qui 21 nov 2024
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A primeira edição da Jornada de Comunicação e Raça na UFPR: um marco histórico

Questão da representatividade negra é tema central no primeiro encontro

Produção: Adrielly Guterres, Ana Rocha e Vitória Smarci

No dia 21 de setembro, marcou-se um momento histórico no departamento de Comunicação da Universidade Federal do Paraná (UFPR) com o início da primeira edição da Jornada de Comunicação e Raça. Este evento inédito revisitou questões cruciais de representatividade da negritude e gênero, com foco nas pesquisas realizadas no departamento de Artes, Comunicação e Design (SACOD) da universidade.

Em seus 59 anos de existência, pela primeira vez, alunos e professores do campus de comunicação se uniram para organizar uma série de eventos que abordam de maneira abrangente a temática racial, contemplando desde a academia até a sociedade e a cultura produzida pelos estudantes, visando reunir toda a comunidade acadêmica em torno desse marco histórico.

Estudantes da UFPR e membros do coletivo Comunica Black que atuam na organização da jornada de comunicação e raça. Foto: Sara Emily/Comunica Black

O pontapé inicial dessa jornada foi marcado por um evento que contou com a participação da publicitária Mayara Cruz, uma ex-aluna da UFPR. Ela trouxe à tona um olhar crítico sobre a representação racial em filmes da Disney, utilizando como exemplos “Soul” de 2020, que ela argumenta desumanizar personagens negros, em comparação com “A Princesa e o Sapo” de 2009 e “Um Espião Animal” de 2019.

A temática da “animalização” do corpo negro em produções audiovisuais é um assunto de relevância que merece especial atenção, uma vez que reforça estereótipos coloniais profundamente arraigados na sociedade. O assunto é abordado em uma pesquisa conduzida por Mayara, a qual nos lembra de um período na história do Brasil na qual a desumanização do negro era uma prática corrente, acarretando sérias consequências.

Ainda que esse cenário possa parecer distante da contemporaneidade, é imprescindível reconhecer que a representação do negro em produções de 2020 e anos recentes ainda manifesta traços de “animalização”. Embora essa não seja a intenção explícita, acaba, de certa forma, reforçando estereótipos prejudiciais aos quais o movimento negro busca desprender-se. 

Mayara Cruz Brito, publicitária formada pela UFPR que trabalha como mídias sociais na Fundação de Apoio à universidade. Foto: Agência Prattica

Além disso, durante o evento, contamos com a presença da professora Valquíria Jonh, do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFPR, uma especialista de vasta experiência em estudos de recepção, ficção seriada e relações de gênero. A sua participação retratou sobre a importância crucial da pesquisa de gênero e raça no âmbito acadêmico e a necessidade constante de atualização desses dados. 

A pesquisa desempenha um papel extremamente fundamental ao fornecer indicadores que podem efetivamente transformar a realidade, ela nos proporciona subsídios embasados em métodos e técnicas rigorosas, os quais vão além das percepções empíricas que muitas vezes surgem a partir de observações cotidianas. No entanto, é imperativo destacar que não podemos mais nos permitir discutir gênero de forma isolada, ignorando outros importantes recortes sociais. No contexto do nosso país, discutir gênero sem abordar raça e classe se mostra insuficiente e inadequado.

Portanto, a correlação entre gênero, raça e classe é de suma importância. Estamos lidando com a nossa realidade sócio-cultural, e é crucial reconhecer a interseccionalidade desses fatores para uma compreensão completa e abrangente. Assim, a pesquisa não apenas nos fornece um entendimento mais profundo da realidade, mas também nos capacita com uma força política substancial. É por meio desses estudos que podemos orientar nossos esforços na construção de uma sociedade mais inclusiva e justa, que reconheça e respeite a diversidade de experiências e identidades.

Valquíria John, professora doutora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação — PPGCOM e dos cursos de graduação em Jornalismo, Publicidade e Propaganda e Relações Públicas da UFPR. Foto: Agência Prattica

Tivemos também a participação de ouvir Alana Cunha, uma ex-aluna da UFPR formada em Relações Públicas, que explorou a comunicação em suas diversas formas, incluindo a dança e a música. Ela compartilhou uma perspectiva singular sobre o papel da comunicação como agente de transformação social e política, além de nos introduzir ao afrofuturismo. A discussão sobre afrofuturismo e representatividade no contexto audiovisual assume uma relevância extrema. A temática do afrofuturista transcende a esfera restrita do audiovisual tradicional e se apresenta como uma ferramenta de valor inestimável na construção de narrativas visuais que revelam a notável presença das pessoas negras ao longo da história e no cotidiano.

O afrofuturismo e a representatividade nos meios audiovisuais proporcionam-nos a oportunidade de transcender essa narrativa única e dolorosa. Eles facultam-nos a capacidade de reconfigurar a história, conferindo protagonismo às pessoas negras em âmbitos de poder e influência que, historicamente, foram atravessados por essa mesma história de opressão.

Ao debatermos a representação, estamos tratando da integridade das pessoas negras, reconhecendo a importância de relatar histórias que não se restrinjam ao passado de sofrimento, mas que também celebram suas conquistas, resiliência e potencial. Isso representa uma oportunidade de redefinir a narrativa, destacando as vozes e experiências que, com frequência, foram subestimadas ou silenciadas. 

Alana Cunha, graduada em Relações Públicas pela UFPR, desenvolve sua pesquisa sobre o conceito de afrofuturismo na comunicação audiovisual. Foto: Sara Emily/Comunica Black

Também tivemos a honra de interagir com Felipe Cardoso, publicitário, ativista e Mestrando em Comunicação pela UFPR. Além de suas notáveis realizações, Felipe é o organizador de um livro inspirador “Fragmentos Negros” que lança luz sobre a presença negra em Joinville, Santa Catarina.

A relevância das informações contidas na obra é inquestionável, ao desempenhar um papel fundamental na luta contra o apagamento histórico do negro em Joinville. O livro atua como uma contra narrativa, preenchendo os espaços em que foram invisibilizados ou apagados pelo discurso hegemônico. Ele desafia a narrativa única e insuficiente, revelando histórias, experiências e protagonismo negligenciados ao longo do tempo. Sabemos que a história, quando não é contada com todos os seus personagens, deixa lacunas, criando o que se conhece como “não lugar”. Portanto, a obra visa combater a narrativa predominante, que frequentemente possui uma perspectiva eurocêntrica e negligenciando a presença e as contribuições da comunidade negra.

O objetivo central da Jornada de Comunicação e Raça transcende a mera discussão de questões sociais, promovendo um diálogo fundamental para a construção de um futuro mais inclusivo e igualitário, especialmente em espaços acadêmicos. 

Felipe Cardoso, publicitário com mestrando em Comunicação pela UFPR, coordenador do Cursinho Popular Pré-vestibular Inserção, e organizador do livro “Fragmentos Negros” — perspectivas sobre a presença negra em Joinville/SC. Foto: Agência Prattica

Próximos eventos da Jornada Comunicação e Raça

28/09 — INTELECTUAIS PRETAS 

05/10 — PESQUISAS ANTIRRACISTAS NA UFPR

26/10 — COLETIVOS PRETOS 

09/11 — CULTURA PRETA

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