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2024: O ANO DA PESTE DO MOSQUITO

Por Erika Boslooper, Izabel Forquim e Maíra Becker

Em 2024, a dengue foi uma das doenças mais temidas em todo o Brasil. Mais de 6.5 milhões de pessoas foram vítimas do vírus. Na cidade de Curitiba e região não foi diferente. Nas primeiras 30 semanas (1 de janeiro a 28 de julho) somaram-se 27.001 casos confirmados, enquanto em todo período de 2023 apenas 1.117 ocorrências foram registradas.

A partir da coleta no Banco de Dados Meteorológicos para Ensino e Pesquisa (BDMEP) e do DataSUS, é perceptível a relação entre temperatura e ocorrências de casos de dengue. Destacam-se as semanas entre primeiro de janeiro e 17 de fevereiro deste ano, em que a média de temperatura semanal foi de 27,1 ºC, podendo chegar a 30 ºC de sensação térmica. A cada sete dias os casos aumentavam uma média 33,1%.

A técnica em geomática, Ivanise Tasso, conta que amigos e parentes de seu bairro foram diagnosticados com dengue no mesmo período: “No dia 26 de março de 2024, comecei a apresentar os primeiros sintomas, uma forte enxaqueca e uma sensação estranha, que persistiram mesmo com o uso de medicamentos como Neosaldina e dipirona. No dia seguinte, a dor nos olhos se tornou o pior, muito intensa e contínua, a ponto de dificultar até movimentos simples. Três dias após o início dos sintomas, comecei a sentir dores pelo corpo, principalmente nas panturrilhas, e no quarto dia surgiram manchas rosadas pelo corpo”.

Mosquito que picou Ivanise. Foto: Ivanise Tasso.

Temperatura e Dengue: cúmplices de uma epidemia histórica

Fonte: DataSUS

O climatólogo e líder local do Climate Reality Leadership Corps, Wilson Roseghini, afirma: “Como os invernos de 2023 e 2024 foram mais quentes que a média, acabaram favorecendo o aumento de casos, já que para a capital paranaense o clima costuma ser um controlador importante da proliferação do Aedes. Essas condições criam um ambiente favorável para a reprodução do mosquito, amplificando os riscos de transmissão.”

Um período alarmante foi de 11 a 17 de fevereiro, no qual foram registrados 439 casos. O número representa mais do que o dobro das semanas anteriores, que permaneceram abaixo de 200. Além de contar com fatores externos como o feriado de Carnaval e a volta às aulas, esta semana foi a mais quente do ano, teve média de temperatura de 30.5º C. Segundo o guia disponibilizado pela Fundação Nacional da Saúde o período de incubação do vírus da dengue tem a média de 6 a 7 dias até a doença se manifestar. Os primeiros sintomas dos pacientes picados pelo mosquito na sexta semana de 2024 apareceram nos sete dias seguintes, a mesma que marca um salto de mais de 50% de infectados. Este padrão se repete da primeira para a segunda e da décima primeira e décima segunda semana.

Os casos passaram a estabilizar a partir da segunda semana de maio, a 20ª do ano, quando os termômetros marcavam uma média de apenas 20 ºC. (Fonte: DataSUS)
A Semana 06 registrou uma média de temperatura de 30.5 ºC durante o horário de maior atividade do mosquito, 18h, e logo na semana seguinte há um aumento de mais de 50% de casos de dengue. Situação semelhante acontece da décima primeira para a décima segunda semana, a que antecede registrou 29.1 ºC (Fonte DataSUS e BDMEP)

A bióloga Ana Cláudia Rojas afirma que, com as mudanças climáticas, dificulta-se o controle de doenças transmitidas por insetos como o Aedes aegypti. “As condições mais propícias para esses animais são lugares com temperaturas mais altas, uma vez que eles não são muito resistentes ao frio”, diz ela. A relação entre temperatura e dengue também é perceptível na transição entre outono e inverno. Os casos passaram a diminuir a partir da segunda semana de maio, quando os termômetros marcavam uma média de apenas 20 ºC.

Segundo a Ana Cláudia, o horário de “caça” da fêmea do Aedes seria mais ao entardecer, quase noite. O gráfico ao lado representa a média de temperatura semanal neste momento do dia, com dados do BDMEP. É preciso destacar as semanas 06 e 11, que tiveram sensação térmica de 30ºC no fim da tarde.. Estes períodos precedem respectivamente 122,84% e 61,46% de aumento nos casos nos próximos sete dias.

As manchas deixadas pelo Aedes no mapa de Curitiba

O mapa acima, disponibilizado pelo Governo do Estado, os pontos em vermelho demonstram áreas onde a dengue teve mais registros em Curitiba e Região Metropolitana do final de 2023 até abril de 2024 (Fonte: GeoDados Instituto Água e Terra | gov.pr)

“Em fevereiro de 2024, acredito ter contraído dengue na faculdade, quando percebi ter sido picado por um mosquito que parecia ser o Aedes. Busquei atendimento no hospital São Marcos, mas, inicialmente, fui mandado para casa. Ao piorar, com episódios constantes de vômito, retornei ao hospital. Descobri que fui o único do meu bairro [São Lourenço] a contrair a doença, embora soubesse de casos em outras regiões de Curitiba”, diz o programador Luiz Eduardo Penido, que estuda na PUCPR.

A Secretaria Estadual de Saúde promoveu um encontro para discutir ações de combate à dengue em outubro. O objetivo é avaliar a epidemia de dengue que atingiu o estado em 2024 e propor ações para o atual período epidemiológico, que começa no último trimestre deste ano e se estende até maio de 2025, quando as temperaturas começam a cair. A consultora nacional na Coordenação de Emergência e Inteligência em Saúde da Organização Pan-Americana de Saúde, Jaqueline Silva de Oliveira, foi uma das convidadas do evento. “Para combater a dengue, precisamos de ações de saúde, mas também da colaboração com outros órgãos, como aqueles responsáveis pela limpeza pública, saneamento urbano, educação. Toda essa soma de esforços entre as diferentes áreas é fundamental para garantir o sucesso das ações”, afirma.

2024 deixou termômetros em crise

O aumento da temperatura global, que já ultrapassou 1,5 °C em relação aos níveis pré-industriais, juntamente com as variações no regime de chuvas, cria condições ideais para a reprodução do

mosquito. As temperaturas mais elevadas e a ocorrência mais frequente de anomalias térmicas, especialmente durante as ondas de calor, aceleram o ciclo de desenvolvimento do inseto, favorecendo a sua proliferação.

Wilson acredita que a atuação de um forte El Niño entre 2023 e 2024 pode colaborar na reprodução do mosquito. “Esse aumento da temperatura prolonga o número de dias em que as condições ficam mais propícias ao Aedes, além de aumentar também o ciclo de vida e intensificar sua capacidade de transmissão.” As chuvas mais intensas e frequentes também podem levar ao acúmulo de água em diferentes ambientes, como recipientes e pneus, criando locais perfeitos para o mosquito depositar seus ovos

Caça ao mosquito: inovações e ações para a proteção da saúde

A dengue é a infecção viral mais comum transmitida por mosquitos, com até 400 milhões de casos no mundo por ano, segundo a Organização Mundial da Saúde. Além dos efeitos na saúde, o impacto econômico da doença é significativo: somente nas Américas, a dengue representa custo estimado de 2,1 bilhões de dólares por ano, de acordo com um estudo publicado em 2010 pelo The American Journal of Tropical Medicina and Hygiene (ASTMH).

Ações práticas, como campanhas de conscientização e de vacinação, podem ser eficazes se forem divulgadas em canais amplamente acessíveis, como as redes sociais. As novas tecnologias são grandes aliadas no combate à dengue, mas precisam estar associadas a políticas públicas eficazes e ao engajamento da sociedade. Somente com a mobilização conjunta do governo e da população, combinada ao uso da tecnologia, será possível reduzir os casos de dengue e proteger a saúde pública.

No Brasil, o Ministério da Saúde está adotando as estações disseminadoras de larvicida, principalmente para as periferias, como parte das ações do Plano de Ação para Redução da Dengue e outras Arboviroses. As fêmeas do mosquito são atraídas para estas armadilhas, que contêm água armazenada em um pote plástico coberto por um tecido impregnado de larvicida em pó. Ao pousar na armadilha, partículas do larvicida grudam no corpo das fêmeas e são transportadas por elas para outros locais, inclusive potenciais criadouros. Então, as larvas do mosquito, expostas ao larvicida, que não faz mal para pessoas e animais, acabam morrendo. A expectativa é que esse método contribua para a redução de 28% no número de casos de dengue, e é especialmente relevante para locais populosos ou de difícil acesso.

A vacina contra a dengue é uma das ferramentas para reduzir a transmissão da doença, diminuindo o impacto das epidemias. Com a vacinação, é possível aliviar a pressão sobre os sistemas de saúde e prevenir complicações graves. O Brasil foi o primeiro país do mundo a incluir uma vacina contra a dengue no sistema público de saúde, em dezembro de 2023. Além disso, há uma vacina brasileira sendo desenvolvida pelo Instituto Butantan. O imunizante está atualmente na fase 3 do ensaio clínico.

Não há tratamento específico para a dengue, e quanto antes a infecção for detectada, menor o risco de agravamento da doença. Os principais sintomas incluem febre alta e repentina, manchas vermelhas na pele, dor de cabeça ou atrás dos olhos, dores no corpo, náusea e vômito. Caso apresente febre e outros sintomas, procure atendimento médico o mais rápido possível e mantenha-se hidratado.

Além de ficar de olho na saúde, cada cidadão ajuda a evitar a proliferação do mosquito. Neste sentido, o Ministério da Saúde está promovendo a campanha “10 minutos contra a dengue”, recomendando práticas para prevenção dos focos do mosquito.

Izabel Forquim
Estudante de Jornalismo da UFPR e autora no Jornal Comunicação.
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Estudante de Jornalismo da UFPR e autora no Jornal Comunicação.
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