Já ouviu falar em nootrópicos? Também chamadas de “drogas da inteligência”, essas substâncias são pílulas que agem no cérebro e prometem turbinar capacidades como memória, concentração e raciocínio.
Apesar de ter ganhadoo destaque nos últimos tempos, o termo nootrópico não é algo recente. Ele foi usado pela primeira vez em 1972 pelo psicólogo e químico romeno Corneliu Giurgea para diferenciar algumas substâncias que pretendiam aumentar as capacidades intelectuais sem causar efeitos colaterais.
Isto é, a classe dos nootrópicos surge para se diferenciar dos já conhecidos psicotrópicos, drogas como a Ritalina e Modafinil, que atuam sobre a mente afetando-a de modo quantitativo ou qualitativo, provocando alterações de humor, cognição e comportamento.
Para Bruno Pereira de Castro, farmacêutico e doutorando em Saúde Coletiva, quando falamos em nootrópicos estamos falando em uma forma de uso para aprimoramento cognitivo, não em substâncias específicas com características e efeitos farmacológicos bem estabelecidos.
“Se os nootrópicos vieram para se diferenciar dos psicotrópicos, não faria muito sentido falar de nootrópicos a partir de Ritalina e alguns medicamentos que são, de fato, psicotrópicos”, diz o farmacêutico.
Atualmente, os nootrópicos são encontrados no comércio como suplementos alimentares, na maioria complexos vitamínicos com sais minerais que teoricamente teriam alguma atividade para otimização cognitiva. Alguns medicamentos disponíveis para manipulação são Fenilpiracetam, Homotaurina, Noopept, entre outros.
Contudo, a eficácia farmacológica das chamadas “drogas para a inteligência” é questionável, no Brasil ainda nãohá estudos clínicos, em pessoas saudáveis, que comprovem o ganho cognitivo a partir do uso dessas substâncias.
Depoimento
“Eu comecei a tomar Piracetam a partir da recomendação de um colega de uma comunidade na internet”, conta o estudante de Geografia Paulo Caikoski. “Eu estava passando por um período em que sentia que não estava conseguindo me concentrar na leitura de artigos e pesquisas”, completa.
O estudante fez uso do nootrópico ao longo de um mês e confessa que não viu resultados práticos. “Teve uma vez em que eu tomei e esperei duas horas para o efeito ser mais perceptível, e depois tomei café, ali eu senti uma mudança na minha capacidade de concentração, mas não tenho como afirmar que foi devido ao nootrópico combinado com cafeína”, confessa.
Após a recomendação de um colega para interromper o uso do medicamento sem acompanhamento médico, Paulo abandonou o Piracetam, mas revela que gostaria de voltar a fazer uso da substância depois de compreender melhor sobre o assunto.
“Hoje eu gostaria de voltar a tomar, acredito que tenho problema de memória e concentração, não consigo lembrar direito de coisas que li e estudei há mais de 48 horas. Talvez eu volte a tomar, mas aí vou fazer isso direito, não seguindo conselhos de qualquer pessoa na internet”, fala Paulo.
Mais dano do que ganho
Com o passar dos anos, o meio acadêmico e o mercado de trabalho têm exigido um alto rendimento e rápido desenvolvimento por parte dos indivíduos, o que causa muita pressão e demandas.
Devido à sobrecarga de trabalho constante, muitas pessoas têm recorrido aos nootrópicos e até mesmo aos psicotrópicos, como Ritalina e Adderall, para aprimorar o funcionamento do cérebro.
Contudo, segundo o pesquisador Bruno Aislã Gonçalves, que estuda a abordagem consequencialista do uso dessas drogas, esses medicamentos não são eficazes naquilo que eles propõem a pessoas saudáveis, que possuem um padrão de funcionamento normal do cérebro.
“Drogas como Adderall e Ritalina dão sim alguma melhora, mas mesmo que você tenha um ganho cognitivo a curto prazo, em questão de semanas você vai perder esse ganho e ter um dano a médio e longo prazo”, explica o pesquisador.
Acontece que, com o uso dessas substâncias, para aumentar uma capacidade cognitiva, é preciso “pagar” essa capacidade com outra. Ou seja, não é possível ter uma memória excelente de curto prazo e, ao mesmo tempo, a melhora da memória de longo prazo, pois as duas coisas se excluem. Além disso, o usuário também pode ficar viciado nas substâncias, uma vez que elas são altamente viciantes.
“No final das contas, do ponto de vista das consequências, você só estará gerando dano ao usar essas substâncias”, diz Bruno. “Mesmo que o medicamento tenha te ajudado a fazer um trabalho durante a primeira semana de uso, em dois meses a droga para de funcionar e prejudica outras capacidades”, explica.
Devido a essas consequências, o pesquisador conclui que, do ponto de vista moral, não parece ser permissivo usar esse tipo de medicamento para melhoramento cognitivo, afinal, no fim, a pessoa estará causando danos às capacidades cerebrais.
E se todos usassem nootrópicos?
Suponha que seja desenvolvido um medicamento que aprimore as habilidades cognitivas, não cause efeitos colaterais e esteja disponível para qualquer pessoa. Qual o problema moral que permanece no uso dessa droga?
Bruno Aislã Gonçalves explica que o uso em massa dos nootrópicos pode causar uma homogeneização das capacidades cognitivas que estão sendo valorizadas no mercado de trabalho. Ou seja, se a sociedade preferir pessoas que tenham uma boa memória, todos irão fazer uso de medicamentos para desenvolver essa habilidade.
“Vamos perder a pluralidade de forma de pensamentos para encarar problemas, o que é muito prejudicial, porque alguns problemas precisam de pessoas com capacidades diferentes para serem solucionados”, diz o pesquisador.
Outro efeito prejudicial da disseminação do uso de nootrópicos é a perda da plasticidade cerebral. Essa perda já ocorre naturalmente com o envelhecimento, mas com o uso em larga escala o processo ocorre muito mais rápido.
“No nosso cérebro aprendemos coisas novas o tempo todo, desfazemos conexões neurais e fazemos novas. Se nós perdermos a plasticidade cerebral, perdemos também a capacidade de desenvolver novas habilidades mentais”, conta Bruno.
Se todos fizerem uso dos nootrópicos em larga escala, a sociedade irá se transformar em um único borrão de qualidades cognitivas iguais, além de diminuir consideravelmente a habilidade de adquirir novos aprendizados, impactando diretamente no desenvolvimento social.