qua 30 abr 2025
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“Dois Perdidos Numa Noite Suja” desnuda a precariedade da vida marginal no palco do Festival de Curitiba 

A Companhia Futuros Carecas apresentou sua versão do texto de Plínio Marcos no Festival de Curitiba

“Eu fiz até o ginásio. Sei escrever à máquina e tudo. Se eu tivesse boa roupa, você ia ver. Nem precisava tanto, bastava eu ter um sapato.” A fala de Tonho, personagem da peça, não é apenas um lamento – é um manifesto sobre tudo que falta. Em “Dois Perdidos Numa Noite Suja”, o desejo de um simples par de sapatos se transforma no símbolo de uma vida que poderia ter sido, mas nunca foi. 

A nova montagem, apresentada no dia 30 de março, no Teatro Novelas Curitibanas, dentro da Mostra Fringe, mantém a força do texto de Plínio Marcos. No palco, Pedro Barsa e Rafael Morais dão vida a personagens que carregam no corpo a tensão da sobrevivência. A encenação não alivia o espectador – e é justamente essa dureza que torna a experiência tão potente. 

Entre a rua e o palco 

O espetáculo levou quase dois anos para ganhar forma. Ensaios, experimentações e um mergulho na realidade da peça moldaram a interpretação dos atores. Sob direção de Reginaldo Bastos, a montagem foi construída em camadas, explorando os gestos e a fisicalidade da cena. “Passamos dias convivendo com pessoas em situação de rua, trocando experiências, observando. Foi uma parte essencial para construir os personagens”, conta Pedro Barsa. 

Estou representando, não tentando me apropriar da história dele

Rafael Morais, ator

Rafael Morais teve um encontro que redefiniu seu olhar sobre o personagem. Em São João del Rei, município de Minas Gerais, conheceu Rafael “Tchunay”, um homem que limpava as calçadas em troca de trocados. “Ele me deu tampinhas de isqueiro que usava para apertar as roupas dele, e assim fomos nos aproximando. […] Fui me reconhecendo mais como ator, no sentido de entender que o Rafael Morais, que sou eu, veio de um lugar muito distante de onde o Rafael Tchunay estava e viveu. Senti um respeito enorme por essa figura e compreendi que esse é o meu trabalho: estou representando, não tentando me apropriar da história dele. Aprendi muito nesse processo, nessa relação de coleguismo que desenvolvi com ele“, ressalta. 

Cenário do pequeno quarto de pensão compartilhado pelos dois personagens- 
Foto: Vitória Panza

Teatro como denúncia 

A peça começou como um projeto acadêmico na Universidade Federal de São João del Rei. “Fomos para um festival sem sermos um grupo. Era um festival bem de grupo de teatro. E aí, os outros grupos meio que nos adotaram, deram esse empurrão para a gente se entender como uma companhia”, lembra Morais. 

Desde então, o coletivo Futuros Carecas se consolidou, e a montagem trouxe ao Festival de Curitiba um teatro que não é apenas arte, mas urgência. “Estamos na linha debaixo do Equador. A história da colonização, do trabalho explorado. […] A peça fala sobre falta de perspectiva, de oportunidade, de afeto, de comida. E a falta é uma constante, para nós brasileiros, sul-americanos. Por isso que é atemporal. Espero que um dia não seja mais”, reflete Pedro Barsa. 

Na plateia, o impacto é imediato. Ana Clara Matos, 21, saiu da sessão ainda processando o que viu. “Eu saí meio travada de nervosismo, porque foi muito intenso. Eu já tinha ouvido falar da peça, sabia que era antiga, que tinha sido montada até pela Débora Falabella. Mas não imaginava que fosse tão forte assim.” 

O Festival de Curitiba segue até 6 de abril, mas algumas peças continuam ecoando muito depois que as cortinas se fecham. 

Extasiados, o coletivo Futuros Carecas e o público se juntam para uma foto após o espetáculo 
Foto: Vitória Panza

Ficha Técnica

Repórter: Vitória Panza

Revisor: Marya Marcondes

Edição Final: Alana Morzelli

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