Fernanda Gomes, Francielle Lacerda, Naomi Mateus e Thais Castro
Nos primeiros dias da 29ª Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas (COP29), evento que reúne líderes globais para debater soluções para a crise climática, um ponto crucial ganhou destaque: a relação entre mudanças climáticas e saúde pública. Embora grande parte da população associe o tema só a questões como aumento da temperatura global, queimadas e derretimento de calotas polares, o problema não para por aí. A saúde humana está igualmente ameaçada por esses fenômenos, que geram desde a proliferação de doenças até crises relacionadas à qualidade do ar e da água.
Em 2023, a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou um relatório que analisou o impacto das mudanças climáticas na saúde global e apontou estratégias para diminuir os efeitos negativos da crise. O documento destacou que a saúde e o bem-estar em escala mundial pioraram por consequência da instabilidade climática.
A crise climática tem gerado uma série de consequências para a saúde pública em todo o mundo. Situações como doenças, ferimentos e mortes causadas por eventos climáticos extremos estão cada vez mais comuns. Além disso, há um aumento na incidência e disseminação de doenças transmitidas por vetores, como malária e dengue. O calor extremo também tem contribuído para o aumento das doenças cardiovasculares, enquanto a poluição do ar tem provocado um número crescente de doenças respiratórias.
No Brasil, de acordo com a análise feita pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da Organização das Nações Unidas (ONU), divulgada em 2023, alertou para os altos riscos de epidemias decorrentes das mudanças climáticas, como a dengue — doença transmitida pelo mosquito Aedes aegypti. Além disso, outros problemas envolvendo a saúde dos brasileiros são associados a acidentes ocasionados por enchentes, deslizamentos, aumento do nível do mar, tempestades severas e erosão das costas litorâneas.

Dengue em Ascensão
O Painel de Monitoramento das Arboviroses do Ministério da Saúde registrou, em 2024, mais de 6,5 milhões de casos prováveis de dengue no Brasil. O coeficiente de incidência, métrica que avalia a frequência de novos casos da doença em uma determinada população e período, ultrapassou 3 mil por 100 mil habitantes no país, atingindo o nível epidêmico segundo os critérios da Organização Mundial da Saúde (OMS). O Paraná é o terceiro estado com o maior índice de incidência, totalizando mais de 650 mil casos prováveis somente neste ano.
O professor e climatólogo Wilson Roseghini, coordenador do Laboratório de Climatologia da Universidade Federal do Paraná (LaboClima), se dedica a pesquisar e acompanhar os casos de dengue no estado. A partir do monitoramento diário das condições meteorológicas, Roseghini identifica cenários favoráveis à proliferação do mosquito Aedes aegypti e relaciona o aumento da incidência da doença com as alterações climáticas.
O Aedes aegypti, tradicionalmente associado a locais com temperaturas médias de 26°C, como as faixas norte a oeste do Paraná, tem expandido sua presença para regiões mais frias e de maior altitude como Curitiba, Ponta Grossa e Guarapuava. Para o pesquisador, esse avanço é um indicativo da adaptação do vetor ao clima e por consequência ao modo de vida do ser humano e às áreas urbanas.

A influência das mudanças climáticas para o aumento dos casos da doença também foi apontada pela médica veterinária, Emanuelle Pouzato, chefe da Divisão de Doenças Transmitidas por Vetores da Secretaria de Saúde do Estado do Paraná. “Desde o ano passado, com a chegada do fenômeno El Niño e outras mudanças significativas, houve uma variação do padrão de clima de todo o estado”, observa.
Segundo Pouzato, o aumento das temperaturas médias e a intensificação das chuvas criaram condições favoráveis para a proliferação do mosquito Aedes aegypti, vetor da doença. Essa situação resultou em um aumento expressivo no número de casos, mesmo durante os meses de outono e inverno – períodos tradicionalmente menos favoráveis à transmissão devido ao clima mais ameno e seco.
“Desde o ano passado, com a chegada do fenômeno El Niño e outras mudanças significativas, houve uma variação do padrão de clima de todo o estado”,
Emanuelle Pouzato
Foi o caso de Guilherme Andrade, de 32 anos, que contraiu a doença durante o inverno. O gerente de marketing, relata que, apesar de sair pouco de casa devido à rotina de trabalho, acabou infectado após uma viagem com os amigos. “Os primeiros sintomas foram febre, vômito, muita dor no corpo e dificuldade de ingestão. Foi bem ruim”, conta Guilherme. Ele, que já havia contraído Covid-19 anteriormente, afirma que a dengue foi ainda mais debilitante para seu organismo e, inclusive, teve que ser internado para reposição de líquidos e tratamento dos sintomas.
Por que respirar está ficando mais difícil?
A crise climática tem comprometido cada vez mais a qualidade do ar, agravando problemas de saúde pública. As altas temperaturas elevam a concentração de poluentes na atmosfera, o que pode irritar o sistema respiratório caso inalada, piorando doenças como a asma e a bronquite, e aumentar o risco de problemas cardiovasculares.
A pneumologista Stella Bozza Kapp, do Hospital de Clínicas da UFPR, alerta que pessoas com predisposição a doenças respiratórias estão em maior risco. Segundo Kapp, períodos de poluição intensa e mudanças bruscas no clima podem desencadear o retorno de doenças respiratórias que estavam sob controle, como a asma, que muitas vezes melhora na adolescência, mas pode reaparecer com a piora da poluição.

Esse foi o caso que aconteceu com Sérgio Luiz, professor aposentado, que, aos 74 anos, voltou a conviver com uma doença que estava controlada. Após se mudar para Jacarezinho, no interior do Paraná, onde o ar era predominantemente seco, Sérgio percebeu o retorno da rinite alérgica, doença comum entre os curitibanos.
Curitiba, conhecida por seu clima frio, apresenta um ambiente propício para a disseminação de vírus como os causadores de resfriados e gripes. Especialistas explicam que a estrutura desses patógenos é mais vulnerável ao calor e à umidade, mas no inverno, com ar seco e temperaturas baixas, eles encontram condições ideais para sobrevivência e transmissão. Além disso, doenças respiratórias como gripe, pneumonia e bronquite se tornam mais comuns com as condições climáticas extremas. O calor e a umidade ajudam a propagar vírus e bactérias, enquanto o frio seco prolonga a vida de vírus como o da gripe.
Confira aqui uma reportagem especial em áudio, com duração de 7 minutos, abordando em detalhes as doenças respiratórias e os desafios enfrentados no cenário atual.
Sob raios mais intensos
A pele, maior órgão do corpo humano, está frequentemente exposta aos mais diversos ambientes, luzes e climas. Embora o corpo humano possua mecanismo de adaptação ao meio em que vive, mudanças abruptas no ambiente podem sobrecarregar essas defesas, resultando em problemas dermatológicos, como a acne e outras doenças de pele. Compreender como funcionam os fatores externos que prejudicam a saúde e como se proteger a eles tem se tornado essencial para uma boa qualidade de vida. Um dos principais agentes de risco é a exposição ao sol.
Apesar de ser a principal fonte de vitamina D e fundamental para o bem-estar, o aumento das temperaturas intensifica os riscos da exposição solar excessiva, que pode levar ao desenvolvimento de doenças de pele. Os sintomas muitas vezes se manifestam de forma silenciosa, como no caso do câncer de pele, com sinais como manchas vermelhas, feridas que não cicatrizam e pintas suspeitas.

Aos 60 anos, Rita, que é diarista, nunca havia apresentado nenhuma doença de pele até notar uma mancha vermelha no rosto. Inicialmente, pensou que fosse uma espinha que não sarava, mas percebeu que mesmo após utilizar pomada, a ferida não cicatrizava. “Não desconfiei que fosse algo grave, mas achei estranho que não saia do meu rosto. Procurei atendimento médico e fui encaminhada para um especialista que pediu uma biópsia. Foi ali que eu descobri que estava com câncer de pele”, conta.
Segundo o Ministério da Saúde, essa doença surge quando as células da pele se multiplicam de forma descontrolada, formando tumores. A principal causa é a exposição excessiva aos raios ultravioleta (UVA e UVB) do Sol. A prevenção mais eficaz inclui evitar a exposição solar nos horários de maior intensidade, geralmente entre 10h e 16h, além do uso de protetor solar e roupas adequadas.
Rita fala sobre os cuidados preventivos necessários que deve tomar diariamente, mas não se mostra otimista quanto a uma possível mudança no cenário. “Hoje em dia é necessário passar protetor solar todos os dias, meu médico me disse para evitar até mesmo a luz que vem da tela do celular, de resto não temos o que fazer além de nos cuidar”, afirma.
Financiamento desproporcional à gravidade do problema
Conforme o relatório emitido pela OMS, a urgência pela adoção de medidas de enfrentamento das mudanças climáticas que coloquem a saúde como um fator de relevância é prioridade. Segundo a publicação, houve um aumento progressivo na integração da saúde às Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC) e nas Estratégias de Desenvolvimento e Baixas Emissões de Longo Prazo (LEDs) — principais ferramentas propostas no Acordo de Paris para conter o avanço das mudanças climáticas. Agora, das NDC disponíveis, 91% incluem questões referentes à saúde, um aumento de 21% em relação ao levantamento de 2019.

Apesar dos avanços, o financiamento destinado a ações específicas para a saúde nos planos nacionais de combate às mudanças climáticas ainda é insuficiente. De acordo com o relatório da OMS, apenas 10% NDCs possuem recursos voltados para iniciativas relacionadas à saúde.
A organização formaliza um pedido para ampliar o investimento em projetos e ações que promovam a saúde como parte essencial da resposta à crise climática. O objetivo é garantir medidas mais igualitárias e eficazes frente aos impactos das mudanças climáticas, fortalecendo a capacidade global de enfrentamento dos desafios ambientais e seus reflexos na saúde pública.
Editado por Ana Rocha e Giovana Bonadiman.