sex 03 maio 2024
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Em menos de um mês, duas pessoas morrem vítimas de guardas municipais em Curitiba

Mortes de civis por agentes refletem o caráter militarizado da instituição em Curitiba. Nos últimos seis anos, número de vítimas resultantes de confrontos com forças policiais aumentou 56% em todo o estado

Na última terça-feira (28), um homem foi morto no Centro de Curitiba por um guarda municipal. O agente, que estava fora do horário de serviço, alega que o homem, ainda não identificado, teria dado voz de assalto para ele e a esposa enquanto o casal consertava o carro, estacionado no acostamento de uma rodovia. Esta é a segunda pessoa executada por oficiais da GM curitibana em menos de um mês. O primeiro foi Mateus Silva Noga, de 22 anos, morto em 11 de setembro após ser vítima de vários tiros nas costas, enquanto guardas dispersavam uma aglomeração de pessoas no Largo da Ordem.

Segundo um levantamento feito em agosto deste ano pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado do Ministério Público do Paraná, as mortes em confrontos com forças policiais aumentaram 57% no Paraná nos últimos seis anos. Apesar de o protagonismo desses números ser da PM, a Guarda Municipal da capital não vive um cenário ideal. De janeiro a setembro de 2021, quatro pessoas foram executadas por oficiais da GM em Curitiba.

Após terem sido extintas pela ditadura militar, as Guardas Municipais foram regulamentadas pela Constituição Federal de 1988, sendo instituídas principalmente com poder de polícia administrativa – cujo objetivo seria proteger os bens, serviços e instalações do município, além de auxiliar na manutenção da ordem pública junto a polícias e até mesmo bombeiros. No entanto, coube a cada município, por meio de lei complementar, instituir e regulamentar sua própria Guarda Municipal – o que conferiu caráteres diferentes às corporações ao redor do Brasil.

Como explica o professor Pedro Bodê, doutor em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná, a GM de Curitiba tem uma estrutura bastante militarizada justamente devido ao processo histórico de sua formação. Segundo ele, os primeiros guardas municipais daqui se formaram numa “escola” muito inspirada na Polícia Militar paranaense, “Isso resultou em tropas que aprenderam a lidar com as questões sociais e urbanas da maneira como a PM fazia”, afirma.

De acordo com um oficial da Guarda Municipal de Curitiba, que pediu para ter sua identidade preservada, a atuação dos guardas é muito variada. “A gente faz de tudo um pouco. Nosso trabalho vai desde escolta de vacina até atendimento de ocorrências de furto, por exemplo. Realizamos fiscalização de comércio, prestamos auxílio em incêndios, fazemos encaminhamento de fugitivos”, relata guarda de 38 anos, que há 10 trabalha na corporação. Quando questionado sobre a utilização de armas letais pela corporação, ele respondeu que está amparada legalmente: “Tanto a Lei 13.022, sancionada pela presidente Dilma, quanto o Estatuto do Desarmamento asseguram o uso de armas letais por guardas municipais”. Além disso, ele vê o porte de armas letais como essencial ao exercício de suas atribuições, uma vez que enfrenta situações de risco à vida. “Arma de fogo é quando você ou alguém está em perigo de vida. A gente tem que empregar a força para se defender”, diz.

Os dois casos mais recentes de mortes por oficiais da GM, citados no início da matéria, tiveram repercussões muito diferentes na mídia e entre a população, e a motivação parece óbvia. No caso do policial que teria reagido a um assalto, ele estaria, nas palavras do oficial entrevistado pelo Jornal Comunicação, empregando a força para se defender – já quanto a Mateus Noga, é absolutamente inegável a falha na conduta dos oficiais, o que a torna injustificável. A questão é que o artigo 5º da Constituição Federal não flexibiliza o direito à vida, dando ao Estado a legitimidade de matar única e exclusivamente em estado de guerra declarada.

Como explicam Luís Antônio Francisco de Souza e Carlos Henrique Aguiar Serra, no trabalho Quando o Estado de exceção se torna permanente: reflexões sobre a militarização da segurança pública no Brasil, vivemos em nosso país um estado de exceção, configurado justamente pela militarização excessiva de forças policiais. “O poder de morte, previsto em situações de guerra, é confiscado pela polícia e é racionalizado pelo militarismo, como luta permanente contra um inimigo imaginário”.

Camila Lima
Estudante do curso de Jornalismo da UFPR.
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Estudante do curso de Jornalismo da UFPR.
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