Dados da Unicef apontam que quase 90% das meninas passam de três a sete anos da vida escolar menstruando. Do total de estudantes brasileiras, 3% frequentam escolas que não possuem banheiro em condições de uso.
A disponibilidade de papel higiênico, ainda de acordo com as estimativas do Unicef, é responsável também pela dignidade menstrual. Estima-se que no Brasil 1,24 milhão de meninas não tenham papel higiênico à disposição nos banheiros das escolas que estudam. Quando levado em conta o recorte racial, a probabilidade de uma menina negra estudar em uma escola que não possui papel higiênico disponível é 51% maior em relação a uma menina branca.
Outro aspecto desse problema é a higienização das mãos, já que 6% das meninas não possuem acesso a pias ou lavatórios em condições de uso nas escolas. E mais de 3,5 milhões de meninas não possuem sabão disponível no banheiro. No geral, 38,1% das estudantes frequentam escolas com a privatização de pelo menos um desses requisitos de higiene citados.
Em casa a situação não é diferente. Nove a cada dez jovens vivem sem acesso a banheiro de uso comum no terreno ou propriedade. Quando esses números são analisados na esfera social, meninas que estudam em escola pública possuem quase 20 vezes mais chances de residirem em casas sem saneamento básico em relação àquelas que estudam em escolas particulares.
O problema, contudo, vai além de apenas infraestrutura. De acordo com a estudante Isabelly Prado, 14 anos, para algumas meninas da turma o absorvente é o item que falta. “Ele é necessário para a higiene e deveria ser distribuído de graça para mulheres e estudantes de baixa renda”, avalia. Além da distribuição gratuita, ela sente falta na escola de orientações sobre os cuidados com a saúde feminina. “Infelizmente, não há palestras sobre a saúde feminina. Diversas vezes tive dúvidas sobre como funciona meu período menstrual.”
Melissa Carriel, de 13 anos, é colega de classe de Isabelly. Ela observa que “na escola parece que todos têm medo de falar sobre menstruação, como se não fosse algo comum para as mulheres”. Ao destacar a falta de acesso a itens básicos de higiene, reforça a necessidade da distribuição de absorventes nas escolas.
Projeto de lei
Dados de uma pesquisa encomendada pela Always mostram que uma a cada quatro meninas não pôde ir à escola por não pôde comprar absorventes. No total, 45% dessas meninas afirmam que a ausência forçada impactou negativamente o desempenho escolar.
O projeto de lei 4968/19 que previa distribuição gratuita de absorventes higiênicos para estudantes dos ensinos fundamental e médio, mulheres em situação de vulnerabilidade e encarceradas, foi vetado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Segundo o governo, a inviabilidade técnica e jurídica acarretaria em crime de responsabilidade fiscal, já que os autores do projeto não apresentam a forma de custeio e logística de distribuição. “Se o Congresso derrubar o veto do absorvente, vou tirar dinheiro da saúde e da educação. Tem que tirar de algum lugar”, afirmou o presidente após sofrer pressão política.
Iniciativas
A ONG Absorvendo Amor arrecada e distribui absorventes gratuitamente em escolas e comunidades do Rio de Janeiro. A estudante e criadora do projeto, Constanza Del Possa, de 17 anos, entende que falta prioridade ao tema: “O que choca é o governo justificar o veto dizendo que o gasto é desnecessário. Só que ele gastou quase R$ 90 milhões em cloroquina. Como o governo gasta com algo que é comprovado cientificamente ser ineficaz e diz que o programa de absorventes não é necessário?”. Já o estudante e confundador da ONG Rodrigo Timbó, também de 17 anos, destaca que o projeto “é muito barato para o impacto que ele tem”.
A iniciativa de Costanza e Rodrigo já foi responsável pela doação de mais de 170 mil absorventes, o que já beneficiou mais de 8 mil mulheres. O projeto nasceu da vontade de um grupo de alunos de uma escola privada do Rio de Janeiro. Os estudantes perceberam que meninas da escola pública chegam a perder até 45 dias letivos por não poder comprar absorventes.
Em fevereiro deste ano, o Absorvendo Amor iniciou o projeto em São Paulo. Lá, a equipe atua com mulheres e jovens de 50 famílias que moram no Capão Redondo. Além da distribuição de absorventes, o grupo trabalha com conteúdos voltados para a conscientização da pobreza menstrual.
No final da entrevista, Constanza faz um convite para quem deseja participar do projeto.
“É o momento de se mobilizar e compartilhar essa causa nos círculos sociais, no trabalho e na família. E se possível doar para os projetos que estão na luta para combater a pobreza menstrual, sei que nem sempre é possível, mas a divulgação de projetos como o nosso ajudam na conscientização”.
Constanza Del Possa, 17 anos, fundadora da ONG Absorvento Amor
Para quem deseja ser voluntário, a ONG abriu inscrição para todo o Brasil. As doações são feitas via vaquinha online ou via PIX. As informações de como doar estão disponíveis no instagram e no site da instuição.