Dia 9 de março de 2015. Era início da tarde. O céu estava cinza e carregado e o clima era quente e abafado no acampamento dos professores em frente à ALEP. O carro de som da greve, chamado de “Tremendão”, era seguido por uma carreata de dezenas de ônibus lotados com professores, muitos do interior do estado, que vinham do estádio Durival Britto e Silva, onde, naquela manhã, havia ocorrido a assembléia que decretou a interrupção da greve dos professores, após quase 30 dias de paralisação. “O Beto Richa está no SBT dizendo que aqui têm meia dúzia. Acho que ele não sabe contar. Volta pra escola!”, bradava a professora Marlei Fernandes, em cima do “Tremendão”.
O cheiro dos espetinhos da barraquinha da dona Natalice infestava o ar quando o presidente do Sindicato dos Professores em Educação Pública do Paraná (APP Sindicato), Hermes Silva Leão, convocou todos os presentes a participarem de um último ato simbólico: um abraço no acampamento. Aos poucos a fila foi aumentando, enquanto formava uma corrente que caminhava sobre as inúmeras manchas na grama, deixadas pelas barracas dos professores que já haviam se retirado. Um círculo enorme se formou ao redor da área que foi símbolo de resistência e luta dos professores durante os 28 dias em que permaneceram acampados ali. Poucas barracas restavam de pé para presenciar a homenagem.
Descontraída e relaxada, após um mês de intensa atividade em decorrência da greve, a professora Marlei agora comia tranquilamente um milho-verde enquanto conversava. “Não poderíamos sair dessa greve sem estarmos todos reunidos aqui em torno do nosso “formigueiro”. Esse acampamento que simbolicamente representa toda a coragem, a luta e a força da nossa categoria”, disse.
O “formigueiro” se desfazia aos poucos. Em muitos lugares, os professores desmontavam suas barracas de forma descontraída e alegre. Podia-se perceber o sentimento de alívio e orgulho que pairava no ar, enquanto todos se ajudavam. Solidariedade é uma das coisas que não faltou durante o acampamento, segundo o professor Luíz Neto, 52 anos, que leciona Língua Portuguesa e Literatura há 24 anos. “Muitas vezes levávamos colegas de fora (do interior) para tomarem banho e lavarem as roupas em nossas casas”, contou. Outro ponto destacado por ele foram as atividades culturais que ocorreram durante os 28 dias de ocupação. “Ocorreram várias peças teatrais, varais e demonstrações de poesia, iniciativas que davam uma injeção de ânimo aos nossos companheiros, em meio a tanta chuva”, afirmou. O professor contou que passou o Carnaval todo acampado, mesmo debaixo de muita água. “A chuva nos ajudou. Nos unimos ainda mais por causa dela”.
Assim como a vida não se resume em festivais, a greve não se resumiu a professores. A estudante de Artes Visuais, Ellyng Kenya, 20 anos, que faz parte de movimentos como o Kizomba, a Marcha Mundial das Mulheres e o Diretório Central dos Estudantes (DCE UFPR), participou desde o primeiro dia da greve. Ela destacou a organização do acampamento. “A direção da APP deu conta do recado muito bem. Não faltou alimentação. A estrutura dos banheiros, as barracas, lona se precisasse tinha também. Tinha van que levava para tomar banho na casa da APP. O almoço e o café da manhã eram no horário certo”. Para ela, o maior responsável pela perpetuação do acampamento foi o ataque da polícia aos professores. “Foi um marco e um ataque à população em geral, se não fosse aquele momento eu não sei se o acampamento ainda estaria aqui”, disse. Kenya também elogiou muito as atividades culturais realizadas no acampamento durante os dias de ocupação, além do companheirismo e solidariedade dos professores.
Vendedor de cachorro-quente há 30 anos, Paulo Vieira Santana, 54 anos, também esteve no acampamento desde o primeiro dia. Vestindo uma camiseta do Bob Marley e de fala tranquila, ele contou que estava trabalhando das 7 horas da manhã às 9 horas da noite. “Notei que o professor está sem dinheiro. Tem que valorizar a educação”. Questionado sobre o lucro que obteve em quase um mês de atividades ali, ele sorriu e respondeu: “paguei minhas contas”.
A chuva começou a cair sobre o que restava do acampamento. Na “barraca-mãe” da APP, os colchões e as cadeiras empilhadas aumentavam o clima de fim de festa, mas que mesmo assim continuava animada. Enquanto carregavam uma caminhonete com os mantimentos que sobraram, várias sorridentes professoras cantavam “assim é que se vê a força da APP”, enquanto passavam os mantimentos de mão em mão.
Após a chuva, o professor de artes Cyrillo de Oliveira, 52 anos, reforçou um ponto que foi unanimidade entre os professores naquela segunda-feira chuvosa: o medo de que os acordos firmados com o Governo do Estado não fossem cumpridos. “Em todos meus anos de engajamento na luta trabalhista e na defesa dos professores, nenhuma vitória conquistada por nós foi fora da Justiça. Nunca foi simplesmente ‘vamos voltar através do acordo’. Eu acredito que vamos voltar e em menos de dois meses, na data-base. Ele não vai querer negociar e aí vai ser feita mais uma paralisação”, disse Oliveira, confirmando o status de “estado de greve” da categoria.