sáb 20 abr 2024
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Como resistir à felicidade

A felicidade é tão momentânea quanto o instante do clique de um sorriso
Foto: Maíra Roesler

Os grandes mestres do samba faziam verdadeiras odes à tristeza. Cantavam as mortes, sofrimentos e desilusões. Pediam licença ao sorriso para que as dores tivessem caminho por onde passar. Não tem como questionar a grandeza e a qualidade dessas obras tão inspiradas pela melancolia. A tristeza como musa inspiradora.

Por que, então, a felicidade é hoje superestimada e a tristeza repelida? O ritmo da pós-modernidade encontra-se tão frenético que mal conseguimos nos adaptar. Transformamo-nos em produtos. E, como produtos, somos igualmente comercializáveis.

Felicidade vende. Vende cerveja, vende pasta de dente e margarina. E sendo o próprio sujeito um produto, quem o compraria se este não sustenta os dentes escancarados?

Pré-requisito: animação

O conceito de felicidade como sorriso no rosto foi um pouco longe na WalMart. Em unidades da rede no Distrito Federal, São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul os funcionários eram obrigados a participar de “atividades motivacionais” como danças e cantorias antes do expediente. Acredita-se que tais rituais melhorem a produtividade dos empregados. As práticas, porém, foram apontadas pelos funcionários como constrangedoras – quem não participasse pagava com humilhações – e a Justiça do Trabalho decretou que a empresa vai ter que pagar R$22,3 milhões em indenizações por assédio moral. Trabalhavam em regime de felicidade forçada.

“Só estou sendo realista”

O excesso de otimismo é outro fator que parece aumentar a decepção na busca incessante pela felicidade. Que o diga Schopenhauer, filósofo alemão do século XIX, que acreditava ser o otimismo a causa de todo o sofrimento humano. Claro que não precisamos ser tão pessimistas quanto o amargo pensador germânico, mas seguir o caminho do realismo e da sobriedade para resolver nossas questões existenciais parece ser a melhor opção.

Felicidade é um estado de encantamento passageiro. Ela só existe porque existe a carência. “Tristeza não tem fim, felicidade sim”. Precisamos de certa dose de austeridade para que percebamos o êxtase.

Nem sempre é depressão

Qual, então, o problema da tristeza? Primeiramente, devemos diferenciar tristeza de depressão. Depressão é um estado de tristeza patológica, um distúrbio emocional que incapacita o indivíduo de realizar suas atividades rotineiras. No mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), são 340 milhões de depressivos, o que a a caracteriza como a quinta maior questão de saúde pública.Já é considerado que ela suba para o segundo lugar até 2020.

Vivemos num estado de permanente de futurismo, e, ao mesmo tempo, de imediatismo. Funcionamos como engrenagens que não cessam rumo à perfeição. E não suportamos a dor de quando elas quebram. Somos imagem. Somos a quantidade de “curtidas” em cada troca de foto no Facebook. Aliás, as interações humanas dessa “plataforma de relacionamentos” oferecem o mais intrigante estudo de caso do comportamento social do mundo contemporâneo. Difícil alguém não reagir com imensa ansiedade a cada notificação ou nova mensagem na caixa de entrada. É o novo dosador de sucesso. Fulano está em um relacionamento sério e cicrano agora tem um alto cargo numa multinacional. É uma feira de vaidades. Um espelho manipulado da vida real onde todos nossos contatos são vizinhos que cultivam a mais verde grama do feed de notícias.

Esquecemo-nos de construir nosso caráter pessoal e nossas relações presenciais. Se “ser feliz” é ser importante, devemos importar. Importar é permitir que alguém nos incorpore à sua vida. Que nos sinta a falta quando partimos.

Podemos mudar o samba, mas não tirar a beleza da sua melancolia. Busquemos a felicidade, mas não descartemos a importância da sobriedade.

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