De acordo com o Instituto Nacional de Câncer (Inca), foram estimados mais 66.280 novos casos de câncer de mama para este ano no Brasil. Em decorrência da elevação da incidência de casos no país, algumas ONGs e projetos sociais têm aproveitado a campanha do Outubro Rosa para gerar uma mobilização ainda mais intensiva, visando conscientizar a população sobre a importância do diagnóstico precoce, mas também buscando promover a autoestima de mulheres que lutam com as marcas deixadas pelo tratamento rigoroso e metamórfico da doença.
“É muito severo! Foram várias fases, quase intermináveis. Primeiro foi a biópsia, depois a cirurgia, depois as longas idas e vindas para quimioterapias, teve também as radioterapias, sem contar que eu precisei tomar uma medicação por mais cinco anos após o tratamento”. É o que diz a curitibana e educadora infantil Sueli Garcez. Ela descobriu ter câncer de mama aos 43 anos, ao perceber um caroço no seio direito. Para Sueli, a parte mais difícil de todo o processo foram as quimioterapias. Em depoimento, ela contou que se sentia muito fraca após as sessões do tratamento e que não tinha disposição nem para se alimentar.
[As quimioterapias utilizam substâncias químicas que afetam o funcionamento celular com o objetivo de destruir as células doentes que formam um tumor. Estas substâncias se misturam com o sangue, também impedindo que elas se espalhem pelo corpo, mas podem provocar certos efeitos colaterais, como náuseas, hematomas, hemorragia, fadiga e perda de cabelo.]
Hoje, aos 50 anos, Sueli esbanja um sorriso largo no rosto ao dizer que venceu o câncer de mama, mas admite que se sentir bem e linda durante o procedimento não foi uma tarefa fácil. Para evitar ter que acompanhar a queda do cabelo, ela o raspou antes de passar pelas quimioterapias. Sobre este processo, ela conta o que fez para recuperar a autoestima e deixa uma mensagem de encorajamento.
“Somos lindas, com ou sem cabelo!”
Sueli Garcez, educadora infantil
Assim como Sueli, na maioria dos casos, as pacientes lutam diariamente para se sentirem não apenas fisicamente bem, como também psicologicamente bem, tendo que se adequar às mudanças que o tratamento ocasiona em seu próprio corpo.
“É importante pensar que essas mulheres não apenas sofrerão com a queda do cabelo, a náusea, o mal-estar, mas também os aspectos psicológicos. O contexto do paciente é muito maior do que uma mama doente. Não estamos tratando apenas um pedaço de tecido, e sim um complexo: a mulher, a mãe, a esposa, a filha e a família. Todo esse núcleo adoece. Precisamos ter empatia e compaixão para fazer com que a paciente se sinta acolhida e respeitada” – oncologista Elge Werneck.
De peito aberto
Em busca de promover um tratamento mais humanizado, auxiliando pacientes de câncer de mama a reconquistarem sua auto confiança, é que nasce o programa “De Peito Aberto”.
O fotógrafo e sociólogo Hugo Lenzi e a jornalista Vera Golik vivenciaram casos de câncer de pessoas próximas a eles e nas próprias famílias (a irmã de Golik teve câncer de mama e o irmão dela lutou contra o Linfoma de Hodgkin durante três anos, mas não resistiu), quando decidiram fundar o projeto no ano de 2005. Seguindo a filosofia budista que ela tanto valoriza: “vamos transformar o veneno em remédio”, Vera resolveu usar esse momento bastante delicado de sua vida como uma oportunidade de compartilhar aprendizados e de quebrar certos tabus acerca do câncer. Foi quando ela pensou em criar um projeto que buscasse compartilhar um pouco dessas histórias tão invisibilizadas, humanizando a medicina e elevando a autoestima de pacientes de câncer de mama. Com este intuito, o casal uniu seus saberes; ele com o recurso fotográfico e ela na parte textual, registrando mulheres e homens vítimas da doença, quebrando paradigmas e conscientizando populações de vários estados do país com depoimentos e palestras de profissionais em espaços públicos.
Desde 2005, o projeto só tem se expandido cada vez mais, organizando exposições em diversos continentes. Até o momento, a mostra De Peito Aberto foi a única convidada e exposta, em toda a história, na sede das Nações Unidas (Nova Iorque). Agora chegou a vez dos sulistas brasileiros apreciarem este trabalho. Desde a primeira semana deste mês, a exposição está acontecendo aqui em Curitiba, no Jockey Plaza Shopping, continuando em cartaz até o dia 31. Nela, o visitante acompanha registros e os depoimentos de mais de 50 mulheres e alguns homens de todo Brasil, dos Estados Unidos, de Portugal e da Espanha, com uma vasta diversidade étnica, de classe social e também de idade. Os fotografados variam entre 18 e 90 anos.
A advogada e ativista feminista Claudia Patricia Luna, de 35 anos, foi uma entre as 50 mulheres fotografadas para a exposição. Claudia descobriu os primeiros nódulos ainda muito jovem, aos 18, e passou por inúmeras inseguranças em relação ao corpo ao decorrer do processo. Cláudia não falava de seu problema com ninguém, nem mesmo com sua própria mãe: “Não queria preocupar meus pais, porque iria mudar de cidade. Então não contei à eles e fiz várias operações para extrair aqueles caroços duros e superdoloridos que causavam a displasia mamária, mas que eu pensava ser câncer”.
Pouco tempo depois, a advogada descobriu que estava com câncer de mama e, aos 25 anos, precisou retirar um quadrante da glândula mamária: “Foram tantas intervenções que minha pele não aguentou, e meu peito ficou feio. Mas, tão desafiador quanto a questão estética, especialmente para uma pessoa que já tinha a autoestima tão baixa quanto eu, foi suportar as mágoas ao ouvir frases do tipo ‘tão jovem e com essa doença!’ e ‘como é que você acha que vai namorar faltando um pedaço do seu peito?’. Fiquei arrasada, claro. Mas, com muita luta, dei a volta por cima”.
Cláudia descobriu no conselho de seu médico o segredo para se manter esperançosa e confiante sobre si mesma: “Ele disse que aquela poderia ser uma oportunidade para eu mudar minha vida para melhor e ainda ajudar outras pessoas. Essas palavras me animaram e ficaram guardadas no meu coração, tanto que, sempre que posso, conto a minha história para incentivar outras mulheres a também seguirem em frente, como eu segui”.
“Aprender a me amar fez com que eu conseguisse tomar as rédeas da minha vida, inclusive para assumir minha condição de saúde e fazer o que precisava ser feito para ficar bem, viva e feliz”
Claudia Patricia Luna, advogada e ativista feminista
A recuperação de um paciente com câncer de mama segue quatro fases principais: descoberta, processo, apoio e superação. É pensando nessas quatro fases que a estrutura da exposição foi organizada, em módulos, induzindo uma certa sequência na visitação. Ao adentrar na mostra, os visitantes são conduzidos a apreciar a evolução do tratamento dos pacientes baseado nas experiências de cada história. Victoria Pires, uma das monitoras que apresenta a exposição de Curitiba, relata o impacto que o “De Peito Aberto” tem causado no público curitibano durante este mês.
Veja abaixo algumas mensagens deixadas pelos visitantes no caderno de presença da exposição:
Além da exposição, o projeto organiza lives e o podcast “A Beleza da Vida – A auto estima do paciente oncológico”.
No próximo dia 28, às 18h30, o De Peito Aberto também realizará uma palestra virtual com médicos e pacientes convidados de Curitiba, de forma gratuita e aberta ao público, através do Youtube e Facebook do projeto.
Serviço
Para saber mais sobre os eventos e ações do “De Peito Aberto”, basta acessar o instagram do projeto: @depeitoabertocancer. De Peito Aberto é realizado pelo IDVH – Instituto de Desenvolvimento e Valorização Humana. Aqui em Curitiba, a exposição também recebe o apoio da instituição Embaixadoras do Bem e da FEMAMA – Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama, com direção de produção da coordenadora e produtora cultural Meire Abe (Pro Art Cultural).