qui 21 nov 2024
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MEIs no Paraná: equilibristas em corda bamba

Efeitos colaterais da pandemia ampliaram a categoria dos MEIs no estado em período recorde, com um crescimento de 9,51% no ano, mas as preocupações são maiores que as perspectivas

Desde que o programa foi criado no Brasil, em 2008, visando a queda da informalidade no trabalho e uma segurança maior para esses trabalhadores, não se tinha visto um crescimento tão elevado dos Microempreendedores Individuais (MEIs) como nos anos pós pandemia, chegando a 46,2% de aumento entre os anos de 2019 a 2022 em todo o país. No Paraná, o número é ainda mais impressionante, saindo 447.227, entre 2009 e 2017, para 968 mil cadastrados em 2023, segundo dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). Assim, o estado se consolidou como o quarto lugar no país (em número absoluto) com maior quantidade de MEIs registrados. Ao todo, dos cerca de 15 milhões de empreendedores individuais, São Paulo (3,890 milhões), Rio de Janeiro (1,7 milhões), Minas Gerais (1,6 milhões), Paraná (900 mil) e Rio Grande do Sul (865 mil) respondem por 62% do total no país.

Fonte: Dieese

O MOTIVO DA ELEVAÇÃO

Após a pandemia de Covid-19, o número de empreendedores elevou-se disparadamente, tendo como principais fatores de influência o desemprego ou quedas de renda. O relatório da Global Entrepreneurship Monitor (GEM) 2020, realizado pelo Instituto Brasileiro de Qualidade e Produtividade (IBQP), mostrou que 50 milhões de brasileiros que não empreendiam antes da pandemia tinham planos de abrir um negócio nos próximos três anos. Desses, um terço teve como motivador o fator da enfermidade global para empreender, enquanto os outros foram pelo motivador de independência de obrigações da CLT.

A microempreendedora Verônica de Almeida, 37, dona de um restaurante em Curitiba, começou um negócio junto de seu esposo durante o surto da Covid-19.

“Meu marido tinha um bom trabalho, mas após a pandemia ele teve que diminuir o salário, então decidimos abrir um MEI e começamos a vender marmita.”

Segundo o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), os brasileiros foram estimulados a empreender pelos dilemas sociais que já existiam mas que foram agravados em 2020. Segundo a entidade, o número tende a aumentar ainda mais nos próximos anos devido a busca de grande parte da população por maiores oportunidades trabalhistas.

Outro fator importante foi o incentivo governamental para a criação de novas empresas em busca de diminuir a informalidade de trabalhos em diversas áreas. Uma das medidas tomadas pelo Estado neste objetivo foi o Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe), que buscou diminuir problemas financeiros e desemprego em massa durante a pandemia, além de benefícios, como menor pagamento de tributos, mas ainda assim, podendo receber auxílio-doença e aposentadoria, já que o MEI contribui para a previdência.

Um fenômeno em ascensão há mais de uma década é a “pejotização” das relações de trabalho, que transformou a relação de empresa (pessoa jurídica, ou “PJ”) com o trabalhador (pessoa física) para uma relação de empresa para empresa (duas pessoas jurídicas). Uma das vantagens da formalização de profissionais autônomos como MEIs é a emissão da nota fiscal (NF), que diversifica a entrada em novos mercados e oferece mais segurança para os clientes e para o próprio empreendedor, diminuindo o risco de a empresa contratante tentar se beneficiar da empresa contratada (MEI), com excessos de cargas horárias, por exemplo, numa tentativa de burlar a lei. A emissão dessa nota fiscal por MEIs é obrigatória quando há prestação de serviço a empresas ou ao governo, sendo facultativo para pessoas físicas, mas gerando maior credibilidade ao negócio.

Bancos, fintechs e cooperativas de crédito também estão em busca desses microempreendedores oferecendo atrativos como redução nas mensalidades das maquininhas, contas digitais gratuitas, gestão por app, condições exclusivas de linhas de crédito e atendimento especializado. Mas quando analisamos a categoria por completo, percebemos que nem tudo é positivo, há também muitos dilemas e desinformações. No Brasil, segundo dados do SPC (Serviço de Proteção ao Crédito), quase 60% da população empreendedora não se atenta às tarifas e aos juros decorrentes do empréstimo, prejudicando-se e acarretando dívidas graúdas.

O microempreendedor curitibano Edson Pereira, 34, que administra seu próprio negócio juntamente à esposa Tânia, fala da importância do conhecimento administrativo e de empreendedorismo na abertura e manutenção de uma microempresa. Edson cita estes dois fatores como basilares na obtenção de bons resultados em seu negócio.

“Como eu sou formado em administração, já sabia como funciona a gestão de uma empresa. […] Vendemos de pouco em pouco, mas o povo está sempre aqui.”

A pesquisa da Anbima “Raio X do Investidor Brasileiro” de 2021, mostra ainda que muitos indivíduos tiveram perdas parciais ou totais de rendimentos e outros não conseguiram economizar ou tiveram de abrir mão de suas aplicações ou de algum bem próprio para lidar com a situação financeira.

A situação é ainda mais delicada quando se trata das minorias dentro do grande grupo. Em janeiro de 2013, segundo dados do banco Nubank, 51,4% dos novos MEIs se identificavam como mulheres. Já em agosto de 2020, esse número caiu para 46,8%. O declive deste grupo em específico ocorre pela vulnerabilidade que as partes minoritárias, principalmente as mulheres, os jovens e os menos escolarizados, acabam sofrendo, segundo informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre o mercado de trabalho. No caso das empreendedoras, um dos principais fatores que levam à desistência é a gritante desigualdade de renda entre homens e mulheres MEIs. Um estudo realizado pelo Sebrae no ano de 2020 comparou o salário de microempreendedores homens e mulheres com superior completo e comprovou haver uma sobrelevação de 36% no rendimento dos homens sobre o das mulheres empreendedoras. Entre os microempreendedores e microempreendedoras com apenas o ensino médio completo, a diferença era ainda mais abrupta: 53%.

A situação atual de carreira da população jovem é igualmente preocupante. Em dezembro de 2014, 22% dos novos microempreendedores individuais tinham menos de 25 anos. Já no ano seguinte, por conta da crise econômica no Brasil, esse número saltou para 26%. Algo parecido aconteceu em 2020: antes da pandemia, o fluxo dos mais jovens era de 27%, mas chegou a 30% em agosto daquele ano. Esse fenômeno recorrente de saltos percentuais na elevação de microempreendedores jovens é resultado direto da crescente dificuldade do grupo em conseguir um emprego com Carteira Assinada ou ainda se estabelecer no mercado de trabalho formal, que tende a ser muito mais estável.


ONDE ESTÃO ELES?

A modalidade dos Microempreendedores Individuais começou tímida e foi se tornando cada vez mais plural no decorrer da última década. Hoje, muitas profissões incorporaram a modalidade, mas algumas atividades acabam por se tornar mais presentes nesta categoria autônoma. Aqui no estado do Paraná, as subclasses de atividade com maiores presenças de Microempresas Individuais verificadas em maio do ano passado pela CNAE (Classificação Nacional de Atividades Econômicas) são aquelas com histórico de informalidade, as que já eram exercidas de forma autônoma antes mesmo da criação do MEI: Obras de alvenaria (7,06%); Cabeleireiros, manicure e pedicure (6,53%); Comércio varejista de artigos do vestuário e acessório (6,41%); Promoção de vendas (4,60%); Serviços domésticos (2,57%); Lanchonetes, casas de chá, de sucos e similares (2,57%) e Atividades de estética e outros serviços de cuidados com a beleza (2,57%). 

Fonte: freepik

SERÁ QUE COMPENSA? DIFERENÇAS ENTRE O MEI E A CLT

  1. FORMALIDADE x INFORMALIDADE: O Microempreendedor Individual dá a oportunidade de formalizar atividades econômicas em um contexto onde o emprego informal é amplamente disseminado. Isso significa que eles obtêm um CNPJ (Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica), o que simplifica muitos aspectos burocráticos, como a abertura de contas bancárias e a emissão de notas fiscais. Por outro lado, o regime CLT é tradicionalmente associado ao emprego formal, com carteira de trabalho assinada e direitos trabalhistas claramente estabelecidos.
  2. IMPOSTOS x CONTRIBUIÇÃO: Os MEIs têm uma carga tributária simplificada, pagando uma única guia mensal chamada DAS (Documento de Arrecadação do Simples Nacional). É ali onde se incluem os impostos estaduais, municipais e a contribuição previdenciária do empreendedor. Na CLT, a carga tributária é mais complexa, envolvendo contribuições para a Previdência Social, Imposto de Renda na Fonte, entre outros encargos, que podem variar dependendo do salário e do regime tributário da empresa. Vale ressaltar que o MEI contribui para a Previdência Social e tem direito à aposentadoria e auxílio-doença.
  3. BENEFÍCIOS x PROTEÇÕES: A CLT oferece uma série de benefícios e proteções aos trabalhadores, como férias remuneradas, 13º salário, seguro-desemprego, FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) e direitos trabalhistas, incluindo horas extras, descanso semanal remunerado e licença-maternidade. O MEI não fornece esses benefícios e direitos e o empreendedor acaba tendo que lidar de forma individual.
  4. FLEXIBILIDADE x ESTABILIDADE: O MEI oferece uma flexibilidade considerável aos empreendedores. Eles podem escolher suas próprias cargas horárias, definir os preços dos produtos ou serviços e adaptar o negócio de acordo com as demandas do mercado. A CLT, por outro lado, oferece maior estabilidade, com um contrato de trabalho formal, salário fixo e uma série de direitos e obrigações bem definidos.
  5. PREVIDÊNCIA x APOSENTADORIA: Os MEIs têm a opção de contribuir para a Previdência Social, o que lhes dá direito a benefícios previdenciários, como aposentadoria por idade ou invalidez, auxílio-doença e salário-maternidade. Na CLT, a aposentadoria é garantida após um período de contribuição, proporcionando maior segurança financeira na velhice.

O MEI acaba sendo uma opção – ou melhor, segunda opção – atraente para profissionais que buscam fugir do desemprego ou ainda empreendedores que desejam iniciar um negócio com menos burocracia. Ele permite que os empreendedores tenham mais controle sobre seu negócio e se adaptem rapidamente às mudanças do mercado, mas em termos de estabilidade e segurança trabalhista, acaba por ser uma alternativa ainda bem debilitada e que, quando comparada ao trabalho via CLT, na maioria dos casos não parece muito otimista. Segundo recente levantamento da plataforma MaisMEI, 48,9% dos Microempreendedores Individuais do Brasil carecem de empréstimos para manter o negócio. A maioria dos participantes da pesquisa apontaram como motivo de pedido do empréstimo a negativação do nome e, dos 6.018 entrevistados, 63,6% indicaram como principal desafio a ampliação das vendas de seus serviços e produtos. Mesmo com o significativo crescimento da categoria, a estagnação persiste como uma forte adversária dos microempreendedores individuais, os quais precisam despender muitos esforços rumo à independência trabalhista e maiores oportunidades na profissão. 


Edição por Jéssica Blaine

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