos foi aprendendo, graças à convivência e à nova escola.

Por um ano a estudante vivenciou um método de aprendizado inovador, em que podia escolher a área em que preferia aprimorar suas experiências. Escolheu mídia e música. Ela conta que muitas coisas na escola eram totalmente diferentes do padrão brasileiro. O espaço era inteiro de vidros, sem paredes e, além de tudo, os professores tinham outros meios de avaliação, diferente de provas. “Foi o ano mais difícil da minha vida e, ao mesmo tempo, o melhor”, revela.

Mariana confessa que voltou valorizando muito mais as coisas simples da sua rotina, como passar um tempo com a família ou comer sorvete com as amigas em um dia ensolarado. Relembra que calor era uma das coisas que mais sentiu falta, afinal o sol dá pouco o ar da sua graça no país dinamarquês, diferentemente de onde estava acostumada no Brasil.

Novidade que virou rotina

Gustavo Loiola em uma de suas viagens – Central Park – NY
Foto: Nina Vilas Boas

A terra verde e amarela já viu o consultor da ONG Ashoka Brasil Gustavo Loiola, 23, se despedir várias vezes. Ele começou com a vontade de “refrigerar” o cérebro, quebrar a rotina. Em 2011, colocou seus planos em prática com uma viagem para Nova Iorque.

E o que era uma saída para quebrar a rotina acabou virando parte dela. Ele diz que seus planejamentos para as viagens, feitas duas vezes por ano, duram cerca de cinco meses. “Vivo o ano inteiro me planejando”, brinca.

Desde então, Loiola viaja à procura de diferentes culturas, pessoas e, até de referências visuais para incorporar ao seu trabalho de consultoria. “É um momento para mim”, sustenta. E comenta que, atualmente, seu grande desafio é buscar novos destinos e estímulos.

Hoje, o consultor coleciona fotos e lembranças curiosas de suas viagens. Ele relembra a ocasião em que se perdeu em uma comunidade em Buenos Aires e a vez em que precisou pedir alguns trocados para pegar ônibus na Colômbia.

Não teve maiores problemas nos dois casos. Conta que são experiências muito transformadoras e que fazem bem. “Sempre gostei muito de viajar. Virou prioridade”, destaca.

Redescobrir-se

Sala de meditação do retiro “Meditação Vipásana”
Foto: André Valentim

Quem também viveu uma experiência de Gap Year e conta em seu livro “O Olho da Rua” (Editora Globo) é a jornalista Eliane Brum. Um dos seus únicos textos em primeira pessoa da obra retrata a viagem que ela fez a um retiro de meditação na região serrana do Rio de Janeiro.

Brum passou dez dias no local, dedicados cem por cento ao silêncio e ao aprendizado de técnicas de meditação. “Viajaríamos sempre para longe e para dentro, mas sem sair do lugar”, escreve. Literalmente. A jornalista passou, durante todo o período, mais de cem horas sentada na mesma posição.

Dessa experiência vieram várias descobertas como a forma como conduzia sua respiração, a capacidade de esvaziar a mente e o ato de observar cada sensação do seu corpo. “Descobri que não tinha nenhum controle sobre minha mente”, registra. “A realidade ganhou uma sutileza que até então não existia no meu cotidiano”, acrescenta.

Com o retiro ela descobriu, ainda, um problema na coluna, que não a largou mais depois das tantas horas na mesma posição. Brum demoraria para descobrir se não fosse a viagem.

Durante todo o texto a escritora mostra que sua viagem foi muito mais interior e ao redor de si mesma do que para outro estado ou localização. “Ao avesso de qualquer outra aventura, quanto mais longe, mais perto estava de mim. Neste mundo em que todas as geografias já foram devassadas – e a maioria delas devastada –, talvez este seja um desafio mais real”, finaliza.

Para saber mais
Além de livros que falam sobre experiências particulares de Gap Year, há aqueles que servem como verdadeiros guias para quem tem interesse em fazer esse tipo de viagem. Um exemplo é o “The Gap Year Book” (2003, editora Lonely Planet). Há também sites como o www.gapyear.pt e documentários e vídeos sobre o assunto como esse feito pelo americano Eli Hirsch goo.gl/KJD34M.

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