“Bet” é o termo vindo do inglês que significa “aposta”. No contexto de jogos de azar, “bet” se refere a qualquer tipo de aposta feita em eventos cujo resultado é incerto, como partidas esportivas ou jogos de cassino. Uma pesquisa realizada em 2023 pela consultoria PwC revelou que o mercado das “bets” movimentou 1% do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil durante o ano. Segundo a economista Larissa Dornellas, o fenômeno das casas de apostas evidencia um cenário de desigualdades já presente no contexto brasileiro, além do vício se tornar uma questão de saúde pública.
Questão legal das apostas
Jogos de azar são expressamente proibidos no Brasil desde 1946, exceto as loterias que – por serem propriedade do Estado brasileiro – devem ter seus recursos revertidos para áreas sociais. Porém, desde 2018, o mercado de apostas cresceu de maneira desregulamentada, já que a lei sancionada previa apenas a legalização das apostas de quota fixa, aquelas em que o apostador sabe o exato lucro que vai receber caso vença, mas não as regras práticas que as casas de apostas deveriam seguir.
Para solucionar esse problema, em 2023, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 3626/23. A proposta prevê uma tributação de 12% sobre a arrecadação bruta das empresas de apostas, com os recursos sendo direcionados para ações desenvolvidas pelo governo para garantir direitos à população. Além dos tributos, o projeto também proíbe publicidades que associem apostas ao sucesso social ou pessoal, e exige avisos de desestímulo às apostas. A regulamentação das empresas de apostas no Brasil, de acordo com as diretrizes do PL 3626/23,2 está prevista para ocorrer até o início de 2025.
Impacto na economia
O levantamento da consultoria PwC mostrou que, dos anos de 2020 a 2023, o número de empresas que atuam no setor de apostas esportivas no Brasil registrou um aumento de mais de 500%. Apenas no ano de 2023, a área movimentou cerca de R$100 bilhões.
“É como se a gente retirasse uma parcela do PIB potencial e a direcionasse para um mercado que não contribui da mesma forma para o crescimento econômico”
Larissa Dornellas – Economista
Segundo a economista Larissa Dornellas, a falta de regulamentação entre 2018 e 2023 teve um impacto direto na economia brasileira. “Esses jogos não têm retorno nenhum em termos de emprego e geração de renda, então é como se a gente retirasse uma parcela do PIB potencial, que poderia estar sendo alocada em setores produtivos da economia e a direcionasse para um mercado que não contribui da mesma forma para o crescimento econômico”, explica.
Orçamento básico comprometido
O mercado de apostas tem afetado a alocação de recursos em áreas essenciais para famílias de baixa renda. De acordo com pesquisa da Educa Insights, 41% dos jovens pertencentes às classes mais baixas e interessados em ingressar em instituições privadas de ensino adiaram esse plano devido aos gastos com apostas. Um estudo da Fecomércio-SP também revelou que 12% das famílias das classes D e E optaram por apostas em vez da compra de alimentos.
Esse cenário preocupa economistas, que alertam para os danos à economia familiar. “A gente tem parte dessa população com uma renda baixa, que já não cobre os seus gastos fixos e variáveis, sendo direcionada para um mercado que vende uma possibilidade de você alcançar maiores degraus na vida financeira, o que estatisticamente é muito difícil de acontecer”, destaca Larissa Dornellas.
O tabaco contemporâneo
“Eu tomei conta que tinha me viciado em apostas online em um dia que eu não tinha dinheiro para apostar e percebi que a falta daquele joguinho me causou muita ansiedade”, relata o estudante e apostador Eduardo da Cunha, 19 anos, sobre quando percebeu que a prática de apostar — até então vista como inofensiva — havia se tornado um vício.
Casos como o do Eduardo não são raros no Brasil e têm gerado grande preocupação entre especialistas e autoridades. A Ministra da Saúde, Nísia Trindade, comparou essa prática à uma pandemia e que necessita de regulamentações e de debates similares à luta contra o tabaco.
O vício em apostas segue a mesma lógica de outros vícios, como o tabagismo e o uso de drogas. A produção de dopamina, neurotransmissor do sistema de recompensa do cérebro, é o que está no centro desses processos, levando à busca por estímulos constantes, criando um ciclo vicioso.
Além dos fatores biológicos, o vício em apostas é influenciado por questões sociais e econômicas. “O acesso fácil às apostas, somado às dificuldades econômicas e familiares, torna as populações mais pobres mais suscetíveis a esse ciclo”, explica a psicóloga Eliza Penachi. Ela ressalta que fatores biopsicossociais desempenham um papel central no desenvolvimento e manutenção do vício. “Esses fatores sociais e psicológicos são o pano de fundo de qualquer personalidade mais vulnerável e precisam ser considerados no tratamento”, conclui.
Devido aos impactos econômicos, bem como aos efeitos na saúde e bem-estar dos brasileiros, a ministra Nísia Trindade também destacou, durante evento de lançamento da Campanha Nacional de Incentivo à Doação de Órgãos e Tecidos para Transplantes, no Palácio do Planalto, a importância da regulação das apostas online e da criação de avisos constantes sobre os perigos das apostas como políticas públicas. “É muito importante a regulação, olhar para a publicidade, e colocar, como temos dito, na mesma gravidade do que o Brasil fez em relação ao tabaco.”
Ficha Técnica
Reportagem: Gustavo Gomes e Marya Marcondes
Edição: Sophia Martinez
Orientação: Cândida de Oliveira