A pandemia causou grande impacto na rotina de estudantes, que passaram a assistir às aulas remotamente e a ficarem mais tempo em casa. Para as crianças e adolescentes que sofrem com violência doméstica, esse tempo significa um potencial aumento da incidência dos abusos.
O tema se torna ainda mais denso quando se olha para o reflexo que pode haver no ambiente escolar, já que casos de abuso podem interferir no convívio social e no aprendizado da criança. Segundo os últimos dados divulgados pelo Disque 100, serviço que trabalha com denúncias de violações de direitos humanos, houve um aumento de 9,7% no número de denúncias de violência contra crianças em 2020, quando foram registrados 95.247 casos.
Crianças que, em muitos casos, ficam em silêncio em situações de agressão, podem sofrer com as consequências diretas do que um período traumatizante pode causar nelas. É importante estar atento aos sinais para identificar essas vítimas.
Segundo a terapeuta de mães e família, Nílsea Roberta, sinais físicos e comportamentais podem indicar que o jovem está passando por algum abuso. “A criança poderá demonstrar de inúmeras maneiras que vem sofrendo situações de violência doméstica. Por isso, é importante que professores e equipe pedagógica estejam atentos aos comportamentos que não eram habituais até então”, diz.
Convívio escolar
As escolas, em muitos casos, não conseguem agir perante uma situação de agressão. Apesar de as vítimas serem identificadas, os profissionais da educação se sentem incapacitados de tirar os jovens dessa situação. É o que conta uma diretora de escola pública em Curitiba que preferiu não se identificar. Segundo ela, a instituição não tem um atendimento personalizado para atender esse tipo de situação, então os profissionais precisam trabalhar no “achismo”.
Ao longo da matéria, você verá situações relatadas pela diretora, como a seguinte:
“a colega trouxe fotos de uma aluna sendo agredida. Ela estava machucada, e eu liguei diretamente para o conselho [tutelar]. nós sabíamos onde a menina trabalhava, e o conselho foi diretamente lá e recolheu a estudante”
Os profissionais da educação podem conversar com a criança, confortá-la e encaminhá-la para a rede de proteção, que faz o atendimento no Centro de Referência em Assistência Social (Cras), que a partir disso pode encaminhar para o conselho tutelar.
“A mãe é usuária de droga, o pai que está preso porque foi para o tráfico. ele fica com a avó, que é de idade. Ele tem comportamento inadequado na escola. a gente chama a família, e a avó fala que nem queria a criança mesmo, que ninguém vai querer ela desse jeito. Qual é o trauma que essa criança vai levar? Se ouviu aqui, deve ouvir isso em casa todo dia”
Segundo a diretora, é preciso se pensar em políticas públicas que não o abrigo, que pode ser pior para o jovem. “As ações têm que vir para os pais. Tem criança que foi encaminhada para o conselho no ano passado, que se sair agora você vê ela na rua, porque não tem pai, não tem mãe, não tem o que comer. Se não for uma ONG fazer alguma coisa, ninguém faz. A escola não tem condição nenhuma”, completou.
“a menina morava só com o pai. Precisávamos comprar shampoo, tênis, porque ela não tinha condições. Ela era abusada pelo pai. Esse caso foi julgado, e ela foi recolhida por um lar. Uns três meses depois foi devolvida para o pai. A escola fez os encaminhamentos, mas a justiça manteve ela com o abusador. Ela terminou o ensino médio, os professores fizeram uma vaquinha para se formar. Ela foi abusada desde os quatro anos de idade”.
Cuidados com a criança
Como explica Nílsea, é importante que todo adulto que perceba essa situação demonstre acreditar no que a criança ou adolescente diz, pois fará com que a vítima se sinta segura para falar novamente, caso existam novos episódios.
Outro cuidado fundamental é respeitar o medo da criança. Na maior parte dos casos, o agressor é algum familiar que convive com a criança, portanto é natural que ela se sinta insegura e receosa de confirmar ou denunciar o agressor.
O acolhimento desta criança e a demonstração de que ela se encontra num espaço seguro e de proteção (no caso das escolas) são fundamentais. Também é importante manter a atenção para sinais físicos, como marcas pelo corpo, olheiras, queixas de insônia, dificuldades de concentração, instabilidade emocional, problemas gastrointestinais frequentes, e também quanto ao comportamento, como alguma agressividade junto aos colegas, rejeição a afeto e demonstração de carinho.
Segundo Nílsea, quando a criança decide não falar, a orientação é que se encaminhe a um profissional especializado em escuta acolhedora, como psicólogos, assistentes sociais, pediatras e profissionais da rede de saúde. “Acolher a criança é essencial. E esse acolhimento se dará através de conversas (quando maiores) ou compartilhando momentos lúdicos. É preciso devolver à criança a confiança que foi quebrada ou perdida, nos adultos que são referência para ela. Se houver desconforto em falar sobre a situação, é primordial que se respeite o tempo dela”, disse a terapeuta.
O Disque 100 é aberto para receber denúncias sobre violência infantil ou qualquer outra violação de direitos humanos. Ele está disponível de forma gratuita, a qualquer momento.
Reportagem por Breno Antunes e Gabriela Gorges