A morte, ainda considerada um tabu, é inserida na arte de várias maneiras. No Festival de Teatro de Curitiba não foi diferente: duas peças, “A maldição dos 27 anos – um guia de sobrevivência da Vigor Mortis” e “Make Morte Pop Again”, da Mostra Lúcia Camargo e Mostra Circuito independente, exploram a temática de maneiras distintas.
A primeira leva o público para a noite em que os portões do inferno se abrem. Já a segunda insere os humanos dentro do Terminal das Entidades Intergaláticas Associadas (TEIA), para conhecer os responsáveis pelo universo e ajudar em uma decisão muito importante.
Morte assopra as velinhas
A peça “A maldição dos 27 anos – um guia de sobrevivência da Vigor Mortis” foi criada em comemoração aos 27 anos da companhia de teatro curitibana Vigor Mortis. “A gente escolheu essa data por causa da brincadeira da maldição dos 27 anos, do mundo rock n’ roll, e a gente é rock n’ roll”, explica o diretor do espetáculo, Paulo Biscaia Filho. Ele se refere à lenda envolvendo as mortes de ícones da música como Kurt Cobain e Amy Winehouse, ambos aos 27 anos.

O cenário, que torna o clima ainda mais assustador, é a unidade central do Museu Paranaense de Ciências, onde estão conservados móveis e equipamentos dos 43 anos em que a construção abrigou o Instituto Médico-Legal (IML) de Curitiba.

Apesar de ter tudo para ser apenas um compilado de sustos, a produção captura diversas facetas do horror e até mesmo da comédia. “Mesmo sabendo que teria esse teor de terror, superou as expectativas porque não ficou clichê”, afirma a espectadora, Priscila Dalmarco, ao fim da última sessão exibida durante o Festival.
A interação com o público é um destaque, já que a “peça-exposição-túnel-do-horror”, como Biscaia define o espetáculo, é interativa e contempla uma caminhada pelo edifício. “É muito improviso. É um jogo de cada sessão”, conta a atriz Carol Roehrig, que interpreta a vampira, guia do público durante grande parte do percurso.

Morte nas urnas
Já em “Make Morte Pop Again”, a Morte é personificada em uma das cinco entidades que, junto ao Chefe – supostamente Deus – comandam todo o universo. Os humanos são convidados a conhecer Tempo, Vida, Morte, Esperança e Caos, e ajudá-los a eleger um substituto para a Morte, que decide se aposentar. A peça apresenta 4 finais diferentes, dependendo da escolha do público, “A ideia é a gente eleger uma nova Morte a partir das propostas que são apresentadas durante a peça, dos possíveis candidatos”, conta Ana Salmória, que interpreta uma das candidatas.

A peça traz um olhar que normalmente as pessoas não têm sobre a morte: a sua importância para a sociedade. Afinal, quando ela deixa de trabalhar, causa diversos impactos, como aumento de tentativas de suicídio, colapso na indústria farmacêutica e falta de leitos em hospitais.
Apesar de ter nascido durante a pandemia, o espetáculo foi adaptado para a temporada atual, com referências ao atentado de 8 de janeiro de 2023 na sede dos Três Poderes e à reeleição de Donald Trump nos Estados Unidos – inclusive fazendo uma brincadeira com o slogan “Make America Great Again” no título. “O tom político e satírico, de passar coisas importantes de maneira engraçada, divertida, pra mim é o toque mais legal da peça”, declara a atriz Joi Pelegrino, que interpreta a Esperança.
Essas peças, apesar de tão distintas, utilizam a morte como veículo para entretenimento, reflexões e críticas, e ilustram como a arte serve para transformar assuntos cotidianos em experiências sensíveis e impactantes.
