A tradição de jogos mornos pela disputa do terceiro lugar ficou para trás com uma partida intensa entre Croácia e Marrocos, os dois azarões da Copa no Catar. O jogo deste sábado (17), no Estádio Internacional Khalifa, terminou com um placar de 2 a 1 para o time europeu. A seleção croata encerrou sua campanha com o segundo pódio seguido em copas do mundo – em 2018 foi para a final com a França.
Chamar Croácia e Marrocos de “zebras” não é desmerecer o bom futebol destas duas seleções, que desbancaram os gigantes Brasil, Portugal e Espanha na fase final, além da forte Bélgica na primeira fase. Mas as apostas para os dois times estavam baixas. Os croatas, por exemplo, foram considerados o segundo pior elenco desta edição da Copa do Mundo, logo depois do Catar. Já os marroquinos nem possuem um histórico a seu favor: esta é a primeira vez que um time africano, e também islâmico, chegou à semifinal. No entanto, a partida foi eletrizante, ambos os times jogaram intensamente até o último minuto.
Uma conquista com muita garra
Logo no início da partida, a Croácia perdeu uma chance clara de gol, um vislumbre da intensidade que esta partida prometia. O gol ocorreu na sequência, aos 7 minutos, com a cabeçada certeira do camisa 20, o zagueiro croata Joško Gvardiol, após uma cobrança de falta ensaiada. Exatos 112 segundos depois, veio o gol de empate, também por um zagueiro camisa 20, Achraf Dari.
Os Leões do Atlas, como são conhecidos os marroquinos, apertaram a partida depois do gol e seguiram com jogadas e saídas de bola com toques curtos – característica do Marrocos nesta Copa.
Até que a pressão mudou de lado. A Equipe das Chamas, como são chamados os croatas, tomaram o controle do jogo. Ainda na metade do primeiro tempo, o craque Luka Modrić chutou de canhota e Bono fez uma belíssima defesa. A chance de um segundo gol croata começou a esquentar, mas, antes dele acontecer, houve duas boas chances marroquinas: primeiro, Hakimi, jogador do Paris Saint-Germain, fez uma ótima tabela, mas Youssef En-Nesyri adiantou-se para a cabeçada e desperdiçou a chance. Segundo, depois de outra tabela na entrada da área entre Boufal e o autor do primeiro gol, Gvardiol. Neste lance se viu uma cena que se tornaria bem comum até o final da partida: a revolta dos jogadores marroquinos contra o árbítro catari Abdulrahman Al-Jassim, que vão em peso cercar o juiz a qualquer vislumbre de injustiça.
O gol mais bonito do jogo veio no finalzinho do primeiro tempo. Aos 42 minutos, o meia-campista croata Oršić marcou com um lindo por cobertura de chute de pé direito que, caprichosamente, encobriu Bono e tocou na trave antes de morrer na rede.
Segundo tempo
No segundo tempo, a partida ficou mais arrastada, com o cansaço visível do Marrocos. O experiente Andrej Kramarić se despediu das copas do mundo e saiu chorando de campo. O primeiro cartão amarelo veio somente aos 24 minutos do segundo tempo, após uma chuva de substituições de ambos os lados.
Na disputa, o que não faltou foram interpretações controversas do árbitro. Depois da perigosa chance de Oršić marcar novamente, o juiz deu seguimento após um pênalti claro que favoreceria a Croácia. Depois, mais um lance duvidoso, dessa vez no outro extremo do campo. Hakimi alegou falta dentro da área. O VAR faz uma checagem rápida para averiguar os dois lances e Al-Jassim mandou seguir o jogo.
A Croácia decidiu recuar, e colocou seus 11 jogadores para dentro do campo de defesa. Mesmo assim, Marrocos não desistiu e deu trabalho para o goleiro Livaković, que não deixou de mostrar seu valor, com mais uma defesa espetacular para a carreira. O acréscimo de seis minutos não foi suficiente para mudar o placar. Marrocos e Croácia se despedem do mundial com uma campanha belíssima e trazem orgulho para as duas nações.
Colonizador e Colonizados: os papéis se invertem pela última vez no Catar
A final deste domingo (18), ao meio-dia (horário de Brasília), promete um jogaço entre França e Argentina – históricos colonizador e colonizado. A partida encerra uma copa repleta de polêmicas, protestos de jogadores e papéis invertidos. Um dos marcos desta edição foi, sem dúvidas, a manifestação em campo da seleção iraniana contra a ausência de suas torcedoras nos estádios, regra da sharia islâmica imposta por alguns países do Oriente Médio.
Já as questões humanitárias do próprio Catar incluem o genocídio de 6,5 mil trabalhadores, infrações aos direitos das mulheres e da população LGBQIA+ e regras rígidas de comportamento, numa copa marcada pela corrupção.
“O Emir Tamim Bin Hamad al-Thani e a sua família são donas de toda riqueza de todo o país. Isso acaba chamando atenção na questão trabalhista, já que a nação possui uma legislação não exatamente moderna em diversos aspectos, sobretudo na questão de direitos sociais”
Ivan Salomão, professor de Economia da Universidade Federal do Paraná (UFPR)
Dentro de campo, vitórias importantes da Tunísia, Arábia Saudita e, agora, Marrocos que conquistou o quarto lugar, mostram uma inversão de papéis historicamente relacionados aos países reprimidos pelas nações europeias. A seleção brasileira – conhecida pelo talento com a bola nos pés, independente da situação política do país – deixa em 2022 este legado para a Argentina, que chega a sua sexta final e, se vencer a França amanhã, terá boa parte da comemoração dos seus rivais vizinhos. Acima de tudo, a Copa do Mundo 2022 deu adeus ao “pão e circo” e mostrou, de uma vez por todas, que a justiça pode ser feita dentro e fora do campo.