qua 30 abr 2025
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Em meio ao riso, um palhaço anuncia o fim do mundo em ‘Laborioso Contato’ com seres de outro mundo no Festival de Curitiba 

O espetáculo convida o público a encarar a realidade de um mundo marcado pela destruição e resistência

O destino do mundo está nas mãos de um palhaço bufão. Somente ele e o seu público são capazes de impedir a destruição total da humanidade. É esse o enredo do espetáculo “Laborioso Contato: Um palhaço anuncia o fim do mundo”, apresentado pela Trupe Motim de Teatro, grupo cearense oriundo de Quixeré, no Festival de Curitiba. Com sessões nos dias 29 e 30 de março, no Palco Ruínas de São Francisco, marco histórico de Curitiba, a peça constrói um diálogo entre tradição e presente, usando a palhaçaria, o cordel e o teatro de animação para refletir sobre questões atuais como guerra, fome, poluição e morte. 

O enredo segue um palhaço diante de um desafio que lhe cabe não por escolha, mas por destino: uma entidade alienígena o entrega uma bomba capaz de destruir a Terra. Para evitar o desfecho anunciado, ele precisa enfrentar os quatro cavaleiros do apocalipse. O percurso da narrativa é pontuado por elementos da cultura popular nordestina e conduzido por uma crítica social que percorre a interseção entre religião e política, a manipulação da informação e a degradação ambiental. 

Na peça, a peste, presente nas representações clássicas do apocalipse, foi substituída pela poluição. A escolha parte da observação do tempo presente, em que política e religião se confundem e narrativas são utilizadas como moeda de troca.  

“O espetáculo brinca com isso. Por isso, decidimos que a peste seria representada pela poluição — não só a ambiental, mas também a mental, como as fake news, e a manipulação de informações”, explica o diretor, ator, bonequeiro e fundador da Trupe Motim de Teatro, Chico Henrique.

Jefferson e Cris disputam no cabo de guerra. Ao final da peça, os dois acabaram dançando com o palhaço e o cavaleiro da guerra. Foto: Ana Livia Barboza

O ponto forte da peça é a interação do palhaço com seu público, que se dá do início ao fim, transformando cada apresentação em única. O estudante de jornalismo, Jefferson Ribeiro, foi surpreendido ao ser convidado para subir ao palco e integrar uma cena em que os personagens lutam contra o cavaleiro da guerra. “Eu não esperava ser escolhido. Geralmente, estou cobrindo o festival por trás das câmeras, e estar no palco foi uma experiência diferente. No início, senti vergonha, mas logo a interação e o ritmo do espetáculo me envolveram”, relata.  

Os bonecos que, juntamente com o público, são os únicos personagens que interagem com o palhaço, são feitos artesanalmente com materiais recicláveis, reforçando o caráter material da peça. O couro, elemento essencial na cultura e na subsistência cearense, compõe parte da estética e resgata a história de um ofício que resiste ao tempo. 

A todo momento o palhaço está em meio ao público ou o público está com o palhaço. Foto: Ana Livia Barboza

A peça é gratuita e encenada ao ar livre. Ao optar pela rua como espaço de apresentação, a Trupe Motim de Teatro leva a arte ao encontro do público e transforma o espaço urbano em território cênico. Para Chico Henrique, a escolha do teatro de rua vai além da encenação, é um ato político, uma forma de garantir que o teatro chegue a quem raramente atravessa as portas de um palco fechado. 

Em meio ao riso e à ruína, “Laborioso Contato” constrói um olhar sobre a atualidade. Ao final do espetáculo, a bomba continua nas mãos do palhaço. O fim do mundo não é uma certeza, mas uma possibilidade sempre adiada, a qual não damos a devida atenção. 

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