O mundo as ofereceu rosas. A resposta veio em um canteiro de cartazes: “Não é por rosas, é pelos direitos das mulheres!”. Sob essas palavras de ordem, cerca de 400 pessoas se reuniram nesse dia 8 de março para denunciar a violência diária a que, não só as mulheres, estão submetidas.
Participaram da marcha pessoas que sofreram violência ginecológica, estupro, assédio sexual, racismo e homofobia. O clima geral do evento foi de negação das tradicionais reverências do Dia da Mulher, como as rosas, descontos em salões de beleza, lojas de roupa e em medicamentos como anticoncepcionais. Tradições que, segundo o movimento feminista, são formas de mascarar a violência contra a mulher e ocultar a questão que faz parte da realidade. . O evento foi planejado coletivamente, em reuniões que aconteceram no Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Curitiba, o Sismuc.
A liderança de coletivos feministas, como a Marcha das Vadias, Marcha Mundial das Mulheres, União Brasileira de Mulheres (UBM) e a Rede de Mulheres Negras ganhou corpo com o apoio de sindicatos, partidos de esquerda, do movimento estudantil, entre outros grupos. A militante Amanda Jaqueline Teixeira, da Marcha Mundial das Mulheres (MMM), explica a pluralidade: “A gente trabalha muito para garantir que todos os movimentos tenham representação e estejam na marcha de 8 de março, porque o feminismo precisa estar presente em todas essas lutas.”
Uma marcha, seis atos
Uma marca característica dos eventos feministas, tal qual a Marcha das Vadias, é a realização de diferentes atos e intervenções dentro do percurso da marcha. E dessa vez não foi diferente. Ao total, aconteceram seis atos principais com os temas Violência contra as mulheres, Mulheres negras e mercantilização, As mulheres e a participação na política, Mulheres lésbicas e trans, As mulheres jovens, além de dança circular. Cada ato usou teatro, música, intervenções, depoimentos e pronunciamentos para explicitar como o machismo pode afetar cada um desses grupos em diferentes dimensões.
Esses atos, além de ser uma forma dinâmica de se discutir reivindicações pautadas pelos coletivos, também servem muito bem para chamar a atenção dos passantes e, por vezes, agregá-los à marcha. Maria de Lourdes, 56,,, tinha saído de casa apenas para dar um passeio, mas acabou se interessando pela Marcha quando passava pelo Paço da Liberdade. Ela atribui o significado da manifestação aos recorrentes estupros e casos de violência contra a mulher noticiados dia após dia. “Eu não me arrependi nem um pouco de ter deixado minha casa pra vir aqui na cidade e encontrar um movimento assim. Eu estava indo embora, mas sentei aqui pra assistir porque acho importante.” complementa.
Mas não foram só mulheres que se impressionaram com os atos. Renato Mocelin, 54, estava só de passagem pela Boca Maldita quando parou para olhar a Marcha passar. Segundo Mocelin, essas manifestações de rua são a força motora para mudanças maiores. “Se o povo estiver organizado, a classe política é pressionada. Muitas das nossas leis que são progressistas emanaram de pressões populares.”, reflete. Ele reconhece a violência que as mulheres e o grupo LGBT estão sujeitos. “Mesmo eu sendo heterossexual, não vejo nada demais em participar de um ato pelo respeito à diversidade sexual”, finaliza.
Nem silenciosas nem silenciadas
O primeiro ato aconteceu na Praça Santos Andrade, às 10h30, contando com a participação de mais ou menos 200 pessoas. Com o auxílio de um caminhão e carro de som as Promotoras Legais Populares (PLP’s), Mulheres em Luta (MML) e a União Brasileira das Mulheres (UBM) organizaram um ato teatral ridicularizando a burocracia que é denunciar um crime de violência contra a mulher.
Dos alto-falantes também ecoavam diversas notícias de casos nos quais mulheres foram vítimas e que continuam sem solução. Também, gritos de cobrança aos políticos, especialmente Beto Richa. Nesse momento, algumas mulheres se organizaram nas escadarias do prédio histórico e relembraram outros casos arquivados, como o de Tayná Adriane da Silva. Em seguida, sob brados de “eu também sou Tayná” aconteceu uma batucada com tambores artesanais, dando início à marcha propriamente dita.
“Eu não sou miss, nem avião, minha beleza não é padrão”
O teatro contra a imposição de padrões de beleza fez parte do segundo ato da marcha e parou quem aproveitava as promoções de roupas na rua XV naquele exato momento.
Brinsan N’ Tchalá, 19, explica que a condição de opressão da mulher negra numa sociedade patriarcal, racista e classista é muito maior. A mídia, segundo ela, é a maior expressão disso: “O negro não aparece na TV nos papéis principais.. Aparecem como subalternos, ladrões ou através de uma satirização da imagem de ser negro.”, diz. Ainda, explica que a mulher negra é sempre a mais afetada com o errado tratamento de objeto sexual. “Globeleza é uma coisa que me incomoda. As pessoas vêm perguntar pra mim se eu quero ser Globeleza. Eu não saio perguntando para nenhuma moça branca ‘por que você não posa para Playboy?’ “,protesta.
Na Praça Generoso Marques, em torno das 11h30, começava o terceiro ato da marcha. A pauta da vez era a participação das mulheres na política e contou com falas de representantes femininas do PSTU, PC do B e PT. Os discursos orbitaram em torno da cobrança de políticas públicas voltadas para as mulheres e a representatividade feminina na política.
“Eu beijo homem, beijo mulher, tenho direito de beijar quem eu quiser”
Em frente à catedral da Praça Tiradentes, a vez foi da comunidade LGBT. O discurso defendendo a diversidade sexual foi sucedido por um “beijasso” gay. A intenção era quebrar o tabu visual do beijo gay.. Germano Manoel Pestana, 28, mestrando em gênero da UFPR, participou da intervenção. Segundo ele, a relação entre o movimento LGBT e o feminista é evidente. ”Aqueles que lutam contra a homofobia lutam por um mundo melhor, assim como as mulheres. Não dá pra esquecer que a luta LGBT nasceu junto com o feminismo.”, pontua.
Logo em seguida, na frente da Biblioteca Pública, quem ganhou voz foram as jovens mulheres, em sua maioria estudantes universitárias. Integrantes da Frente Feminista da UFPR e do Levante Popular da Juventude defenderam a maior presença de mulheres nos mestrados e doutorados. Além disso, algumas estudantes deram depoimentos e denunciaram posturas homofóbicas dentro da própria UFPR, incluindo atividades como o trote. Os coletivos presentes no local também prestaram homenagem às mulheres transexuais e falaram sobre a dificuldade de trazê-las para conversar em certos eventos, justamente por elas sofrerem grande discriminação.
A força das mãos entrelaçadas
A luta do feminismo é uma luta caracterizada pela coletividade. Assim, nada mais justo do que lutar de mãos dadas. E foi assim que uma grande ciranda se abriu no meio da Boca Maldita para o ato final da Marcha. Enquanto eram entoados, em uníssono, os versos de “Mamãe Oxum”, papel picado era atirado de cima dos prédios em volta do local, encerrando o evento em tom de comunhão e parceria. “O machismo se constrói em todas as relações sociais e opera na vida das mulheres numa dinâmica de opressão cotidiana”, comenta Amanda Jaqueline Teixeira. “O grande elemento é que a estrutura da nossa sociedade é uma estrutura patriarcal. Esse é o elemento que me move para lutar.”, finaliza. E se ainda há motivos para lutar, há gente que lute.