Fátima Terezinha Carvalho, 57, trabalha como empregada doméstica em alguns dias da semana. Em outros, trabalha como voluntária ensinando pacientes internados a fazer origamis através do projeto Dobrando Alegrias. O boca-a-boca a levou para o voluntariado promovido no Hospital das Clínicas e, nas quartas-feiras, entre as 14h e 16h, ela agora circula quantos andares consegue, dos 11 que existem no prédio das especialidades e internamentos do hospital, se divertindo com a descoberta de vários pacientes dos segredos do origami. Ela me recebe para viver um dia do voluntariado.
O andar dessa semana é o 4º, onde ficam os leitos da neurologia. Quase todos eles estão ocupados quando chegamos, por um ou mais pacientes, cada um com a sua cama, alguns com visitas de familiares, todos com uma espécie de esperança melancólica de serem curados em breve.
Quem já esteve internado sabe das horas cansativas onde não existem muitas opções além da espera. Qualquer coisa que passe na televisão, quando existem televisões nos quartos de internamento, perde o sentido: descobrimos que o mundo continua a funcionar mesmo sem nós. As visitas possuem regras e horários variados, e dependem da situação do internado, mas os pacientes acabam passando boa parte do tempo sozinhos apenas na companhia dos outros doentes. As incertezas a respeito do tratamento gera angústia a todos os envolvidos, mesmo quando há esperanças na cura.
Aqui entra o voluntariado, sem remuneração e com algum tempo e conhecimento para oferecer. A atuação deles nos hospitais e postos de saúde prolongam o contato humanizado dos pacientes com o mundo ao redor, alimentando as suas esperanças e oferecendo um desvio dos problemas de saúde que sofrem. Os voluntários ajudam na recuperação dos enfermos, otimizando o tratamento dos pacientes. Pela dedicação, eles se tornaram um esforço inestimável no dia a dia das instituições, fazendo a diferença na rotina dos hospitais.
No serviço voluntário a pessoa dedica seu tempo, de maneira espontânea, executando uma atividade não remunerada voltadas às organizações não governamentais, à comunidade ou às próprias instituições de governo. No Brasil, a última pesquisa a respeito do voluntariado, realizada pelo IBOPE em 2011, mostra que apenas 11% da população realiza voluntariado, sendo que 5% realiza de forma regular, 6% sem frequência definida , 14% já fizeram e outros 73% nunca realizaram tais atividades. Entretanto, temos que considerar que os números não consideram os gestos de solidariedade, como ajudar um amigo ou vizinho ou doar sangue, por exemplo.
Carlos Eduardo, 28, tem esclerose múltipla e estava no hospital para fazer exames de rotina – há mais de 16 anos que se sabe portador da doença que frequentemente evolui para a perda das capacidades físicas e cognitivas. Sem qualquer dificuldade aprende os origamis mais simples, e resolve arriscar nos mais difíceis. Mônica Hayashi, 43, a voluntária que o ensina, observa o aprendizado do mais novo aluno. Eles não conversam sobre outra coisa, a doença de Carlos Eduardo não interessa nesse momento. Mônica observa a “resposta dos pacientes na mágica de transformar um quadrado de papel em qualquer coisa”, como ela mesma diz.
Os esforços na promoção da saúde nos hospitais e postos de saúde encontram barreiras pela falta de infraestrutura e limitação de pessoal. As carências de recursos humanos podem gerar nefastas consequências para os doentes, principalmente pela demanda de trabalho dispendida em contraposição às possibilidades de se oferecer cuidados humanizados. O desgaste psicossocial para um internado, familiares e amigos nesse contexto pode ser dramático.
De todos os trabalhos de voluntariado realizado no Brasil, ainda segundo a pesquisa do IBOPE, apenas 9% realizam em alguma instituição de saúde, atrás da educação (10%), associações de bairro (12%), assistência social (25%) e instituições religiosas, que concentram 49% de todo trabalho voluntário realizado no país. A média de tempo de dedicação é de 4,6 horas/mês com frequência de 3,5 vezes/mês.
Gabriel Moraes, 19, circula como voluntário conosco pelos corredores do Hospital das Clínicas. Ele cursa jogos digitais na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) e se sente à vontade promovendo a descoberta dos origamis que surgem entre um e outro leito. Ocupar o tempo que tem disponível é um dos principais motivadores para estar ali conosco. Observando a pesquisa que foi realizada com o voluntários e voluntárias pelo IBOPE, descobrimos que as motivações para se fazer um voluntário vão das intenções de “ser solidário e ajudar os outros” (67%) até “motivações religiosas” (22%), sendo também o “desejo de melhorar a auto estima” (10%), “retribuir algo que recebeu” (12%), “melhorar o mundo” (32%), “dever de cidadania” (17%) ou “ocupar o tempo livre” (4%).
Uma história de gratidão
A experiência de receber atenção, carinho e cuidados sem poder oferecer nada em troca no momento da situação de internamento motivou a doutora em direito e professora de japonês Lina Sahek a encontrar alguma maneira de responder com gratidão.
Os serviços oferecidos pelos voluntários do projeto coordenado por Lina Sahek possuem uma lógica de funcionamento diferente da maioria dos outros voluntariados, como os que envolvem contação de histórias, palhaços, cuidados e atenção aos idosos ou simplesmente oferecendo alguma companhia e disposição para realizar tarefas de locomoções dentro e fora dos hospitais, por exemplo. A diferença objetivada por Lina é a de permitir aos pacientes realizar um gesto de gratidão àqueles que o cercam. A ação que propõe ensina ao doente a feitura dos origamis e disponibiliza em seguida papéis coloridos para que eles possam presentear alguém querido.
A história do projeto desse voluntariado começou quando Lina foi debilitada por um vírus que a colocou em risco de vida, em 2005, agredindo o miocárdio (músculo cardíaco) e gerando a doença conhecida como micardiopatia dilatada, que possui altíssimo grau de mortalidade. Lina fazia um doutorado em direito na Espanha e além do desgaste causado pela própria doença, a angústia por ver seus amigos e familiares também afetados a levaram a pensar em alguma forma de retribuir a atenção, ainda no hospital. Lina afirma que essa é “uma situação terrível para os pacientes, que é um sentimento de culpa por gerar coisas ruins, como uma preocupação, quando doente.” Começou a produzir origamis e a distribuí-los entre médicos e enfermeiras. Ela lembra que um dos primeiros a receber, o médico que dela cuidava, voltou no dia seguinte perguntando se não lhe poderia fazer outro origami, pois o que tinha ganho havia sido tomado pela filha. Antes mesmo de receber alta havia se tornado “a garota do origami.”
Ao voltar para o Brasil, fundou a Escola Centroasia (2008) e passou a desejar que a sua história de gratidão com origamis pudesse se repetir em outras histórias de internamento. Em 2013 surge o Dobrando Alegrias, que hoje funciona com 87 voluntários, atuando em três hospitais em Curitiba (Hospital das Clínicas, Pequeno Príncipe e no Hospital Universitário Cajuru) além de Niterói, Maceió e Recife. O objetivo, segundo Lina, é permitir que mesmo aqueles que estão enfermos sintam-se “sujeitos ativos da beleza”, rompendo com uma situação de dependência a partir de um “gesto mágico”: transformar papéis em origamis.