qui 14 nov 2024
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Marcha da Maconha de Curitiba 2023: evento ocorre em ambiente de retomada do debate sobre descriminalização

Nesta edição, a marcha chega com o lema “Pelo fim da guerra às drogas, aos negros, aos pobres, à periferia, à juventude, às mulheres, aos povos indígenas e às pessoas LGBTQIA+"

A Marcha da Maconha de Curitiba de 2023 acontece no próximo domingo, dia 24.  Manifestantes que defendem, além da legalização e regulação das drogas psicoativas,  outras pautas de interesse social – como o combate ao racismo e a opressão policial – devem se concentrar na Boca Maldita a partir das 14h, com saída marcada para às 16h20.

A edição deste ano sucede a retomada do debate acerca da descriminalização do porte para consumo pessoal da cannabis no Supremo Tribunal Federal (STF) – no momento, o placar é favorável para descriminalizar. 

O movimento antiproibicionista vem ganhando cada vez mais adesão. De acordo com o site da Associação Sou Cannabis, existem 18 marchas da maconha ocorrendo anualmente no Brasil. No mundo, ela está presente em 85 países, sendo muito popular em diversos estados dos EUA, em países europeus e alguns latinoamericanos. O formato de “marcha” é, geralmente, uma reprodução do protesto que deu origem ao movimento. Assim como a Million Marijuana March, realizada em 1999 em Nova Iorque, essas manifestações são na maioria das vezes pacíficas e supra-ideológicas, ou seja, pessoas de qualquer ideologia podem participar – com ressalvas, claro. 

Apesar de se tratar de um movimento global, cada marcha deve ser adaptada à realidade na qual ela está inserida. Segundo Carol Fayad, que faz parte da organização da Marcha da Maconha de Curitiba, seria imprudente reivindicar a legalização das drogas no Brasil, “sem pensar em reparação histórica e social para os grupos sociais mais afetados pela Guerra às Drogas”, por exemplo. Diferente do que ocorre na Europa, onde o foco da mobilização está na celebração da liberdade individual e até da droga em si, as marchas brasileiras tendem a apontar para o contexto de opressão degradante gerado pela política de drogas nacional.

Carol ainda reforça que a Marcha entende que a proibição das drogas, além de ser “uma violação grotesca da liberdade pessoal”, deve ser entendida em um contexto amplo, como uma política anti-racional e baseada em preconceitos, principalmente no racismo. Para os manifestantes, a proibição é muito mais maléfica para a sociedade do que o efeito da droga em si, e por isso reivindicam a legalização e regulação das substâncias psicoativas ilícitas, sendo a maconha a mais popular delas. 


Marcha da Maconha de Curitiba 2022 / Foto de Ivo Reck

E qual é a legislação que temos hoje?

Atualmente, tanto a venda, quanto o porte de maconha estão proibidos no Brasil. A questão é regulamentada pela Lei de Drogas de 2006, que apesar de proibicionista, entende as duas infrações como crimes muito diferentes um do outro. Apenas a venda, ou tráfico, é passível de pena de prisão. Enquanto isso, a posse ou o porte da droga para consumo pessoal é penalizado com advertência, serviço comunitário, ou cursos de reabilitação.

Na época em que foi aprovada, esta medida foi vista como um avanço pela ala política progressista, visto que até então o consumo de drogas também era penalizado com encarceramento. Hoje, 17 anos depois, especialistas criticam a eficácia da lei. De acordo com Mariana German, Mestre em Direito Público (Criminologia) pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Integrante da Comissão de Políticas sobre Drogas da OAB/PR, a lei acabou sendo mal formulada, o que gerou uma explosão no encarceramento de pessoas condenadas por tráfico, agora punido com penas mais longas e rígidas. 
 
O problema, segundo ela, está na não estipulação de um critério objetivo para diferenciar o usuário do traficante, fazendo com que pessoas sejam condenadas por tráfico apenas por portar a droga,  “É muito fácil condenar alguém por tráfico no Brasil…No crime do tráfico de drogas, geralmente, a única prova que se produz é a palavra do policial”, diz a especialista.

Por influência do preconceito, Mariana ressalta que as pessoas mais atingidas por essa política são pessoas pretas e pobres. 

Possibilidade de descriminalização

Está em processo de votação no STF, uma possível medida que descriminaliza o porte ou a posse de maconha para uso pessoal. Além disso, os ministros estão votando para estabelecer um critério objetivo que diferencie legalmente usuários de traficantes. A análise iniciou em 2015, foi retomada no mês passado e por enquanto está paralisada a pedido do ministro André Mendonça.

Os juristas podem fazer essas alterações na legislação através do que é conhecido por “Modulação dos efeitos das decisões judiciais”, prevista no artigo 27 da lei 9.868/99. Assim, partindo da análise de um caso concreto, o Supremo Tribunal Federal (STF), e apenas o STF, pode declarar determinada lei como inconstitucional. O argumento geral, nesse caso, é de que a aplicação da Lei de Drogas viola o direito fundamental do cidadão à vida privada, sendo, portanto, uma violação à constituição.

Nesse momento, o grupo favorável à descriminalização está a um voto de conseguir maioria. Ainda há algumas divergências entre os ministros quanto à quantia máxima da droga que um usuário poderia portar. No entanto, todos que votaram até agora concordam que um valor precisa ser estipulado. 

As crises carcerárias e de criminalidade chegaram a tão extremo grau, que o judiciário veio a “intervir”, de certa maneira, na legislação brasileira. Não é fugir da realidade afirmar que existe hoje, no Brasil, uma parcela considerável de pessoas injustamente taxadas de traficantes pelo sistema penal. 

Dados de encarceramentos relacionados à droga no estado

No Paraná, por exemplo, um estudo realizado pelo então recém criado Observatório de Políticas sobre Drogas analisou o perfil dos encarcerados por tráfico de drogas no estado. Os dados são de 2014, mas ainda são atuais. Pouco mudou, de lá pra cá, na política de drogas brasileira. O tráfico ainda é o crime que mais leva pessoas para a cadeia, e a população carcerária paranaense só cresceu: eram 28.702 presos, agora são 35.446, 7 mil a mais do que o sistema comporta. 

Leia artigo aqui.

Dos 1441 casos analisados, o que correspondia na época a quase um quarto dos presos em virtude da repressão ao tráfico ilícito de drogas, 17,8% foram abordados com uma quantidade considerada “pequena” do produto – 25 gramas no caso da maconha, levando em conta os padrões de consumo do usuário. Além disso, observou-se que 100% das mulheres e 98% dos homens de uma mostra menor de 198 indivíduos haviam sido presos provisoriamente. No total, apenas três pessoas tinham sido encarceradas após sentença condenatória.  

Gráfico elaborado pelo Observatório de Políticas sobre Drogas / Leia artigo aqui

O estudo não traçou um perfil racial dos detentos. Não há hoje uma pesquisa que evidencie, com base em dados concretos, o racismo estrutural quando tratamos do encarceramento por tráfico no estado do Paraná. Muitas pesquisas nacionais, no entanto, algumas inclusive citadas pelo ministro do STF Alexandra de Moraes em seu voto a favor da descriminalização da maconha, apontam para um desequilíbrio entre brancos e pretos ou pardos, quando tratamos do encarceramento pela legislação de repressão às drogas. O perfil mais comum de preso por tráfico no Brasil é homem, preto, pobre, pouco escolarizado e jovem. 

Veja voto do ministro aqui.

Descriminalizar é suficiente?

A Marcha da Maconha de Curitiba pensa que não. De acordo com a organização do movimento, além da medida valer apenas para uma única droga e ser extremamente frágil de um ponto de vista legal, ela não extingue a principal forma de opressão oriunda da política de drogas: o combate ao tráfico. 

Por outro lado, não tem como negar que a descriminalização da maconha é um passo importante no caminho da legalização. Pitt (24) é músico e deve participar este ano de sua terceira marcha. Ele lembra que essa não é a primeira vez que esse tema é discutido em plenário, e a votação por enquanto favorável pela descriminalização demonstra, para ele, uma certa influência da opinião pública no caso. 

Segundo Pitt, o movimento pró-legalização,  de uns anos pra cá, tem amadurecido, tomando cada vez mais consciência de sua importância para outras causas sociais. Ele mesmo, antes de começar a frequentar a Marcha da Maconha, não tinha total compreensão da luta política, “Eu pensava que era um ´rolê´… Iria só para fumar e me divertir”, conta.

Hoje, o músico está bastante engajado na causa, e compreende toda a sua complexidade. Ele também toca no grupo Batucannabis, que vai se apresentar no próximo domingo, durante a Marcha. 

Pitt na Marcha da Maconha do ano passado. Ao fundo a bandeira do grupo da “Batucannabis”/ Imagem de arquivo pessoal




Eduardo Gomm Perry
Estudante de Jornalismo da UFPR.
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