O Conselho Deliberativo do Coritiba convocou uma Assembleia Geral Extraordinária de sócios para esta quinta-feira (23). A assembleia, que vai acontecer de forma virtual, visa votar a proposta de constituição de uma Sociedade Anônima do Futebol (SAF), popularmente conhecida como clube-empresa.
A medida tem sido debatida por vários clubes brasileiros e trata de uma nova forma de financiamento do futebol, nos moldes dos grandes times europeus. A SAF se tornou possível em agosto deste ano, quando o presidente Jair Bolsonaro aprovou a Lei Federal nº 14.193/2021, e desde então equipes como Cruzeiro e Athletico Paranaense já aderiram à mudança.
A Sociedade Anônima do Futebol, em resumo, permite dividir a gestão de futebol da gestão financeira em um clube, e possibilita a compra de um time, ou de parte dele, por investidores estrangeiros. De acordo com o primeiro vice-presidente do Coritiba, Glenn Stenger, constituir uma SAF é forma de aumentar o faturamento do clube a curto prazo.
“Se mantivermos o Coritiba como clube social, da forma que está hoje, não teremos dinheiro para o pagamento dos passivos trabalhistas, fiscais e fornecedores. Se quisermos ter competitividade nos próximos anos, resultados mais rápidos, a SAF é a resposta”, avalia. Atualmente, o passivo do Coxa gira em torno dos R$ 305 milhões.
Glenn aponta que para se tornar autossustentável financeiramente, o Coritiba precisaria de cerca de 60 mil sócios-torcedores ativos. Atualmente, o clube conta com aproximadamente 16 mil sócios, menos de um terço da meta. Com isso, a equipe precisa buscar renda de outras maneiras. “Para clubes regionais, a SAF é uma solução para a competitividade. A menos que seja um Flamengo, que tem torcedores espalhados pelo Brasil inteiro, os times precisam de outras fontes de renda”, explica o vice-presidente.
A mudança para clube-empresa só será votada na próxima semana, mas o Coritiba já tem se planejado desde o início da temporada. Hoje, de acordo com o vice-presidente, o clube já tem propostas do mercado estrangeiro para investimentos caso a SAF seja aprovada, e novos investidores têm demonstrado interesse.
Momento decisivo
A torcida do Coritiba, porém, segue dividida quanto ao voto desta quinta-feira (23). Parte dos sócios-torcedores que têm direito a votar não se sente confortável sobre o processo de mercantilização que o time vai ser submetido. Maurílio Klentz é torcedor do Coxa, sócio há cinco anos, e pondera que a transformação em SAF pode afetar os símbolos tradicionais do clube: “Se vem um investidor gringo, vamos supor a RedBull. Ele compra a maior parte do Coxa, e vai querer mudar o brasão, a camisa, as cores do time. Isso eu não concordo. O Coritiba é um dos clubes mais tradicionais do país, e isso deve ser preservado”.
Glenn Stenger garante que isso não vai acontecer, e que o clube vai adotar medidas para proteger a história e o patrimônio coxa-branca. De acordo com ele, no modelo de clube-empresa, o time é dividido em economia e política. A SAF se encarrega da economia, e o Departamento de Futebol fica com a política. Neste modelo, as tradições, propriedades como estádio e centros de treinamento, são pétreas e ficam preservados.
Ainda assim, Maurílio reafirma que não se sente convencido com o modelo de sociedade anônima. “Se o investidor que tem 60%, 80% do clube decide que quer mudar o brasão, quem vai impedir? O Departamento de Futebol vai depender desse dinheiro. Eu não vejo mecanismos claros de proteção à tradição, e a diretoria do Coritiba não tem esclarecido essas questões corretamente. Por isso, eu sou contrário à SAF no Coxa”, conclui.
Pela lei federal, o clube tem direito, se mantiver 10% de ações de classe A, a ter poder de decisão sobre dissolução do clube e participações em competições, o que subentende também direito sobre os símbolos e tradições. Porém, como a lei é recém-aprovada, e o Brasil ainda não teve nenhum grande exemplo de SAF, não se sabe a maneira pela qual questões como essa serão interpretadas.
De acordo com a assessoria de comunicação do clube, novos materiais de esclarecimento das dúvidas dos torcedores estão sendo divulgados diariamente, e o Coritiba busca conduzir a proposta de forma clara e transparente. Em nota, a assessoria definiu a votação como “um grande divisor de águas na história do Coritiba Foot Ball Club”.
Modelos no Brasil
O rival Athletico Paranaense já aprovou, em 11 de agosto, a mudança para clube-empresa. No Furacão, a decisão dos sócios foi quase unânime: 89,4% dos aptos a escolher votaram a favor da SAF. O processo de transição, porém, tem sido lento. A diretoria ainda capta recursos e investidores, e o Conselho Deliberativo do clube trabalha na implantação da SAF.
No Brasil, o clube mais avançado no modelo de empresa é o Cruzeiro. A equipe mineira já criou um novo CNPJ, e solicitou à Confederação Brasileira de Futebol (CBF) para transferir todos os direitos esportivos para a SAF, e o mesmo processo deve ser feito com os contratos dos jogadores da base nos próximos dias.
A Raposa, que tem uma dívida de mais de R$ 1 bilhão, apostou nos investimentos estrangeiros para aumentar a renda. O clube pretende vender mais de 49% de suas ações, o que acarreta em perder o controle majoritário, para receber renda proporcionalmente maior. Para quitar a dívida bilionária, a lei federal que regula a SAF prevê que 20% das receitas e 50% dos lucros e dividendos da sociedade anônima sejam direcionados para o clube arcar com os passivos.
Modelos europeus
Na terra do futebol, em que os times representam muito mais do que uma equipe esportiva, pensar em um clube administrado por uma empresa ainda soa estranho. Porém, nas grandes ligas europeias, o modelo de clube-empresa é adotado por inúmeros times, mas de formas diferentes. Confira abaixo os modelos dos principais clubes (passe o mouse nos escudos dos clbes para acessar o conteúdo adicional).