qui 28 mar 2024
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Vereadores de Curitiba andaram 100 mil km com veículos oficiais em três meses

Juntos, Ezequias Barros e Marciano Alves, vereadores que mais usaram os carros, andaram o suficiente para ir até a Rússia em linha reta

Por Breno Antunes, Gabriel Tassi e Kássia Calonassi

Em três meses, 25 vereadores da Câmara Municipal de Curitiba percorreram, no total, 99.126 quilômetros com os carros oficiais, o suficiente para dar cerca de duas voltas e meia no planeta Terra. Os veículos deveriam ser usados somente em serviço, mas os registro de abastecimento com o vale gasolina mostram que vereadores abasteceram os carros nos fins de semana e em períodos de recesso. 

A quilometragem total rodada pelos parlamentares que usam os carros era suficiente para cada um andar 62 quilômetros em todos os dias úteis de 2022, até 31 de março. Em combustível, já foram gastos aproximadamente R$ 62 mil, o equivalente a pouco menos de R$ 1 mil por dia útil. 

A Câmara Municipal de Curitiba oferece, para cada parlamentar, um veículo Volkswagen Virtus alugado. Eles têm direito a até 200 litros de combustível por mês, que são bancados com dinheiro público. Atualmente, 25 vereadores usam o benefício, e outros 13 abdicaram do uso do carro e da cota de combustível que têm direito.

Os carros oficiais são para uso exclusivo em serviço, e quem tem direito a dirigir são apenas os integrantes do gabinete e o próprio parlamentar, que precisam ser registrados no início do mandato. Mas não existe fiscalização rígida à maneira como os gabinetes usam os Virtus, não há necessidade de deixar o carro no estacionamento da Câmara no fim do expediente, aos fins de semana ou em períodos de recesso, por exemplo. Legalmente, não há nenhuma determinação de carga horária de trabalho para os vereadores.

Pastor Marciano Alves (Solidariedade), por exemplo, é o segundo parlamentar que mais usou o veículo oficial em 2022, já andou o total de 7.238 km e gastou R$ 4.133,00 com abastecimentos. Quando questionado pela reportagem sobre o uso do veículo, ele explicou que a quilometragem é tão alta porque usa o Virtus para ir até a Câmara e retornar para sua casa todos os dias de trabalho.

Pastor Marciano Alves abasteceu mais de R$ 500,00 com cota de gasolina no Ano Novo. Foto: Câmara de Curitiba

Marciano reside na casa pastoral aos fundos da Igreja Visão Missionária, no Boqueirão. Para ir e voltar de carro até a Câmara, ele andaria cerca de 18 km por dia. Caso tenha repetido este trajeto por todos os dias úteis de 2022 até 31 de março – desconsiderando o recesso no início do ano –, Marciano teria andado cerca de 1.150 km, e sobram mais de 6 mil km rodados pelo carro oficial. Isto é suficiente para ir, literalmente, do Oiapoque ao Chuí por rodovias, e ainda sobrariam mais de 400 km.

Sobre este número, o Pastor justifica que parte de seu trabalho como parlamentar consiste em “visitar comércios, empresas, casas de apoio aos necessitados, asilos, unidades de saúde e hospitais de Curitiba”. Nos registros da Câmara Municipal dos gastos com combustível, ficou registrado que, em 1 de janeiro, Marciano abasteceu duas vezes: na primeira, colocou 49 litros de gasolina. Posteriormente, abasteceu mais 47,4 litros. No total, ele gastou R$ 576,92 de sua cota de combustível no primeiro dia do ano. Questionado pela reportagem, ele afirma não se lembrar dos gastos, e por isso não consegue confirmar ou negar a informação, mas justifica que seu mandato é dinâmico e que “trabalha de segunda a segunda”. “Não me dou ao luxo de gozar de férias, recessos ou feriados, trabalho de ponta a ponta todos os dias da semana”, alegou.

Outro vereador e pastor, Ezequias Barros (PMB) é o parlamentar que mais usou o veículo oficial e a cota de combustível até 31 de março de 2022. Em seu segundo mandato na Câmara de Curitiba, ele é bispo auxiliar da Igreja O Brasil Para Cristo, foi eleito pelo Partido da Mulher Brasileira e, como consta em sua biografia no site da Câmara, defende os princípios cristãos, a Igreja e a família tradicional.

Ezequias Barros
Ezequias Barros foi o vereador que mais andou com o carro oficial em 2022. Foto: Câmara Municipal de Curitiba

Em 2022, ele faltou em duas sessões parlamentares para comparecimento a uma reunião com líderes evangélicos e outra para participar de encontro com Conselho de Pastores e Líderes Evangélicos de Curitiba, descritos como “atividades inerentes ao cargo de vereador”, o que justifica o uso do veículo oficial para estes compromissos. 

Os quilômetros andados com o veículo oficial de Ezequias seriam suficientes para ir até Ponta Grossa – PR em todos os dias úteis até março. Procurado pela reportagem por telefone para justificar os 7.290 km rodados com o Virtus e os R$ 4.135,46 gastos da cota de combustível, Ezequias, por meio de assessoria de imprensa, informou que responderia às indagações por e-mail. Sem resposta, houve tentativa de novo contato telefônico e foi enviado novo e-mail, mas não foi respondido.

Os cinco vereadores que mais utilizaram o veículo oficial em 2022 são Ezequias (PBM), Pastor Marciano (Solidariedade), Zezinho do Sabará (União Brasil), Mauro Bobato (Podemos) e Osias Moraes (Republicanos).

Multas em carros oficiais

Entre os 25 veículos em circulação, associados aos gabinetes dos vereadores, 13 foram autuados no período de janeiro a abril deste ano. Dez gabinetes cometeram a mesma infração: não identificar quem estava dirigindo (Art. 257 do CTB). Carros registrados sob pessoa jurídica devem, quando realizam uma infração, informar ao Detran quem conduzia o veículo para a atribuição dos pontos, algo que é frequentemente ignorado pelos parlamentares curitibanos. Os vereadores são autuados por ocultar o condutor, uma multa que é cobrada mês a mês, até a identificação do responsável.

O valor de uma nova multa é multiplicado de acordo com a repetição da mesma infração no período de um ano. Flávia Francischini (União) é a campeã em multas: são nove apenas este ano, um valor de R$ 2.763,28. Eram apenas três autuações – uma por furar o sinal vermelho e duas por transitar na faixa exclusiva para ônibus –, que se tornaram mais de dois mil reais por não informar ao Detran quem estava no volante. A vereadora pagou R$ 1.119,83, o restante segue pendente.

Renato Freitas (PT) acumula três multas por não identificar o condutor, fruto de duas autuações por estacionamento indevido, uma deste ano e outra do final do ano passado. O valor é de R$ 832,97, contando com uma infração média realizada em abril, da qual ainda não foi cobrada a identificação do condutor. Renato quitou metade do saldo e devia o segundo maior valor entre os parlamentares. Francischini, quem mais teve multas, foi autuada em valores três vezes maiores. 

Os pastores Marciano Alves e Ezequias Barros, citados na reportagem, receberam – duas e uma, respectivamente – autuações pela não identificação do condutor.

De acordo com a assessoria da Câmara, eventuais multas são de responsabilidade de cada vereador, e não são pagas com o dinheiro público. No Portal da Transparência fica destacado que, periodicamente, é feita checagem das carteiras de habilitação de quem foi indicado para dirigir os veículos oficiais. A assessoria também informa que, caso um condutor não registrado pelo vereador seja identificado dirigindo um dos carros oficiais, o parlamentar pode ser punido na Câmara. A não identificação do condutor foi, de longe, a infração mais frequente cometida pelos gabinetes em 2022.

* O número declarado como Renavam do veículo associado ao gabinete do vereador Herivelto Oliveira (Cidadania) não foi encontrado no sistema do Detran, e foi ignorado pelos cálculos da reportagem. 

Ética com recursos públicos

Até 31 de março, os carros oficiais não precisavam de identificação, e a única fiscalização à forma como os parlamentares usam os automóveis era uma prestação de contas obrigatória ao Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR). Nela, fica registrada a quilometragem rodada e o combustível pago com a cota de 200 litros por mês. Em abril deste ano, os carros foram adesivados com uma identificação que indica uso exclusivo para serviço.

Dos 38 vereadores da Câmara de Curitiba, 12 devolveram o veículo e outro parlamentar não usou o carro em 2022, mas ele ainda não foi oficialmente devolvido.  Atualmente, são 26 automóveis à disposição dos parlamentares e dois para as atividades administrativas da Casa. Os carros não pertencem à Câmara, e são alugados pela empresa WS Locações desde 2019. O valor gasto com o aluguel dos Volkswagen Virtus em 2021 até março de 2022 já é equivalente a quase R$ 950 mil, o suficiente para comprar cerca de 13 veículos novos do mesmo modelo.

Dalton Borba (PDT), vereador eleito pelo segundo mandato consecutivo, é um dos que abdicaram do veículo oficial. Ele usa carro próprio para se deslocar aos compromissos parlamentares e não usa os 200 litros de combustível custeados pela Câmara. “Essa é uma despesa que não pode ser atribuída ao cidadão. Em tese, o carro deve ser utilizado em serviço, mas não posso informar como esse veículo é utilizado efetivamente pelos vereadores da casa”, comenta. Ele avalia que, embora seja um recurso permitido legalmente, não é ético usar o veículo oficial bancado com dinheiro público no dia a dia.

Para fiscalizar e pressionar o poder municipal para o bom uso dos recursos e verbas em Curitiba, a ONG Vigilantes da Gestão atua com checagem de licitações, contratos e cargos comissionados na Câmara Municipal. Confira abaixo o episódio do podcast Jornal Comunicação que entrevistou o presidente da instituição, Sir Carvalho, sobre o bom uso dos recursos públicos.

Reportagem produzida para a disciplina de Jornalismo Investigativo e de Dados, sob supervisão da professora Myrian del Vecchio.

Gabriel Tassi
Estudante do curso de Jornalismo da UFPR.
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Gabriel Tassi
Estudante do curso de Jornalismo da UFPR.
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