qua 03 dez 2025
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Gênero sertanejo predomina nos fones de ouvidos dos curitibanos 

Mesmo distante do sertão, cidade se conecta com a cultura e os costumes por meio da música

De acordo com a pesquisa “Cultura nas Capitais”, realizada este ano pela consultora JLeiva Cultura & Esporte, em parceria com o Instituto Datafolha, o sertanejo é o estilo musical queridinho de Curitiba. O levantamento ouviu 600 habitantes da capital de idades variadas que, em maioria, apontaram o ritmo (de duplas e universitário, além da moda de viola e o piseiro) como um de seus gêneros favoritos, seguido do rock e do MPB. 

A pesquisa pediu que os entrevistados nomeassem os três tipos de música que mais ouvem por ordem de preferência. Os resultados mostram que o sertanejo não é necessariamente o estilo predileto da cidade, mas o mais popular, com o maior número de ouvintes em comum. A preferência da capital paranaense pelos modões chega a ultrapassar a média nacional em mais de 10%. 

Quase metade dos entrevistados (282 pessoas) tem o sertanejo como um de seus estilos prediletos. Infográfico: Reprodução | Cultura nas Capitais. 

O sucesso é notável. A vida noturna curitibana oferece vários locais onde os fãs podem se reunir para ouvir, consumir e socializar em torno do sertanejo. Bares como o Santa Marta, Território Sertanejo e o Folks Pub (conhecido por suas longas filas que dão voltas na quadra) são opções muito procuradas pelo público. No início do ano, Curitiba recebeu duas datas do evento Country Festival, com uma lineup repleta de artistas consagrados. Em novembro, a Ligga Arena trouxe clássicos como Leonardo, Zezé Di Camargo e Luciano e Victor e Léo, no espetáculo “Histórias: O Show do Século.”

Palco do Curitiba Country Festival 2025. Foto: Equipe CCF. 

O estudante César Augusto Pocas, de 19 anos, teve a influência dos pais e avós para se apaixonar pelo sertanejo desde criança. Após crescer em meio aos CDS e aos sucessos da rádio, hoje o curitibano prefere escutar as músicas pelo celular e frequentar os shows de seus artistas favoritos, além de estabelecimentos com apresentação ao vivo. Mas o fascínio supera a forma de consumir o gênero; está nos detalhes do dia a dia. 

“Acho que é muito mais muito forte que fã. Para mim, o sertanejo é um estilo de vida. A cultura que ele proporciona traz a história de um povo e muita experiência de vida também. Está na maneira de me vestir, de falar e no futuro que eu planejo. Quero me formar agrônomo e viver mais perto da rotina sertaneja um dia,” contou Pocas. 

A popularidade do sertanejo entre curitibanos como o César pode parecer curiosa à primeira vista, considerando a distância geográfica e cultural do interior rural do Brasil, onde o estilo tem suas raízes mais profundas. A capital, marcada pela cena cultural diversificada, é mais associada a gêneros cosmopolitas e inclusive recebeu o título oficial de “Cidade Mais Rock and Roll do Brasil” no início do ano, por meio de uma lei municipal. 

O historiador Gustavo Alonso é professor na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e colunista da Folha de São Paulo. Em sua tese do doutorado em História, “Cowboys do Asfalto: música sertaneja e modernização brasileira”, ele explora o processo de renovação da música rural no país e aponta que a popularidade do gênero em diferentes regiões do Brasil pode ser explicada por uma busca identitária.  

Com 332 anos, Curitiba não é uma cidade histórica e seu crescimento é relativamente recente. Segundo Alonso, são regiões assim, pequenas e médias, que se desenvolvem de forma significativa e tendem a se ligar ao mundo à procura de definir uma identidade cultural. É desses lugares, espalhados por todo Brasil, de onde muitos dos artistas do gênero vêm, nascem e encontram público para retornar e fazer shows.  

Para o pesquisador, isso demonstra um pouco da força do interior do Brasil — as cidades contemporâneas mais afastadas do litoral. Um exemplo de destaque é a dupla de irmãos Chitãozinho e Xororó, nascidos na cidade de Astorga, no Paraná, que moveram e movem o país inteiro até hoje com seus sucessos.  

 “Hoje, isso tem a ver com a globalização. Tem a ver com abertura de mercados, com a popularização da internet e da música digital. Outro ingrediente é o peso do interior no imaginário das pessoas. Todo mundo tem algum parente do interior com um certo orgulho de falar disso. A conversa tem um quê de idealização, o discurso lastreia identidade. De certa forma, há um feitiço de querer um lugar mais calmo, mas com internet funcionando. É só nesse mundo que você pode ter um outro cenário cultural”, esclareceu Alonso. 

Além disso, a música sertaneja não tem uma identidade fixa. Desde a origem, ela incorpora outros gêneros como o bolero, o rasqueado, o chamamé e, mais recentemente, o rock, o pop, o funk e a música eletrônica. Todas essas fusões, assim como uma mudança das letras para temas mais urbanos (festas, amores momentâneos e bens) própria do sertanejo universitário, aumentam o apelo de um estilo tão tradicional em cidades como Curitiba.

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