sex 14 fev 2025
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Mostra “Surdo, logo existo” leva inclusão ao Festival de Curitiba

Primeira Mostra Surda do Festival quebra barreiras e tem ingressos esgotados até o último dia de exibição

O Festival de Teatro de Curitiba chegou enchendo a cidade de cultura. Fazendo história no Festival, na última sexta-feira, 29 de março, ocorreu a estreia da mostra “Surdo, Logo Existo”. Apresentada com o apoio do poder publico municipal e respaldada por leis de incentivo à cultura, como a Lei Aldir Blanc e a Lei Paulo Gustavo. 

A peça de estreia da mostra, também chamada “Surdo, logo existo” é dirigida pela atriz, poetisa e artista surda Gabriela Grigolom. E traz em seu enredo a representação da opressão e sufocamento da comunidade surda ao longo da história. Contando com um elenco composto exclusivamente por pessoas surdas. 

Elenco da peça “Surdo, logo existo” em apresentação no Teatro Universitário de Curitiba. Foto: Thiago Ferrari

O espetáculo toma como ponto de partida o congresso de Milão, um evento que ocorreu em 1880 na Itália, onde uma maioria ouvinte votou pela proibição do ensino das línguas de sinais para pessoas surdas, em favorecimento da modalidade oral da língua. Assim iniciando um período de sufocamento de milhares, que ficaram sem conseguir se comunicar apropriadamente durante décadas, sofrendo com a falta de acessibilidade a direitos básicos de qualquer ser humano. 

A partir daí, a exibição se propõe a mostrar o sofrimento da comunidade surda por meio de representações metafóricas e literais, utilizando da gestualidade e do visualismo para isso. Não tendo a participação de intérpretes, o único momento falado da peça é a exibição de vídeos narrados com depoimentos e casos emblemáticos de pessoas surdas que sofreram com a proibição imposta pelo congresso.  

“Qualquer pessoa ouvinte pode ver a peça. Não somos nós que temos um problema de comunicação, nós crescemos com ouvintes, nós entendemos eles. Quem tem dificuldade de se comunicar com nós são eles”, destacou uma das atrizes da peça, Rafaela Hoebel.

Karla Ferreira, comenta como a peça representa algo que até hoje é muito presente na vida dela e de diversas pessoas surdas. “Eu passei por esse processo de oralismo e ver isso no teatro me marca bastante, como é importante os surdos falarem sobre isso, quão importante é pessoas surdas impactarem outros com essas lembranças”.

De acordo com o diretor de teatro e criador de luz do espetáculo, Octávio Camargo, é importante a criação de mais espaços para expressões artísticas surdas. “É muito relevante a presença de uma mostra surda no Festival, pois retira o surdo da invisibilidade, ou seja, uma população que raramente vê uma pessoa surda, vai em um restaurante e se depara com vários surdos, percebendo assim o tamanho desta comunidade, que é numerosa, feliz e expressiva”, conclui ele.

Camargo elogiou a cidade de Curitiba por sua corajosa iniciativa de inclusão, destacando que a mostra foi concebida, produzida e executada por artistas surdos, marcando um momento pioneiro que pretende inspirar todo o país.

 Hoebel, que além de uma das atrizes da peça é diretora da mostra, compartilhou sua visão sobre a inclusão, especialmente para pessoas como ela, frequentemente excluídas de espaços sociais. Ela ressalta a importância de não apenas serem consultores do teatro, mas os protagonistas. “Muitos surdos estão em casa, sem um lazer, um entretenimento, é tudo muito excludente, é uma sociedade muito ouvintista e hoje, nós quebramos essa barreira, nós quebramos essas algemas e estamos aqui”, comemorou. 

A lotação da casa foi celebrada como um testemunho da importância da arte para a comunidade surda, destacando que esse evento abriu portas para um futuro mais inclusivo e acolhedor. A mostra “Surdo, Logo Existo” não é apenas um espetáculo, mas uma revolução silenciosa que ecoa muito além dos limites do palco.

Mecanismos de incentivo à cultura

A peça, bem como a mostra são avanços importantes para a sociedade no que diz respeito à inclusão e à diversidade. Vale questionar de que forma o governo, em suas diversas esferas, está atuando para promover tanto a cultura quanto essa inclusão de parcelas excluídas da sociedade. 

A Mostra Surda de Teatro é uma das ações promovidas pela Fluindo Libras, coletivo cultural voltado para arte surda e tradução em Libras. Conseguindo apoio e incentivo de figuras como o vereador Ângelo Vanhoni. Foto: Thiago Ferrari

Segundo o vereador Ângelo Vanhoni (PT), durante o governo de Temer e Bolsonaro, quase todas as empresas públicas do Brasil não ajudaram as artes. Não só o Festival de Teatro de Curitiba, como o conjunto das artes e o Ministério da Cultura foram praticamente destruídos, diminuindo os incentivos. Além disso, em entrevista, o vereador comentou que o diretor do Festival, Leandro Knopfholz, havia expressado preocupação com a possibilidade do festival sequer ocorrer esse ano. 

O panorama foi alterado recentemente com acriação da “Nova Lei de Incentivo à Cultura”, a qual Vanhoni participou na criação. A nova lei estende o prazo de execução dos projetos de 6 para 12 meses. Essa ampliação oferece aos artistas e produtores um período mais flexível para desenvolver suas iniciativas, resultando em uma melhoria na qualidade dos produtos finais. Adicionalmente, o projeto introduz etapas adicionais de prestação de contas, fortalece os editais para ações afirmativas e reduz a verba de apoio de 30% para 20%. Além disso, convoca grupos minoritários para integrar o corpo de pareceristas.

Alinhada às normas federais do setor, como a Lei Paulo Gustavo e a Lei Aldir Blanc, a legislação de Curitiba incorpora mecanismos que incentivam a participação e o protagonismo de grupos socialmente marginalizados. Isso inclui a implementação de cotas, critérios diferenciados de pontuação, editais específicos e outras ações afirmativas, visando garantir a diversidade e representatividade no cenário cultural.

Mesmo com o retorno desses incentivos, ainda há uma insatisfação no que diz respeito à acessibilidade desses editais para certas parcelas da sociedade, como, nesse contexto, para as pessoas surdas. Em coletiva, o dramaturgo e um dos curadores da mostra, Jonatas Medeiros, expressou como isso pode afetar o acesso a esses incentivos: “Toda a estrutura burocrática, os editais de cultura, são em língua portuguesa. É claro que as pessoas surdas sabem português, mas ele é nossa segunda língua. Quem tem uma segunda língua, entende a dificuldade”concluiu.

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