O ator, humorista, roteirista e escritor Gregório Duvivier trouxe ao Festival de Curitiba um monólogo que mescla dramaturgia e stand up – com uma pitada de musical. A comédia “O Céu da Língua”, peça parte da Mostra Lúcia Camargo, aborda sobre as origens e significados das palavras da língua portuguesa e foi escrita pelo próprio Duvivier, dirigida pela atriz e cantora brasileira Luciana Paes.
O espetáculo é engrandecido pela direção musical do baixista Pedro Aune, responsável também pela execução da trilha sonora da peça, e pela designer Theodora Duvivier, irmã de Duvivier, que projeta palavras nas paredes do teatro ao longo do espetáculo.

No palco, Duvivier interpreta um texto que viaja entre a história da linguagem, passando pelas influências que diferentes povos, como árabes e africanos, tiveram na construção da língua portuguesa, mas que acaba esbarrando sempre no mesmo ponto: a poética onipresente que permeia o nosso “português do dia a dia”.
Um dos exemplos levantados pelo comediante é o do corpo humano, que segundo o ator é um “templo de metáforas adormecidas”. A metáfora é um dos artifícios clássicos da poesia e palavras como batata da perna, céu da boca e planta do pé são ditas constantemente, sem que se perceba o valor poético e metafórico existente nessas expressões.
Tratando das influências africanas na constituição do português, um dos exemplos trazidos por Duvivier é a palavra “bagunça”, tão utilizada cotidianamente e que tem origem na palavra “bangula”, da língua africana quicongo, utilizada para designar desordem. Outra palavra curiosa comentada na peça e que tem origem em línguas africanas, é a expressão “muxoxo”, utilizada para designar o ato de estalar a língua no céu da boca como sinal de desdém – o famoso “tsc”.
Segundo o humorista, que é formado em Letras pela Pontíficia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) e se autodeclara um ufanista da língua portuguesa, o objetivo da peça é justamente “mostrar que a poesia é acessível a todo mundo. Apesar do mito de que poesia é para poetas e que o poeta é um cara iluminado, que vive numa torre de marfim. A minha ideia é o contrário disso, quero mostrar que a poesia está ao rés do chão, que ela é gratuita e acessível a todos. E essa é uma paixão muito gostosa de se ter”, afirma o ator. “A nossa relação com as palavras pode ser utilitária, quando utilizada para nos comunicar, mas também pode ser gastronômica, pois podemos utilizá-las para nos deliciar”, completa.
A peça atraiu ao Teatro Guaíra um público estimado em 7.200 pessoas, em três apresentações. Uma delas foi Guilherme Gontijo, 41, escritor e vencedor do Prêmio Jabuti (tradução), que declarou: “O Gregório [Duvivier], conseguiu representar de maneira hilária a presença de elementos poéticos no cotidiano. As pessoas, nas conversas despreocupadas fazem jogos de linguagem, rimas, aliterações, trocadilhos, metonímias”.
Para o designer Pedro Ornieski, 23, em seu olhar como espectador, “a peça acaba sendo uma aula não convencional de Letras”, comparou. “A forma com que o Duvivier traz um olhar filosófico mesclado com conhecimento técnico é muito cativante. Depois da peça, passei a pensar a poesia de uma maneira diferente”, completou.
A comédia “O Céu da Língua” continua em turnê pelo Brasil. A próxima capital a receber o espetáculo será São Paulo, para uma temporada no teatro Sérgio Cardoso, que ocorrerá entre 1º de maio e 1º de junho.
FICHA TÉCNICA
Repórteres: Camila Calaudiano e Manoel Salvador
Revisor: Alice Lima
Edição final: Alana Morzelli