Figura constantemente retratada em filmes e livros sobre o mundo artístico, o colecionador de arte corresponde a um estereótipo na sociedade moderna: homens ricos que mantém obras em suas residências por hobby e status social.
Segundo levantamento da Câmara Americana de Comércio, as recentes mudanças socioeconômicas no Brasil, como a ascensão das classes mais baixas e o aumento do grau de escolaridade médio do brasileiro tendem a aumentar o investimento em cultura. Por conta disso, o público que se arrisca a montar um acervo particular é cada vez mais diversificado e surpreendente. Enquanto se discute a legitimidade da existência de um “mercado da arte”, a paixão e o sentimento movem colecionadores cada vez mais jovens.
Em 2012, os leilões de arte latino-americana começaram a se multiplicar e popularizar nos maiores polos artísticos do mundo. Para se ter ideia, nesse mesmo ano, a tela “O Limão”, da carioca Beatriz Milhazes, foi arrematada, em um leilão em Nova York, por 2,1 milhões de dólares – o equivalente a 4,8 milhões de reais na cotação atual. Milhazes e outros brasileiros também movimentaram R$ 6,8 milhões na Christie’s, tradicional casa de leilões de Londres. A euforia internacional abriu portas para muitos artistas brasileiros dentro de sua própria casa.
O também carioca, Vagner Aniceto, foi um dos muitos artistas a se beneficiar da boa fase. O pintor, que já participou de cerca de 70 exposições, ganhou um vasto fã-clube nos últimos anos. Suas obras estão espalhadas por mais de 300 salões pelo mundo, em locais como Itália e Estados Unidos. É em São Paulo, porém, que há o maior número de acervos com obras de Aniceto. Boa parte da popularidade do artista na maior cidade do Brasil deve-se a seus compradores fixos, que acompanham seu trabalho e adquirem peças há vários anos. “O colecionador é um personagem com influência para o mercado da arte. Toda obra em acervo particular é valorizada, pois foi avaliada pelo comprador e considerada digna de fazer parte da coleção”, explica.
Essa legitimação da obra por meio da avaliação do colecionador tem, na visão de Vagner, embasamento histórico. “Isso acontece porque, em toda a história da humanidade, as artes foram financiadas por mecenas e entidades”, explica. A cultura de pagar por obras de arte e atribuir a essa prática um caráter de colecionismo também é, geralmente, relacionado a classes sociais mais altas por um contexto histórico – os primeiros acervos como conhecemos hoje tem suas origens na aristocracia da Babilônia, com o rei Nabucodonosor II, que costumava acumular antiguidades. Apesar de parecer um hobby voltado aos mais abastados, o boom internacional da arte brasileira tem chamado a atenção de quem não dispõe de valores altos e, com isso, criado um novo nicho de colecionadores.
O verdadeiro valor da arte
O engenheiro André Orzechowski é natural de São Paulo, onde Aniceto reside. Ele conta que conheceu por acaso os primeiros trabalhos do artista, que começou a carreira em 1979. As telas o emocionaram instantaneamente. “Aconteceu um processo de identificação. Eu me vi nos trabalhos dele”, conta. Desde então, passou a investir em obras de Aniceto sempre que o orçamento permite. Hoje, a casa de Orzechowski já conta com 12 quadros assinados pelo pintor carioca. “É muito bacana, acompanhei toda a evolução dele como artista nesses anos todos. Adoro o estilo do Vagner e tenho as obras dele porque gosto do que sinto quando olho para elas”, afirma.
A ascensão da nova classe média abriu portas quando o assunto é bens de consumo – o que inclui a arte, no contexto da indústria cultural. Com isso, a mania do colecionismo tem atingido públicos novos que fogem aos padrões esperados – entre eles os jovens.
Aos 19 anos, Heryc Addam ainda não se considera um colecionador, mas vai chegar lá. O estudante de Design de Moda conta que a paixão pela arte, que o acompanha desde cedo, é pura influência da família. “Já cheguei a pintar alguns quadros, mas essa coisa do acervo começou quando ganhei algumas telas que pertenciam à minha avó”, diz. Fã de artistas como Frida Kahlo e Camille Claudel, o garoto pretende ampliar a pequena coleção e começar a adquirir obras de renome em breve.
Apesar do aumento de aficionados em colecionar obras de arte no Brasil, Vagner Aniceto ainda considera que há muito para melhorar quanto a valorização das artes plásticas no país. “No fim das contas, o capitalismo é o único sistema que valoriza a arte no seu todo. Ele abraça o profissional sem impor regras”, opina.
Não existe atualmente nenhum controle, registro ou levantamento de quantas obras de arte encontram-se em acervos particulares brasileiros.