
(Crédito: Google Imagens)
O Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad) aprovou, no início de maio, o documento que prevê a regulamentação das Comunidades Terapêuticas no Brasil. A minuta, primeira versão do documento, foi concebida a partir do Grupo de Trabalho do Conad. As Comunidades Terapêuticas (CTs) são instituições privadas que acolhem e prestam serviços ao tratamento de pessoas com problemas decorrentes do uso, abuso ou dependência de substâncias psicoativas, como álcool e outras drogas.
A proposta de regulamentação, no entanto, gerou polêmica. Entidades ligadas à saúde mental, integrantes do próprio Conad, entendem que os procedimentos de internamento das CTs vão contra a Política Pública Nacional de Saúde Mental. O tratamento para usuários de drogas, segundo esta política, funciona através dos Centros de Atenção Psicossicial para Álcool e Drogas, que atendem dentro da Rede de Atenção Psicossocial (Raps).
Política Nacional é voltada à redução de danos
Os CAPS AD, como são chamados os centros, dispensam a internação e seguem a estratégia de redução de danos, a qual busca minimizar as consequências do uso de drogas ao invés de aboli-lo, não exigindo abstinência dos usuários. “Ocorre que a teoria explicativa que embasa o método de tratamento utilizado pelas CTs é incompatível com a [estratégia de] redução de danos”, diz a assistente social Wanderli Machado, integrante da Frente de Drogas e Direitos Humanos do Paraná. “Em geral, as CTs são de orientação religiosa e usam a religião como método de tratamento, ignorando a laicidade do estado”, explica a assistente social, que trabalha há 25 anos na área de saúde mental.
Presidente da Compacta (Comunidades Terapêuticas Associadas) e fundador da Cravi (Casa de Recuperação Água da Vida), Flávio Lemos afirma que a regulamentação serviria justamente para evitar estes casos. “Há necessidade dos órgãos fiscalizadores realmente estruturarem [as CTs], não com a intenção de fechar, mas com a de qualificar e de fazer com que o serviço seja o espelho daquilo que está na teoria”, afirma. Para ele, é preciso que o relacionamento entre CTs e Caps se estreite, para que um complemente o outro. “A política nacional está dizendo que os modelos devem ser identificados e qualificados, não identificados e exterminados, porque o respeito ao usuário significa dar para ele diversos serviços”.

(crédito: site Confenact)
Investimento para as casas de acolhimento aumenta em 2015
Advogada que se dedicou a estudar as comunidades terapêuticas, Janaína Piovezan entende que a regulamentação é uma estratégia de compensação pela falta de investimento na saúde pelo Estado. “Ao se considerar o descaso do Estado com o serviço de saúde, fica notório como o Conad não se esquivaria de regulamentar uma instituição que não coaduna com os princípios da saúde mental”, afirma.
Wanderli afirma que regulamentação por si só não garante o financiamento público. “Principalmente com recursos do SUS, uma vez que as CTs não são serviços de saúde, não se constituem pontos de atenção da Raps”, afirma. No entanto, para o programa designado aos projetos e serviços de acolhimento, vinculado ao Fundo Nacional Antidrogas- unidade orçamentaria da Secretaria Nacional Antidrogas- o orçamento previsto para 2015 é de R$137 milhões. Este valor representa 117% a mais em relação ao valor destinado às ações desenvolvidas no âmbito do SUS para estruturar a Raps.
Pesquisadora afirma que há casos de violações de direitos dentro de CTs
Outra diretriz da Política nacional sobre drogas é o tratamento em liberdade, que estimule a inclusão social, a autonomia do usuário, sem que haja internação involuntária ou compulsória. Flávio Lemos garante que o acolhimento das comunidades terapêutica é exclusivamente voluntário. Segundo ele, o internamento voluntário é um sinal de que as comunidades terapêuticas respeitam os usuários.
Janaína, porém, cita que muitas CTs não seguem este conceito. “Em diversos casos não há voluntariedade no tratamento, direito de comunicação com familiares, liberdade de ir e vir e de crença religiosa, respeito de identidade de gênero, dentre outras violações de direitos”, alega a pesquisadora.
De olho no financiamento público
Entre os principais órgãos públicos que se opõem à regulamentação estão o Conselho Nacional de Saúde e o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, que enviaram em abril ofícios e recomendações ao Conad solicitando o adiamento da votação que decidiria a aprovação da minuta. Outros órgãos contrários à regulamentação incluem o Conselho Federal de Serviço Social, o Ministério Público Federal e o Conselho Federal de Psicologia.
Janaína também comenta que há movimentos ligados à saúde mental que se opõem à regulamentação das CTs. “Em junho ocorrerá o 2º Fórum de Direitos Humanos e Saúde Mental, e certamente este assunto estará em pauta”. A integrante da Frente Estadual Drogas e Direitos Humanos, Wanderli afirma que os próximos passos serão em direção à vigilância em relação ao financiamento público. “Estaremos acompanhando, especialmente neste ano de conferências de saúde”, afirma.