
De consciência social e ambiental plenas, o Pimp My Carroça procura unir em um mesmo pacote o invisível e o marginalizado ao promover respeito e reconhecimento à arte do grafite e à coleta de papéis. O projeto, que já beneficiou diversos catadores das cidades de São Paulo e Rio de Janeiro no último ano, reforma carroças e oferece serviços médicos, odontológicos e estéticos gratuitos aos agentes ambientais, como são conhecidos. Agora, a ideia veio ser implantada em Curitiba. No sábado, dia 2, a cidade recebeu voluntários dispostos a esquecer o feriado e trabalhar pela dignidade e pela visibilidade dos catadores de papel. Todos os dias, eles coletam 445 a 550 toneladas de resíduos – quatro vezes mais do que o montante recolhido pelos caminhões do programa Lixo que não é Lixo, da prefeitura municipal da cidade.
O nome é uma brincadeira com o termo “pimp”, que equivale a “tunar”. No projeto, os catadores são convidados a deixar seus veículos de trabalho nas mãos da equipe, para que sejam reparados, e receberem eles mesmos uma “recauchutada”. Os responsáveis são profissionais voluntários que cuidam da saúde, dos cabelos, das unhas e do bem-estar dos agentes ambientais. Tudo gratuito para eles, que ganham equipamentos de segurança, camiseta do projeto, alimentação e até massagem.
Em Curitiba
O evento aconteceu ao som de muita música e conversa, na Praça 29 de Março, das 10 às 20h, no bairro Mercês. Segundo Thiago Baptista, organizador do Pimp My Carroça em Curitiba, o local foi escolhido para dar maior visibilidade ao acontecimento. “O evento serve não só para proporcionar um dia diferente para os catadores, mas também como uma oportunidade para a sociedade mudar a visão que ela tem dessas pessoas e poder se aproximar do catador”, afirma Baptista.
Para que o Pimp My Carroça pudesse acontecer na capital paranaense, o projeto ficou no papel, sendo amadurecido e estudado, por cerca de um ano. A concretização ocorreu graças aos arrecadamentos – quase 44 mil reais – conseguidos através do site Catarse, de financiamento coletivo. Parte do material utilizado no evento – tintas, equipamentos de segurança, alimentos, água – foram conquistados por doações de empresas parceiras ou de voluntários. Uma outra fração foi comprada com os fundos conseguidos no Catarse.
Mel, integrante da equipe do Pimp My Carroça São Paulo, conta que o maior obstáculo não é unir verba para produtos e materiais, mas para a estrutura que o projeto exige. “O problema é a ‘verba dura’. Estrutura de palco, tenda, gerador de energia”, diz, afirmando que recorrer ao site de financiamento colaborativo já não é mais viável. “O projeto custa caro. Foi difícil conseguir. Se você disser ‘Ah, consegui o apoio dessa instituição, ou da prefeitura’, beleza, a gente vem na hora.”, completa Mel.
Fátima Marinho endossa o coro de reclamações quanto às dificuldades de conseguir doações e financiamento para o projeto. Ela é veterinária voluntária na barraca “Cãopanheiro”, que oferece cuidados médicos aos animais dos catadores. De doações, a equipe conta apenas com a ração e o antipulgas. Os demais medicamentos e materiais vieram com os próprios voluntários. “Eu fiz uma solicitação em laboratórios de várias entidades e não tive colaboração de ninguém”, lamenta Fátima. A veterinária chegou a contatar a prefeitura de Curitiba, mas a resposta foi desanimadora. “Eles não tinham horário na agenda nem equipe disponível. Também não me forneceram o projeto escrito de castração e vacinação gratuitas que a prefeitura tem”, reclama. Para ela, a falta de ajuda é sinal de descaso e, talvez, preconceito. O jeito é manter o otimismo. “ A gente faz o que pode”, completa.

Desconfiança
Ao longo do evento, sobrou vontade e animação para revitalizar as carroças e ajudar seus donos. Porém, estava em falta o personagem principal da ação: o catador. A intenção do projeto era reformar 50 carroças; havia voluntários e material disponível para tanto. Mesmo assim,, apenas 25 catadores foram receber os benefícios. “A gente está meio desesperado porque temos material para carroça e não tem catador. Estamos buscando catador de tudo quanto é canto”, conta Mel, voluntária da equipe de São Paulo.
A jovem acredita o grande motivo para a ausência dos agentes ambientais é a desconfiança. “Alguns disseram: ‘Não vou dar meu voto em troca disso’. Acham que é uma iniciativa política. É que é bom demais pra ser verdade”, diz.
Luana Linhares também desconfiou no início. Depois que viu que a iniciativa era séria, passou a confiar no projeto. “Agradeço a Deus pela vida dos meninos [participantes da ação]”, fala sorrindo.
Todos os dias, a catadora anda quilômetros recolhendo lixo reciclável. Sai cedo de sua casa, no Parolin, e carrega o carrinho até o bairro Mercês. Faz o caminho inverso com a carroça cheia – já chegou a puxar 200 quilos de material. Reclama da falta de educação dos motoristas e conta que um dia se envolveu em um acidente devido ao descaso de um. Um carro bateu e danificou sua carroça enquanto Luana trabalhava. A reforma, então, caiu mesmo do céu. “Surgiu essa oportunidade, essa ideia maravilhosa. Esse serviço que eles estão fazendo, se eu tivesse que pagar, sairia uns 300 reais. Além de todos os atendimentos de hoje. Para mim está sendo ótimo”, comemora.
Luana é participante ativa de iniciativas para conscientização ambiental na região onde mora. Faz parte do Ecocidadão, projeto que dá dicas de como separar o material reciclável. “Lá eu ensino e aprendo, porque cada um tem algo para ensinar”, diz. A catadora, que tem seis filhos – um deles portador de necessidades especiais – , e mãe doente, preocupa-se com as condições de seu trabalho. “Se você vier para a rua e trabalhar, tem renda. Se ficar em casa, não tem. É só o que você faz”, conta ao reclamar da instabilidade do serviço.
Questionada sobre qual a solução para melhorar o ofício, ela não hesita: “Uma das minhas maiores preocupações, não comigo, mas com meu próximo, é a questão do INSS”, desabafa. “Eu pago, mas muitas pessoas ficam doentes e sem auxílio”, alega Luana. A catadora mostra que tem conhecimento de política e afirma, com todas as letras, que o governo tem sim condições de ajudar sua classe. “O arrecadamento que o Paraná tem é suficiente, é apenas mal aplicado”, explica.
Ela ainda quer garantias para o amanhã. Pede bolsa para os agentes ambientais, para que não dependam apenas do lucro incerto que conseguem nas ruas. “Se o governo investisse nisso, ia melhorar a vida dos catadores. Porque são milhões, eu não sou a única”, reforça.