qui 21 nov 2024
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Projeto da UFPR desenvolve Jogo do Acesso à Justiça para lideranças populares

A iniciativa, desenvolvida pelo Núcleo de Práticas Jurídicas em parceria com outros cursos e núcleos de extensão da Universidade, procura romper com as barreiras impostas pelo “juridiquês”

Ao conversar com um advogado, assistir a um filme ou reportagem com o tema jurídico, você já sofreu com o “jurisdiquês”? A linguagem utilizada pelos alunos e profissionais do Direito pode ser um obstáculo para compreensão da informação por grande parte da população. Tendo em vista essa questão, o Núcleo de Práticas Jurídicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR) apresentou uma ideia inovadora: o Jogo do Acesso à Justiça.  

Coordenado pelo professor Leandro Franklin Gorsdorf, o projeto surgiu da constatação das dificuldades enfrentadas pela população para compreender e acessar a justiça, uma barreira erguida pelo elitismo que permeia o sistema jurídico. Durante a prestação de assessoria jurídica a movimentos populares, o professor observou como o processo judicial tradicional cria uma relação de poder que frequentemente impede o acesso à justiça real. Para Leandro, a ênfase na verdade processual e formal, ou seja, o foco nos interesses expostos pelas partes, em vez da busca pela justiça em si, transforma os processos jurídicos em uma questão de formalidades, ao invés de direitos.

”Fazer com que as leis sejam traduzidas de forma mais clara para o povo é um caminho bem necessário e importante”

Padre Fernando de Góis 

O objetivo principal do projeto é democratizar o funcionamento do sistema jurídico, desmistificando a formalidade excessiva. O jogo é direcionado a lideranças populares, com a esperança de que a conscientização inicial se espalhe por toda a comunidade. Fernando Góis é uma dessas lideranças. O religioso é referência no trabalho da Pedagogia dos Sonhos, com base na obra de Paulo Freire, com pessoas em situações de vulnerabilidade, como encarcerados. Segundo o padre, que atua através de pilares educomunicativos, a ideia do jogo é de extrema importância para a sociedade atual. “A justiça é muito distante do povo, então fazer com que as leis sejam traduzidas de forma mais clara para o povo é um caminho bem necessário e importante”, afirma Góis. 

Durante a produção da ferramenta, a equipe de Leandro percebeu lacunas a serem preenchidas em relação à linguagem e ao design utilizados no jogo. “O Jogo do Acesso à Justiça necessita de olhares diferentes. Precisamos do Direito, da Comunicação e do Design”, ressalta o Coordenador. Dessa percepção surgiram as colaborações do curso de Design da UFPR, liderado por Daniella Michelena Munhoz e do Floresta Edições, editora do Núcleo de Comunicação e Educação Popular (Ncep), coordenado pelo professor José Carlos Fernandes. A produção do jogo teve um avanço significativo com diferentes colaboradores.  

O Núcleo de Práticas Jurídicas, idealizador do projeto, buscou parceiras nos departamentos de Design e Comunicação para promover pluralidade de visões no desenvolvimento do jogo. Foto: Marya Marcondes

A carência do acesso à Justiça em números  

Apesar do Brasil ter a maior proporção de advogados no mundo, com um profissional para cada 140 habitantes, cerca de 50 milhões de brasileiros não têm acesso à assistência jurídica fornecida pela Defensoria Pública da União (DPU). O Brasil possui apenas um defensor público para cada 290 mil habitantes, e essa distribuição é desigual, com representação da defensoria federal em apenas 27% dos municípios com subseções da Justiça Federal, segundo dados da própria DPU.  

Os brasileiros mais afetados por essa limitação são aqueles em maior vulnerabilidade econômica, cuja renda familiar não ultrapassa três salários-mínimos, gerando empecilhos para a contratação de advogados particulares. Em resposta a essa barreira, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em parceria com o Supremo Tribunal Federal (STF), lançou o “Pacto pela Linguagem Simples” para eliminar o “juridiquês” e tornar a linguagem das leis mais compreensível para a população em geral. Em um país com mais de 650 mil pessoas privadas de liberdade, sendo 40% delas presas preventivamente, a democratização do acesso à justiça ainda é um desafio significativo. Esses dados foram revelados por levantamento feito pela DPU.   

Infográfico: Marya Marcondes.

Parcerias  

O projeto teve início em 2019, mas a parceria com o curso de Design UFPR e o Floresta Edições, editora extenionista do Ncep, começou efetivamente em junho de 2024. Durante a primeira reunião, as coordenações dessas parcerias adotaram um modelo, presente no Ncep, para ampliar o conhecimento acerca das três áreas. A atividade consistiu na escolha de um texto de cada uma das áreas para ser debatido entre os integrantes.  

O Ncep levou a importância tanto da objetividade quanto da subjetividade para o fazer jornalístico; o Direito evidenciou a concepção emancipatória do acesso à justiça; e o Design mostrou como os jogos podem atuar como transformadores sociais. Ao unir essas bibliografias, os estudantes das diferentes áreas puderam conhecer mais o outro campo e iniciar uma reflexão sobre a interdisciplinariedade no projeto. Em outra reunião, através do diálogo, os participantes entenderam como cada área poderia atuar nessa construção.  

Funcionamento do jogo  

O objetivo não é ganhar, mas sim gerar reflexão. Através da leitura de notícias, as lideranças populares terão contato com violações de direitos e suas reverberações nas redes sociais. Em seguida, o tabuleiro será palco para um detalhamento do conflito, evidenciando como a violência ou violação ocorreu, quais são os agentes sociais envolvidos, qual o plano de fundo, conforme explica Leandro. 

A partir disso, os jogadores poderão mobilizar setores e ações jurídicas e sociais, como imprensa, polícia, ONGs. Cada decisão terá um pró e um contra, permitindo uma visão mais ampla por parte dos jogadores sobre como agir frente a essas escolhas. Os jogadores também terão contato com processos do Direito, compreendendo nomenclaturas que, muitas vezes, ficam restritas a escritórios de advocacia e fóruns.   

Reportagem: Marya Marcondes

Orientação: Cândida de Oliveira

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