sáb 10 jun 2023
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“É preciso buscar cultura o tempo todo”

"Folheteen - Direto ao ponto", de José Aguiar
“Folheteen – Direto ao ponto”, de José Aguiar. Foto: Divulgação

Conhecido por suas tiras publicadas no jornal Gazeta do Povo, José Aguiar é hoje um dos principais quadrinistas brasileiros. Em 2013, Aguiar publicou o livro ‘‘Folheteen – Direto Ao ponto’’, que conta a história da personagem Malu. A obra narra as vivências e dilemas juvenis da adolescente em uma Curitiba imaginária, com irmãos irritantes e pais separados. Malu foi vencedora do I Concurso Intencional de Quadrinhos do Senac-SP, que rendeu ao autor a primeira publicação do livro Folheteen (Devir, 2007).

Formado pela Faculdade de Artes do Paraná, Aguiar também é curador e co-criador dos eventos mais importantes da nona arte em Curitiba: a Gibicon – Convenção Internacional de quadrinhos de Curitiba – e Cena HQ, que realiza leituras dramáticas de quadrinhos no Teatro da caixa. Com muita descontração, o artista respondeu a uma entrevista exclusiva ao Jornal Comunicação.

Jornal Co:::unicação: Como começou a sua relação com os quadrinhos?

José Aguiar: Minha lembrança mais antiga de uma HQ é uma edição do Homem-Aranha, da extinta editora Ebal. Na capa, ele estava sendo atacado por Thor. Eu devia ter uns três anos de idade e me recordo de ficar chocado com os dois heróis lutando e maravilhado com as armaduras daqueles deuses. A revista já era antiga naquele tempo. Pertencia ao filho de uma senhora cega com quem minha tia morava na época. Ele colecionava quadrinhos e acabei levando várias HQs para casa naquele dia.

Co:::unicação: E quando você decidiu que queria trabalhar com a chamada nona arte?

Aguiar: A vontade de fazer quadrinhos veio por causa dos seriados e desenhos animados da TV. Eu queria desenhar aqueles personagens e com os quadrinhos era mais fácil de ver os detalhes. Então, por mais clichê que seja, e não vejo pecado nisso, é um sonho que alimentei desde criança. Na escola, eu já fazia meus próprios gibis em cadernos que eram passados de mão em mão entre os colegas. Sempre soube que os quadrinhos seriam minha profissão. O desafio foi descobrir qual o caminho para isso se tornar real.

Co:::unicação: De que forma a literatura influenciou a sua obra?

Aguiar: Ainda sou um leitor em formação, ainda estou descobrindo autores clássicos como Mary Shelley, Herman Melville, Julio Verne, Pierre Boule, Robert E. Howard, Lovecraft… Às vezes, leio autores atuais como Lourenço Mutarelli. Mas sem o compromisso de devorar tudo. A literatura começou tarde para mim e, confesso, muitas de minhas leituras tem alguma forma de ligação com o universo dos quadrinhos. Cresci numa casa sem livros. Meus pais não tiveram acesso a eles e a cultura entrava por meio de televisão, como era comum na maioria das casas daquela época pré-internet. Quando passei a ler quadrinhos e comprá-los eu mesmo, eles foram se tornando minha referência, minha base sólida de formação.

Co:::unicação: Você acaba de publicar o livro ‘‘Folheteen – Direto ao Ponto’’. Como foi o processo de concepção e dessa obra?

Aguiar: O livro trata-se de um amadurecimento das tiras que publico no jornal Gazeta do Povo, e também de um recomeço da série, uma continuação livre do livro original, publicado em 2007. Agora, me sinto mais à vontade com o universo e personagens que criei. Eles têm muito o que dizer e não são mais hesitantes. Folheteen é o meu trabalho mais curitibano. A série fala do curitibano sem apelar para sotaques e estereótipos. É minha busca pelo universal através do local. Malu, a protagonista, é uma menina normal, que vive situações normais que eu acho adoráveis, justamente por sua banalidade. Curitiba é um personagem discreto na série.

José Aguiar, quadrinista, estará presente no Litercultura. Foto: Divulgação
José Aguiar, quadrinista, estará presente no Litercultura. Foto: Divulgação

Co:::unicação: A Malu é uma adolescente que esta por dentro da internet e vê o mundo de uma perspectiva muito própria.  Qual foi a sua inspiração para a criação da personagem?

Aguiar: Para chegar na Malu, tive que recorrer a mim mesmo. Relembrar o adolescente que fui. Que pensava mais do que agia, que era inseguro e imaturo diante dos problemas. Dar voz à Malu é um exercício de auto reflexão, onde falo das coisas de com as quais me importo: vegetarianismo, mobilidade urbana, cultura e, principalmente, relações humanas com pessoas que amamos. A família da Malu é uma versão distorcida da minha própria, do núcleo familiar de onde venho: os pais separados, o irmão com quem não me dava muito bem. A partir da minha vivência, pude construir meus personagens, que tem vida própria. Mas a Malu é também uma mistura de muitas das mulheres que convivem comigo. Fazer uma HQ com protagonista feminina é muito estimulante. Isso a faz muito crítica, mesmo que de maneira não muito pró-ativa.

Co:::unicação: Que conselho você daria para quem está começando?

Aguiar: Antes de querer ser artista, queira ser profissional. Respeite prazos e respeite clientes para ser respeitado. Tenha nota fiscal, pague seus impostos, não seja informal. Escreva, leia e desenhe muito, não só sobre quadrinhos. Para trabalhar com quadrinhos, é preciso buscar cultura o tempo todo.

Co:::unicação: No Litercultura, você vai falar das dificuldades nas adaptações literárias. O que você pode adiantar para a gente?

Aguiar: Basicamente, a partir da minha experiência ao adaptar Dom Casmurro aos quadrinhos, vou tentar estabelecer quais são os critérios que podem ajudar numa boa transposição de mídias de uma obra. Que o quadrinho, por mais que seja uma adaptação, não está completamente subordinado, mas é uma obra em si, com seu valor com releitura. E que, justamente por fazer uso da imagem, necessita de intensa pesquisa. O que não tira o peso do desafio que é manter-se fiel a um clássico ao mesmo tempo que se tem a obrigação de recriá-lo à altura. Também falarei de minha adaptação de 20 Mil Léguas Submarinas ainda em processo e farei atividades práticas. Será uma tarde intensa e muito proveitosa, com toda certeza.

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