ter 19 mar 2024
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“Muitos animais que seriam sacrificados agora estão bem”, diz tutora que promove adoção de pets com deficiência

Apesar do aumento das adoções durante o isolamento social provocado pela pandemia, cães e gatos com necessidades especiais são menos escolhidos

Caramelo é um cachorro de grande porte brincalhão e que costumava frequentar a rua de casa da jornalista Ana Flávia Silva, em Curitiba. Ela logo percebeu que o animal começou a emagrecer muito em pouco tempo, mesmo sendo alimentado pela vizinhança. Após levar Caramelo no veterinário, a jornalista teve uma surpresa: o animal tinha cinomose, doença altamente contagiosa e mortal para os cachorros, que atinge o sistema neurológico e provoca perda de movimentos do corpo.

Depois de dezenas de idas ao veterinário, além de sessões de fisioterapia, hidroterapia, acupuntura e medicação, hoje, Caramelo consegue ficar de pé sozinho e adora brincar no quintal de casa. Mas nem todos os animais com deficiência têm a mesma sorte.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2013, existiam cerca de 30 milhões de animais abandonados no Brasil, mas esse número aumentou nos últimos anos, sobretudo em meio à crise econômica ocasionada pela pandemia da Covid-19. Muitos desses cães e gatos possuem algum tipo de deficiência e passam a vida nas ruas ou em abrigos, sem serem adotados.

Em 2018, depois que Argos, seu cachorro, foi atropelado, a gerente de Marketing Larissa Onuki criou o Cão de Rodinhas, projeto que promove a adoção de animais com necessidades especiais. Segundo ela, o número de animais abandonados que possuem alguma deficiência é expressivo. “As pessoas que os adotam, quando descobrem a doença, não os querem mais. Geralmente, são pessoas que compram animais por status, e, quando eles ficam ‘defeituosos’, como elas enxergam, simplesmente os descartam”, explica.

Adotar também uma nova rotina

Apesar de serem frequentemente abandonados, nem sempre os pets com deficiência são adotados, principalmente devido à falta de informação acerca dos cuidados que esses animais demandam. 

Ana Flávia, tutora do Caramelo, expõe que são necessários recursos e esforços para manter seus tratamentos e cuidados. Ele faz hidroterapia, acupuntura e precisa usar fraldas, mas também já precisou de medicação periódica e mal conseguia se locomover. “No começo, era muito cansativo. Um dia, a fisioterapeuta chegou aqui e eu estava chorando. Tive dias muito estressantes”, relembra.

Em poucos meses, graças aos tratamentos, Caramelo teve um grande avanço na recuperação do movimento das patas. (Vídeo: @carameloresgatado/Instagram)

Apesar das dificuldades iniciais, Caramelo está bem e requer menos atenção da tutora para fazer atividades básicas. Larissa, coordenadora do Cão de Rodinhas, concorda que no início a adaptação é difícil, mas diz que, com o tempo, tanto o animal quanto os tutores se acostumam à nova rotina. 

Segundo a médica veterinária e residente Jéssica Santos, antes de adotar qualquer animal, com alguma deficiência ou não, as pessoas devem estar conscientes de quais serão os cuidados que ele exigirá. Jéssica faz parte do projeto Adote UFPR e reforça que existem chances dos cães e gatos serem abandonados se a escolha de acolhê-los não for bem avaliada. “O futuro tutor precisa saber a responsabilidade que é cuidar de um animal. Ele deve pensar se realmente quer isso. Hoje, falamos em cerca de vinte anos de companhia”, observa. 

Em relação aos pets com necessidades especiais, a veterinária recomenda o diálogo. “O ideal é que a pessoa converse sobre a deficiência com um profissional ou com quem é o responsável pelo animal, para compreender como melhorar a sua qualidade de vida”, aconselha.

Uma rede de apoio e de informações

Apesar de, atualmente, serem tutoras, no início, tanto Ana Flávia quanto Larissa não sabiam como cuidar de animais com deficiência. “Eu entrei em outro universo, que é cuidar de um cachorro paraplégico. Eu não fazia ideia do que fazer”, lembra Ana. Para Larissa, a alta hospitalar de Argos foi o pior dia depois do acidente, já que ela não sabia como seria cuidar dele em casa. 

A solução foi pesquisar on-line e buscar o apoio de outros tutores. Larissa passou também a compartilhar informações nas redes sociais, para ajudar donos de animais que estivessem na mesma situação. E assim nasceu o Cão de Rodinhas.  

O projeto possui mais de 46 mil seguidores nas redes sociais e atende tutores de pets com deficiência diariamente. (Foto: @cao_de_rodinhas/Instagram)

O projeto atua em todas as regiões do Brasil, promovendo a adoção de animais com deficiência, oferecendo informações para tutores, abrigos e veterinários, bem como uma rede de apoio para os envolvidos. “O animal não fica triste por ter uma deficiência, muito pelo contrário. A partir do Cão de Rodinhas, mostramos isso para a população e muitos animais que seriam sacrificados agora estão bem, com uma boa qualidade de vida”, explica. 

A iniciativa presta apoio aos tutores e responsáveis por abrigos de animais através do site, Instagram, e-mail e WhatsApp. Desde 2018, Larissa estima atender cerca de dez pessoas por dia, que buscam esclarecer suas dúvidas. A consultora já publicou um livro infantil sobre os pets com necessidades especiais, para que as crianças aprendam a respeitar os animais sem distinção.

Atualmente, o Cão de Rodinhas disponibiliza também uma cartilha com as principais informações acerca dos cuidados com os animais com deficiência, que pode ser adquirida gratuitamente na forma digital ou física. 

“Enquanto está vivo, não importa a deficiência, o animal quer comer, brincar e ser como sempre foi. Ele supera muito rápido a situação. Inclusive, os outros cães e gatos não o julgam por causa disso. É uma lição muito bacana que eles nos trazem. Precisamos enxergar os animais e as pessoas com deficiência com normalidade”, finaliza Larissa.

Isabela Stanga
Estudante do curso de Jornalismo da UFPR.
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Isabela Stanga
Estudante do curso de Jornalismo da UFPR.
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