dom 28 abr 2024
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Ciclismo em Curitiba: novas bicicletas compartilhadas, velhos desafios

A micromobilidade compartilhada não é novidade na capital paranaense, veja o que pode ter mudado com a chegada da Tembici

 

A Tembici é um novo projeto da prefeitura de Curitiba. Foto: Maíra Becker

No mês de agosto de 2023, a cidade de Curitiba aderiu a um novo projeto de bicicletas compartilhadas, estabelecendo parceria com a Tembici, uma startup de micromobilidade que teve sua origem em 2010. Após tentativas sem sucesso de inserir este modelo de transporte na capital paranaense nos últimos 5 anos, com a Yellow e Grin, a prefeitura investe mais uma vez no ramo, desta vez, com algumas novidades – dentre elas, possibilidade de plano mensal, bikes elétricas, e localização estratégica das estações. Essas inovações ainda estão em análise de eficiência.

“Essa proposta inicial foi a melhor pensada, porque a bicicleta sai de um ponto que é seguro e tem que ser devolvida num lugar seguro. Enquanto a Yellow estava na disposição de ser vandalizada, destruída, porque a pessoa podia largar em qualquer lugar da cidade. E agora [a Tembici] fica num ponto só, bem travada”, diz o mecânico de bicicletas, Vithor Lago, 24.

Com 500 bicicletas no total, o sistema é o primeiro do Brasil a ter 50% do projeto de bikes elétricas, o que facilita o deslocamento e favorece o meio ambiente. Quem oferece o serviço é a Tembici, juntamente com a Prefeitura de Curitiba. As bicicletas foram lançadas em 17 de agosto, e contam com 50 pontos de retirada. Todas as bicicletas têm GPS para evitar furtos ou vandalismo. O estudante Luiz Penido, 22, acredita que o sistema é vantajoso. “Para quem tem um trajeto já definido todos os dias e possui uma estação de recolhimento das bikes perto de casa e do destino final, vale muito a pena”, afirma.

 

O sistema conta com 50 estações de bikes. Foto: Maíra Becker

Já foram registrados mais de 80 mil deslocamentos com as bikes compartilhadas. “É muito importante que Curitiba tenha um sistema de bicicletas compartilhadas”, afirma o deputado estadual e ciclista assíduo Goura Nataraj (PTB). Goura propôs em 2022 uma audiência pública na Assembleia Legislativa discutindo a segurança no trânsito para os ciclistas, uma vez que o Paraná é o 2º estado mais perigoso para este tipo de transporte.

Os locais das estações foram definidos em conjunto pela Tembici e técnicos do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc) e da Superintedência de Trânsito (Setran). A Prefeitura de Curitiba, através da Setran, reforçou em julho a sinalização da estrutura cicloviária da cidade com a pintura de ciclorrotas nas áreas calmas da região central. As ciclorrotas são onde carros e bicicletas podem se locomover em conjunto. O deputado Goura diz que vê “com muito bons olhos a implantação das bikes, que elas sejam muito bem utilizadas”.

Para utilizar as bicicletas compartilhadas, basta baixar o aplicativo Tembici, fazer um cadastro, selecionar Curitiba, e escolher os planos ofertados. As bicicletas podem ser desbloqueadas por QR Code, ou pelo teclado disponível nas vagas de cada uma das bikes. Ao finalizar o uso, as bikes devem ser devolvidas em uma das estações.

 

O aplicativo informa quantas bicicletas estão disponíveis em cada estação. Imagem: Maíra Becker

Trajetória do ciclismo em Curitiba

Uma audiência pública na Assembleia Legislativa em maio de 2022 discutiu a segurança no trânsito para os ciclistas, já que o Paraná é o 2º estado onde mais morrem ciclistas no Brasil (2020). A iniciativa foi do deputado Goura (PTB), que assina o PL 86/2022, propondo a revisão da política de trânsito estadual para a Visão Zero, com a ideia de reduzir ao máximo as mortes evitáveis no trânsito. Em Curitiba, segundo dados do Programa Vida no Trânsito-PR, entre 2012 e 2020 morreram 131 ciclistas na cidade, uma média de 14 mortes por ano.

Em novembro de 2019 foi anunciado um plano de ampliação da estrutura cicloviária na Capital Paranaense. Desde o lançamento do plano, desenvolvido pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc), foram implementados mais quilômetros de ciclovias, totalizando 252,1 km em toda a cidade.

 

Mapa de ciclovias em Curitiba em 2022. Imagem: Prefeitura de Curitiba/divulgação

Apesar do aumento das ciclovias, a qualidade das rotas não tem progressos visíveis. Luiz anda de bicicleta para a faculdade, percorrendo um trajeto de 30 minutos. “Nem sempre as ciclovias são a melhor opção, acontece muito roubo”, afirma. “A maior parte do trajeto faço nas ruas mais movimentadas.” Essa, infelizmente, é a realidade de muitos que usam da micromobilidade como opção para trabalho ou estudo, ao invés de lazer.

“Tem muito a melhorar, principalmente em segurança. Ficou escuro, a ciclovia vira uma terra de ninguém, vira uma guerra. Então acho que a ciclovia de Curitiba não é o melhor lugar [para andar de bicicleta]”, declara Vithor. Os pontos centrais para as estações da Tembici são uma vantagem, de acordo com o mecânico de bikes. “Como a ideia principal é fazer esse deslocamento fora do transporte público, a região central acaba sendo a melhor. Se a gente coloca em pontos espalhados pela cidade toda, ou precisa de uma verba gigante, ou a bicicleta não vai ser boa.”

O sistema legislativo, porém, já tem planos de mudar essa realidade. O deputado Goura, por exemplo, está ciente de que há “uma distribuição muito desigual do espaço público. O que a gente realmente precisa em Curitiba é garantir o que está previsto em lei”.

Yellow e Grin – pioneiros curitibanos fracassados

Yellow e Grin foram usadas em Curitiba por dois anos. Foto: Grow/Divulgação

Na capital paranaense, dois modelos de micromobilidade foram amplamente utilizados, as bicicletas compartilhadas da empresa Yellow, e patinetes da Grin. Em 2018, a Yellow espalhou suas bikes pela cidade, sendo logo após seguida da Grin.

A Yellow foi criada pelos brasileiros Ariel Lambrecht, Eduardo Musa e Renato Freitas. A Grin era uma startup mexicana. Juntas, tinham 135 mil bikes e patinetes, 1,1 mil funcionários e atuavam em 7 países. As duas empresas captaram US$ 150 milhões em investimentos e realizaram mais de 20 milhões de corridas.

Amplamente utilizadas pelos cidadãos curitibanos, as bikes e patinetes se tornaram uma nova forma de mobilidade. Para os patinetes, o custo era de R$ 3 para os três primeiros minutos de uso e R$ 0,50 a cada minuto extra; e a bike custava R$ 1,00 para cada intervalo de 10 minutos. O pagamento era feito pelo cartão de crédito cadastrado em aplicativo próprio.

Nos primeiros dias de operação das bicicletas da Yellow em Curitiba, porém, alguns casos de vandalismo e furtos foram registrados. Com menos de uma semana de circulação, por exemplo, uma delas foi jogada dentro do Rio Belém, no Centro Cívico.

Para tentar evitar que isso também acontecesse com os patinetes, a Grin apostou na proximidade com a comunidade para manter os veículos sem danos. A tentativa também não foi muito bem-sucedida. A empresa, por “questões estratégicas”, nunca divulgou o número de bikes e patinetes vandalizados e abandonados na cidade.

Yellow e Grin se fundiram em uma única empresa, a Grow. Porém, em 2020, a empresa pediu recuperação judicial, e antes mesmo do coronavírus, já sofria ondas de demissão e encerramento de serviços. A Grow ainda tentou criar um serviço de assinatura dos veículos durante a pandemia e, em junho, chegou a demitir metade de seus funcionários. Em janeiro de 2021, a empresa encerrou as operações em 14 cidades no Brasil. Sobraram apenas São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ) e Curitiba (PR). Os representantes da Grow, Veirano Advogados, divulgaram que a empresa estava com dívida de R$ 40 milhões.

Agora, está usando seu estoque de bicicletas e patinetes para pagar seus credores. Cada patinete está sendo avaliado em R$ 1,8 mil e usado como parte do pagamento dos credores, até o limite de 2 mil equipamentos por credor. Isso soma R$ 3,6 milhões por lote.

Vale a pena?

Com objetivo de incentivar mais pessoas a pedalarem, o sistema da Tembici conta com um plano com 10 dias grátis para experimentação. Após isso, os valores variam de acordo com o plano escolhido. Viagens únicas de até 15 minutos têm o custo de R$ 5,99 cada e o plano diário prevê viagens ilimitadas de até 60 minutos cada por R$ 13,90 ao dia. O plano mensal sai por R$ 24,90 e o anual por R$ 249,99.

O sistema da Tembici prevê 4 tipos de plano, além de um grátis para experimentação. Imagem: Tembici/divulgação

O preço de uma passagem de ônibus em Curitiba em 2023 é de R$ 6,00, enquanto o preço do litro da gasolina é de aproximadamente R$ 5,95. Com o plano diário da Tembici, se paga R$ 13,90 por hora. Se uma pessoa anda 10 km por dia a trabalho, gastaria 12 reais diários de ônibus, considerando que use apenas um ônibus por destino. Considerando o consumo médio de um carro, seriam gastos R$ 9,52 de gasolina. Com o plano diário da Tembici, pedalando em uma média de 30 km/h, o custo seria de R$ 9,73.

Benefícios da bicicleta compartilhada

O sistema de bicicletas compartilhadas surgiu em 1965, na Holanda. O engenheiro Luud Schimmelpennink tinha a intenção de diminuir o uso de carros e a poluição. Para isso, ele pintou algumas bicicletas de branco e as espalhou pela cidade.

O funcionamento do sistema é responsabilidade da empresa investidora, que determina as áreas de uso, a quantidade de bicicletas, preços e o tempo-limite de uso. Em geral, os valores são baixos em comparação com outros tipos de transporte. Assim, mais pessoas podem aderir às bikes, sem ter uma própria, e economizando financeiramente.

A bicicleta compartilhada, em sua teoria, traz facilidade de uso, pois a liberação é digital e as bikes podem ser encontradas em diversas regiões, muitas vezes nas proximidades da residência ou trabalho do usuário. Utilizando as bikes compartilhadas diariamente, o usuário também sai em vantagem ao fazer os trajetos em menor tempo. Os demais transportes tendem a demorar mais, devido ao congestionamento e à quantidade de pessoas que os utilizam, o que afeta o ritmo e a velocidade do percurso.

O sistema também contribui para o meio ambiente, por meio da diminuição da poluição. A bicicleta é considerada um transporte verde, ou seja, não motorizado, com tecnologia limpa e sustentável.

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