Quem esteve no Teatro Sesc da Esquina, no domingo 6 de Abril, esqueceu por cerca de uma hora que vivenciava o outono curitibano. A peça Conselho de Classe transportou o público para um colégio sem ventiladores ou ar-condicionado durante o verão, em pleno Rio de Janeiro. Era só a primeira e mais básica de todas as críticas ao sucateamento das escolas públicas brasileiras que seriam feitas no bem pensado texto de Jô Bilac.
A história se passa na última reunião do conselho de classe da fictícia Escola Estadual Dias Gomes. O cenário revela o tom crítico da peça desde o primeiro momento, apresentando itens típicos de escolas públicas com problemas de infraestrutura. Sinais de vandalismo – como armários quebrados, cadeiras mal conservadas e paredes pichadas – compõem a cena.
Além das reclamações sobre o espaço físico da escola, os discursos das personagens revelam os problemas relacionados à falta de investimento no setor educacional. O mais recorrente deles é a má remuneração dos professores que aparece diversas vezes, direta e indiretamente, na trama.
Enredo

(Foto: Thais Barbosa)
Somente quatro professoras comparecem ao conselho de classe, que dá nome à obra, o que indica falta de participação de boa parte das educadoras e, principalmente, da comunidade na qual a escola se insere.
A reunião é marcada por diversos momentos de conflito causados por diferenças ideológicas entre as educadoras. Umas acreditam na possibilidade de mudança enquanto outras se mostram conformadas com a situação precária.
As discussões do conselho tem, entre outras pautas, a Revolta do boné, incitada pelos alunos. A ação, defendida pela professora de artes Célia, foi um protesto contra a proibição do uso de bonés no colégio.
O movimento culminou no afastamento da diretora da escola, Vivian, que, num acidente peculiar, foi ferida por um aluno que carregava uma cruz de madeira, inspirado pela peça O Pagador de Promessas. Um jovem diretor substituto é enviado para dirigir o conselho de classe, mas acaba se mostrando impaciente com a falta de organização da instituição.
O tom humorístico é garantido por Tia Paloma, professora de língua portuguesa e literatura, interpretada por Marcelo Olinto. Evidentemente influenciada pelos livros que trabalha com os alunos, a personagem discorre de maneira sonhadora e surreal sobre o futuro da educação brasileira.
Professor ou professora?
O principal diferencial de Conselho de Classe está no elenco bem preparado proveniente da Cia dos Atores. As quatro professoras de artes, literatura, educação física e ciências são interpretadas por Marcelo Olinto, Thierry Trémouroux, Leonardo Netto e Cesar Augusto, orientados pelas diretoras Bel Garcia e Susana Ribeiro a não adotarem trejeitos, caracterizações ou figurinos femininos para os papéis.
Apesar da aparente motivação humorística na escalação dos atores como mulheres, Marcelo Olinto explica que a decisão foi tomada após conflitos de agenda com as protagonistas do espetáculo ainda no período de pré-produção. “As atrizes escolhidas para participar tiveram que sair e a Bel [Garcia] decidiu, após pesquisas de campo, que seria inverossímil não haver professoras em uma escola, já que as educadoras são a maioria nessa profissão”, conta.
Com um texto divertido, recheado de sarcasmo e ótimas sacadas, Conselho de Classe acerta em cheio ao usar um viés do humor há muito esquecido nas principais produções brasileiras do gênero: O de agente político. A criticidade de Jô Bilac não é explícita nas falas dos personagens, mas está nas entrelinhas e em toda a atmosfera do espetáculo. Quando as luzes do palco se apagam, a mensagem sobre a educação brasileira está sólida como concreto para o público, mesmo com pouquíssimas falas diretas sobre o assunto. A apresentação na última noite do Festival de Teatro de Curitiba mostrou que a peça foi merecedora de todos os títulos que conquistou no ano passado, inclusive o de Melhor Peça do Ano pelo Prêmio Cesgranrio.