Produção: Nathali King e Vitória Smarci
Na última quinta-feira, 28, ocorreu o segundo encontro da 1ª Jornada de Comunicação e Raça, organizado pelo coletivo do departamento de comunicação social da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Comunica Black, em conjunto com a disciplina optativa de Comunicação e Raça, ministrada pelos professores Juliana Barbosa e Marcelo Garson.
Nesse evento, a temática era “Intelectuais Pretas”, em que as convidadas compartilharam um pouco de suas vivências como mulheres pretas no âmbito acadêmico e profissional, além de um pedaço de suas pesquisas com teor racial.
A Doutora em Letras pela UEL e professora adjunta de Letras-Português na Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), Amanda Crispim, coordena um projeto de extensão focado na literatura infanto-juvenil negra nas escolas e é autora do livro “A poesia de Carolina Maria de Jesus”.
Ela iniciou a roda de conversa contando sobre a sua tese em que ela estuda os manuscritos de Carolina Maria de Jesus, para encontrar os poemas. Nessa sua busca, Amanda acredita que houve um apagamento da escritora por parte das editoras, que priorizavam lançar seus diários com as vivências, do que as poesias que eram menos “reais”, por assim dizer.
Quando fala sobre Carolina, a doutora apresenta diversos questionamentos sobre o apagamento dessa grande autora, porque as obras dela conseguem narrar o Brasil, como a grande intelectual que ela foi.
Amanda diz que “lendo Carolina, a visão que você tem do que é o Brasil, do que são as pessoas negras muda totalmente porque a Carolina nos dá essa noção de uma nova forma de olhar para o Brasil”. Mas, além disso, ela ressalta em sua fala a questão de saber “jogar o jogo”, aproveitando as oportunidades para ocupar os espaços e transformar para que novas pessoas tenham acesso a eles.
“Então eu acho que ler Carolina nos dá essa noção de entender o Brasil em que a gente vive, entender as estruturas, entender o racismo […] Carolina consegue nos dar essa visão para entender que o problema não é nosso e sim de uma sociedade que foi estruturada a partir de um racismo, mas ao mesmo tempo ela também nos ensina estratégias de ocupar e transformar aquela realidade para que a gente não seja mais a única, não seja mais a primeira”.
“Acho que ler Carolina nos dá essa noção de entender o Brasil no qual a gente vive, entender as estruturas, entender o racismo […] Carolina consegue nos dar essa visão para entender que o problema não é nosso, e sim de uma sociedade estruturada a partir de um racismo. Mas, ao mesmo tempo, ela também nos ensina estratégias de ocupar e transformar aquela realidade para que a gente não seja mais a única, não seja mais a primeira”.
Amanda Crispim
A segunda convidada a falar, foi Ana Luísa Pereira, que é doutoranda e mestre em Comunicação pela UFPR, sua pesquisa retrata a participação e a representação de mulheres negras na ficção brasileira. Ela também é especialista em Leituras das Múltiplas Linguagens na Comunicação e na arte, além de ser graduada em Jornalismo.
Sua tese de mestrado é sobre um retrato da representatividade negra nas minisséries de ficção da Rede Globo, entre 2000 a 2019. Com essa pesquisa, Ana Luísa pôde comprovar com fatos o que já sabemos, a ilustração da mulher negra nesse caso é muito baixa. Apesar do crescimento nos últimos anos, geralmente essas mulheres estão em posições subalternas ou marginalizadas. É difícil encontrar um cenário em que elas estejam em uma posição de alta sociedade, por exemplo. A falta de representação nas grandes mídias interfere diretamente na forma como as mulheres negras se veem.
“Toda a pesquisa e tudo que fiz pesquisando mulheres negras, partiu desse lugar de não reconhecimento. Eu mesma nunca me vi representada neste lugar. Então, acredito ser o primeiro passo para você se entender como indivíduo. Se você não se reconhece em um lugar nenhum, você não é ninguém também”.
Ana Luísa Pereira
Essa visão que a televisão, a música, a literatura precisa ter mulheres negras, é porque as pessoas são construídas pelo outro, a representação é fundamental na formação do indivíduo. Como a própria Ana diz “quando mais você se vê representada, mais possibilidades você encontra”.
A terceira convidada, Lariane Casagrande, é doutoranda em Design com foco na Teoria e História, na UFPR. Ela também tem um mestrado em Comunicação pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), onde analisou a representação da mulher negra nas capas da revista Cláudia ao longo de 20 anos.
Em sua pesquisa, buscou entender como a mulher negra é ilustrada nas editorias e capas da revista. As mulheres brancas aparecem com frequência em todas as edições, mas quando é ao contrário, as negras geralmente têm que ser espetaculares ou ter um feito grandioso para merecer uma capa ou até uma pequena menção.
Mas apesar das circunstâncias, lutar pela representação na mídia é essencial porque é o tipo de material que alcança todos os públicos, independente de classe social, em sua fala Lariane exemplifica isso:
“A publicidade acessa tudo, desde as camadas mais pobres. Porque a gente está em uma sociedade que é capitalista, que o dinheiro é o que movimenta […] percebo ser, realmente, uma coisa que faz você se construir como pessoa, quando você não consegue se ver, você não consegue também imaginar as possibilidades que você tem. Por isso, defendo que a gente tem que estar inserido na publicidade”.
Lariane Casagrande
A quarta e última convidada, Claudia Kanoni, é formada em Jornalismo pela UFPR, está cursando mestrado em Planejamento e Governança Pública na UTFPR, com ênfase em Políticas Públicas para a educação. Claudia também é roteirista de teatro, autora de musicais e colunista de perfis jornalísticos no Jornal Brasil de Fato. Além de ser uma pesquisadora ativa, envolvida em grupos de pesquisa-ação em escolas públicas, e fazem observatórios na área de educação em Direitos Humanos e em protocolos comunitários de consulta e consentimento.
Mesmo que suas escolhas acadêmicas não tenham ido para um caminho que falasse 100% sobre a questão racial, Claudia relatou sobre a sua jornada e seu debate interno com a necessidade de a todo momento falar sobre racismo. Quando ela para pensar, acredita que isso deveria ser uma obrigação das pessoas brancas, até porque o racismo não foi criado e institucionalizado pelos negros.
“Entendi que existiam caminhos possíveis, que era possível reivindicar inclusive a erradicação. Que possamos ter direito a sermos pessoas, a viver integralidade sem precisar você, enquanto pessoa negra, falar de racismo. Eu, enquanto mulher negra, falar de racismo, e eu espero isso mesmo, que essa luta seja um dia das pessoas brancas”.
Em seus trabalhos com os perfis, a mestranda conversou com diversas mulheres negras e, nesses diálogos, pode acessar essas histórias antes vistas só nos livros. Histórias essas que, muitas vezes, tratam sobre as vivências, relações com o racismo e como as experiências foram ressignificadas, voltadas para a sua própria autoestima, para a felicidade, em políticas públicas e até mesmo para a cultura.
A luta contra o racismo não precisa ser realizada só com raiva, até porque nem sempre ela é benéfica. Às vezes, é preciso lidar com um sorriso no rosto, com essa alegria e uma forma que nem todos conseguem, mas que é possível. Assumir esse papel por agora é necessário, no entanto, se espera que um dia a responsabilidade não seja mais exclusiva das pessoas negras.
“A noção de que faço essa luta hoje, se dá pelo fato de que sou uma pessoa negra que tive acesso ao conhecimento e, consequentemente, assumo o papel de fazer e falar, seja no jornalismo, ou na academia. Mas quero acreditar que terá um dia que eu não vou precisar, ou que pelo menos muito em breve, nós vamos conseguir escolher um momento em que poderemos escolher falar do que quiser”.
Claudia Kanoni
Próximos eventos da Jornada Comunicação e Raça
05/10 — PESQUISAS ANTIRRACISTAS NA UFPR
26/10 — COLETIVOS PRETOS
09/11 — CULTURA PRETA