É fácil e rápido dar a resposta “shopping” quando se pergunta qual é o destino dos curitibanos em sábado de chuva. E não se trata de uma piadinha, tampouco de uma mentira. Já em finais de semana em que o sol dá o ar da sua graça, a escolha se aperta. Os parques parecem todos entrar em batalha eterna à pedidos da nossa presença. Não menos, o Passeio Público, o Museu do Olho e o Zoológico também engordam a lista de opções. Esse último, que abriga animais de várias espécies, anda um tanto quanto desarrumado e esquecido, mas está lá. Contudo, a vaga do domingo pela manhã parece já ter dono específico, pelo menos uma vez ao mês. E não só na agenda dos curitibanos, mas também na dos turistas.
Vir a Curitiba e não conhecer a Feirinha do Largo da Ordem é perder um bom punhado de cultura e diversão. O nome deveria até passar para o aumentativo, afinal de contas já são mais de mil barracas que vão de artesanatos pequenos a móveis de madeira. Cerca de 15 mil pessoas percorrem o local a cada domingo.
Vendendo sorrisos
E quem passa pela Feira encontra Maria Teresa Batista. Uma vendedora muito simpática e privilegiada, que ganhou um local cobiçado para montar barraca, no centro da movimentação, com vista para a fonte de cavalo. Toda sorrisos, ela vende panos de prato com fuxico, feitos a mão, que logo suscitam olhos brilhando e suspiros de “Que lindo. Corre aqui ver, mãe.”.
Maria Teresa está, só nesse local, à cinco anos e comenta que suas vendas têm sido muito boas. Não larga o sorriso para pronunciar uma só palavra, mesmo para aqueles que não tem interesse algum em comprar, só estão à passeio. A gargalhadas, conversa com as meninas da barraca ao lado, com quem acabou criando afinidade pelo simples fato de passarem manhãs de domingo próximas.
Manhã de sol, meu iá iá meu iô iô
Próximo delas também está o som que faz o povo mexer as pernas, ficar em roda e sorrir como Maria Teresa. Todos cantam, acompanhando a banda de senhores que arranca versos de qualquer um que passa por perto.
E, com a música, parecem estar todos recompensando uma das poucas vezes que o sol resolve aparecer. Sem nenhum motivo aparente, as notas parecem unir as pessoas, deixa-las felizes. Nada mais brasileiro.Muito diferente daquelas musiquinhas de elevador que se ouvem nos shoppings.
Enquanto isso, embalado pelo samba, um chargista vai delineando traços divertidos e desproporcionais da sua inspiração do momento, um transeunte que resolveu sentar-se na sua frente para adquirir uma versão mais achatada e cabeçuda de si mesmo. Ao lado, vários exemplo já prontos com a presidente Dilma e o homem-mascote da cidade, o Oil Man, fazem as pessoas rir.
As impressões de Fagundes
Plácido Fagundes está logo ali à frente expondo seus quadros. São todos trabalhos impressionistas. Ele, que já cursou um pouco das faculdades de Matemática e Engenharia, usa as técnicas que envolvem a arquitetura para compor seus desenhos.
E nada de ficar dentro de um estúdio. Ele vai para as ruas, caminha, viaja. Então monta seu cavalete e pinta ali mesmo, ao vivo e à cores. Traz para o quadro suas impressões do cenário.
Por mais que Fagundes tenha conhecido inúmeras cidades históricas e andado com seu motorhome por vários estados do país, não desqualifica o lugar onde se encontra agora. Pelo contrário. Aponta a característica mais vantajosa de expor em Curitiba, na Feirinha: a visibilidade. Conta que as vendas ali valem a pena, principalmente por causa da quantidade, e diz que é melhor do que expor em galerias de arte.
Do Chile para as barrigas brasileiras
De tanto caminhar pela Feirinha, mais de três longas quadras, o passante sente fome e sabe logo a qual barraquinha recorrer.
Seu Benjamin veio para o Brasil há 39 anos. Vende empanada chilena em cinco feiras de Curitiba e deixou o legado para a família, que se sustenta com a comilança de quem passa, faminto, pelas barraquinhas. Quem conhece a empanada reconhece a tradição. O molho apimentado não perdeu o sabor de vinte anos atrás, tampouco o quitute deixou de ter qualidade.
Ao lado de Benjamin está o amigo de longa data, Dirceu Feliz. Ele é da barraca do mel e, como seu colega, viu a Feirinha ir crescendo aos poucos, conquistando fama e adeptos até se transformar no que é. Hoje, Benjamin e Feliz não mais trabalham como antes. Quem o faz são filhos, netos e empregados que pegaram o gosto por vender delícias na Feira. Uma vinda direto do Chile e a outra com seu toque brasileiro.
Um teto para minha boneca
Doce na feira não é somente o mel de Feliz. Logo na esquina, o casal Nilo e Dirce Pegoraro vende, há 21 anos, sonhos de criança. Sonhos grandes, caros e entalhados em madeira. São casinhas de boneca e estacionamentos de carrinhos de três andares, com direito a escadas e rampas, janelas e cortinas.
Brilha o olho de uma menininha quando vê a tradução das suas brincadeiras bem na sua frente. E logo se põe a fazer carinha de anjo para a mãe arrematar uma residência para suas Barbies. É irresistível. Casinha essa que segundo os Pegoraro dura mais de 15 anos.
Contam que semana passada uma mulher parou na barraca apenas para contar sua história. Há muitos anos, ainda criança, ganhou uma dessas, que hoje é de sua filha. O casal fica contente em saber que elas têm durado bastante e feito a alegria de mais de uma geração.
Roupas recicláveis
Geração essa que precisa aprender a reciclar. E pode aprender com Margarete de Paula. Há seis anos ela trabalha com reciclagem e vende roupas, sofás e tapetes feitos com materiais reutilizáveis na Feirinha.
Além de expor suas criações em uma barraquinha, ela própria virou manequim. Traja sobretudo, chapéu e até os detalhes da bota feitos com lacres de latas de refrigerante. Só o casaco precisou de mais de 15 mil deles, todos cuidadosamente unidos com fios de crochê. E a vestimenta do futuro chama atenção. Volta e meia param-na para tirar uma foto.
Margarete de Paula mostra um álbum com as criações que não pode carregar até a feira. São sofás feitos de garrafa pet, letreiros e tapetes de tampinhas. Além disso, até os trajes de um casal pronto para entrar na igreja. A noiva está de branco, mas o material é plástico bolha e, logo ao seu lado, o noivo com um terno feito com sacola de lixo.
Encontra-se se de tudo um pouco na Feirinha do Largo da Ordem. Desde pequenos trabalhos manuais para decorar a casa, comida, brinquedos, até soluções para o futuro. E no meio da multidão ouve-se uma moça comentando com seu namorado estrangeiro: “É isso o que faz o curitibano no domingo.”.