O caos no transporte público em Curitiba resulta de um relacionamento mal resolvido: população, motoristas, cobradores e empresários precisam uns dos outros, mas pararam de se escutar há tempos. O Sindicato dos Motoristas e Cobradores (Sindimoc), baseado no sobrepreço da passagem em relação à tarifa técnica, valor que a prefeitura e a Urbs repassam aos empresários, exige um aumento saturado de seus salários. O Sindicato das Empresas de Transporte Urbano de Curitiba (Setransp) afirma que, com a tarifa atual, não há como atender as reinvindicações salariais dos trabalhadores. A população, apoiada pelos relatórios da CPI do transporte e do Tribunal de Contas do Estado, defende a redução da tarifa.
A paralisação do transporte público se iniciou às 0h de quarta-feira e atingiu 2,3 milhões de usuários da Rede Integrada de Transporte de Curitiba. A greve decorre da recusa dos empresários em adotar as demandas de reajuste salarial da classe trabalhadora. Os trabalhadores exigem aumento de 22% no salário de motoristas e 16% no de cobradores. O valor vai além do estabelecido pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor, que é de 5,26%.
Entre números e porcentagens de negociação, a greve teve uma particularidade: toda a frota de ônibus ficou paralisada. A ausência total de transporte público fere uma lei federal e a determinação do Tribunal de Justiça do Trabalho (TJT) de que a frota deveria operar em pelo menos setenta por cento em horários de pico e na metade pelo resto do dia.
Segundo a professora Thereza Gosdal, especialista em direito trabalhista, a greve é constitucionalmente garantida, mas tem suas limitações. “A paralisação dos funcionários é um movimento legítimo, mas serviços essenciais como o transporte público não podem parar”, afirma.
Em declaração em sua página oficial no Facebook, o Setransp se isentou da culpa pelo descumprimento da medida do TJT. De acordo com o sindicato, as empresas disponibilizaram os ônibus, mas o Sindimoc determinou a realização de piquetes e barricadas em frente às garagens das empresas, impedindo a entrada de pessoas e saídas da frota.
O advogado dos trabalhadores, Elias Assad, defende-se da acusação: “Os empresários têm sua parcela de culpa sim, pois não fizeram contra proposta nenhuma antes de hoje” coloca ele. As negociações entre os dois sindicatos vêm acontecendo desde outubro de 2013.
Aumento salarial e mudança de foco
O cientista político e professor da UFPR, Emerson Urizzi Cervi, em conversa com o Jornal Co:::unicação, explicou a situação do atraso dos empresários em entregar uma proposta de reajuste salarial. O prazo máximo é a ultima semana de fevereiro.
Discutido desde outubro do ano passado, o plano de reajuste não foi apresentado devido a decisão liminar do Tribunal de Contas do Estado (TCE), no final de janeiro, de que a tarifa técnica deveria diminuir em R$0,43 do valor atual, R$2,93. “Se as empresas seguem o processo normal e apresentam o pedido de reajuste, elas ficam sem argumento, porque tem dois órgãos externos da URBS dizendo que a tarifa está acima” alega Cervi.
O pedido de aumento em 16% para motoristas e 22% para cobradores foge do aumento salarial de 6,8%, devido à inflação, decretado pelo governo federal no inicio do ano. Cervi explicou que salários são responsáveis pela metade da tarifa técnica.
No entanto, nos últimos anos, a tarifa cobrada aumentou muito mais do que os salários dos trabalhadores. Enquanto a remuneração subia devido ao aumento inflacionário, a tarifa subia em relação à inflação e uma porcentagem a mais. Mas neste ano a situação mudou. “Agora o sindicato dos trabalhadores, para atender seus interesses, diz que o salário tem que acompanhar o valor que está majorado. E quando estamos próximos de tomar uma decisão que seja a favor da cidade, o sindicato quer aumentar o salário em cima do sobrepreço.”
O pedido de grande aumento salarial se contrapõe à situação atual da população de Curitiba e Região Metropolitana. Enquanto movimentos sociais são organizados para que a tarifa diminua, respeitando a determinação do TCE, a reivindicação dos trabalhadores passaria a justificar um possível aumento na passagem. “A confusão no debate é evidente, dado o momento desta greve. Parou-se de discutir se a tarifa atual é justa. Assim, propositalmente ou não, o sindicato dos motoristas e cobradores prestou um serviço muito útil aos donos das empresas ao mudar o foco do debate neste momento” opina Cervi.
Ato para diminuição da tarifa
Enquanto os sindicatos estavam em reunião com a URBS e o Tribunal Regional do Trabalho, na tarde de ontem, cerca de 70 pessoas se reuniram na Boca Maldita. Era o segundo Ato Contra o Aumento da Tarifa, organizado pelo coletivo Tarifa Zero de Curitiba, que começou às 18h.
Os atos pedindo a diminuição do preço da passagem de R$ 2,70 para R$ 2,25 vêm acontecendo desde a decisão do TCE, emitida no final do mês de janeiro, que alega o sobrepreço do valor da passagem. O protesto seguiu até a Prefeitura, onde um batalhão de choque da Guarda Municipal bloqueava a entrada do prédio. Não houve enfrentamento.
Para o Coletivo Tarifa Zero, a greve foi uma tentativa clara de mudar o foco sobre o preço da tarifa. Além disso, segundo Luiz Fisher, integrante do Coletivo, existe uma prática antiga entre os empresários do transporte de usar os sindicatos em benefício próprio. “Não é de hoje que os trabalhadores são usados para atender os interesses empresariais”, defendeu o manifestante.
Conciliação na justiça
Ao longo da tarde de quarta-feira (26), os dois sindicatos estiveram reunidos no Tribunal Regional do Trabalho, em audiêndia conciliatória. Ficou determinado que a frota deveria voltar a operar em 40% a partir das 17h, o que não aconteceu. Para hoje, a exigência é de retorno de 50% da frota, a partir das 6h da manhã.
A audiência foi prorrogada para as 14h de hoje. Apesar de tentativas do Judiciário de atender às demandas de ambas as partes, o impasse salarial continua sem solução. A desembargadora presidente, Ana Carolina Zaina, sugeriu um reajuste salarial de 10,5% para motoristas e cobradores, taxa já adotada no ano passado. Porém, os empresários afirmaram que a porcentagem ainda está acima do que podem oferecer. Já o Sindimoc levará a proposta para discussão em assembleia geral da categoria.
Motoristas e cobradores
A categoria acredita na greve como meio eficiente de pedir melhores condições salariais. As negociações vem ocorrendo desde outubro de 2013, mas os empresários não acataram as reivindicações do Sindimoc (Sindicato dos Motoristas e Cobradores). Por isso, aconteceu a paralisação completa da frota. No entanto, de acordo com a advogada e professora da UFPR Thereza Gosdal, a medida é ilegal. “A greve é um movimento legítimo, mas serviços essenciais como o transporte público não podem parar”, afirma a professora.
Empresas de transporte
O Sindicato das Empresas de Transporte Urbano de Curitiba (Setransp) afirma que, desde o indicativo de greve, vem tentando junto as autoridades e ao Sindimoc encontrar uma solução que evite a paralisação. As empresas solicitaram força policial para desimpedir as saídas de suas garagens, que foram bloqueadas por motoristas e cobradores. Elas também esperavam que a determinação da justiça, de que ao menos 70% da frota deveria circular, fosse cumprida. Para o sindicato, com a tarifa atual, não há como atender as reivindicações salariais dos trabalhadores.
População
Os usuários do transporte foram os mais prejudicados. Pela manhã, a população teve que encontrar meios alternativos para se locomover. A Urbs passou a cadastrar veículos particulares para oferecer o serviço de transporte. O auxiliar adminstrativo Cristian Ferreira pagou 6 reais para seguir o trajeto Hauer-Centro. Para ele, a manifestação deveria ser feita de uma maneira que não prejudicasse os usuários do transporte coletivo.
Prefeitura
O prefeito Gustavo Fruet (PDT) foi enfático ao se declarar contra o aumento da tarifa para atender as exigências salariais dos motoristas e cobradores. “Não vou permitir tarifa de ônibus a R$ 3,40, como querem empresários”, declarou. Fruet também ameaçou pedir a prisão do Sindicato dos Empresários e do presidente do Sindicato dos Trabalhadores, caso seja comprovada articulação conjunta dos dois sindicatos para forçar o ajuste da tarifa.