Por Emanuelle Viana, Giovana Gama e Juliana Levandovski
A presença de crianças e adolescentes em ambientes digitais tem se tornado cada vez mais comum. Segundo a pesquisa TIC Kids Online Brasil 2024, realizada pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), 93% do público da faixa etária de nove a 17 anos é usuário de internet no país, sendo que, desse número, ao menos 81% dispõem de celular próprio.
É nesse cenário de imersão tecnológica que alguns hábitos do cotidiano se reinventam e ganham novos formatos – e as mudanças já se expandem também aos espaços de educação pública do Brasil. Se antes era comum encontrar crianças e adolescentes lendo histórias em quadrinhos e obras de literatura físicas pelas escolas, agora o ato de ler é associado à utilização de plataformas digitais.
No Paraná, na Rede Pública Estadual de Ensino, o programa de leitura digital usado em sala de aula é o “Leia Paraná”. Implementado pela Secretaria da Educação (SEED/PR) em 2022, o objetivo da ferramenta é “fomentar o gosto pela leitura, desenvolver competências leitoras, fortalecer o hábito de ler nas diferentes áreas do conhecimento e contribuir para o desenvolvimento da cultura digital”, conforme descrito no site Plataformas Educacionais – Leia Paraná | Escola Digital – Professor.
Mas, apesar da proposta que parece demonstrar preocupação com o futuro dos leitores paranaenses, a professora e membra do Departamento de Planejamento e Educação Escolar (DEPLAE), do Setor de Educação da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Daniela de Oliveira Pires, explica que a plataformização dos processos educacionais é caracterizada como uma forma de privatização, em que instituições privadas fazem a gestão da escola pública e, no caso da leitura, inserem na educação uma lógica de engrenagens de fábrica, em que o estudante cumpre metas e precisa gerar resultados.
“Hoje, no Paraná, a chamada é online, o controle do livro é online e as notas
são publicadas online. Essa distância da relação entre professor e aluno se
aprofunda e a literatura deixa de ser algo prazeroso para ser uma obrigação. O
aluno se transforma em uma métrica e o saber literário é confundido dentro dessa
lógica de produtividade”, explica Pires.
Nesse sentido, a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, divulgada pelo Instituto Pró-Livro em novembro do ano passado, revelou que o número de leitores que enxergam a escola como um ambiente propício para a leitura reduziu de 23% para 19% nos últimos quatro anos. Os dados mostram que, ainda que familiarizados ao mundo digital, quando o assunto é a leitura, não significa que “modernizar” seja a alternativa mais adequada para incentivar o hábito entre as crianças e adolescentes.
Para entender a perspectiva pedagógica, o Jornal Comunicação conversou com uma professora da rede pública de ensino de uma escola localizada na Região Metropolitana de Curitiba (RMC). Por questões de segurança, o jornal mantém a identidade da profissional em anonimato e adota o nome fictício de Fernanda. Quando questionada sobre os malefícios da utilização da plataforma em sala de aula, Fernanda explica que a falta de variedade de conteúdo e, principalmente, a maneira como a leitura é feita, com os estudantes agrupados em uma sala de informática, acarreta a falta de concentração.
A professora acrescenta que incentivar uma cultura do livro é urgente. “Você dá um texto de mais de uma página e eles [estudantes] acham que é muito longo, não têm paciência de ler e isso interfere em todas as outras áreas: em Língua Portuguesa, em História, Geografia, Matemática. Eles não conseguem entender uma notícia, ler a realidade ao redor deles e isso gera outros problemas”, diz.
A discussão completa do assunto você encontra na reportagem especial “Plataformização da leitura em escolas: a (nada) sutil privatização da educação pública paranaense”, que problematiza a padronização e inserção de plataformas nos processos educativos de leitura do Paraná. Ao conversar com uma especialista e com quem lida com essas medidas no dia a dia, a reportagem questiona o futuro de uma sociedade em que o ato de ler é atrelado à lógica de produção e apresenta os desdobramentos de duas pesquisas realizadas pela equipe do Jornal Comunicação.


