Por Juliana Mattos Bueno e Felipe Reis
O ex-presidente Jair Bolsonaro tem enfrentado queda em sua popularidade devido aos inúmeros processos que vem respondendo na justiça brasileira desde que foi derrotado nas eleições federais de 2022. Apesar disso, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) aprovou, no último dia 29 de agosto, a proposta de concessão do título de cidadão honorário do estado a Bolsonaro. Proposição passa por votação geral da Alep nos próximos meses.
O projeto de lei 221/2023, apresentado pelo representante político da Igreja Mundial do Poder de Deus no Paraná, deputado estadual Ricardo Arruda, do Partido Liberal (PL), foi apoiado durante votação na CCJ pelos deputados Delegado Jacovós (PL), Soldado Adriano José, do Partido Progressista (PP) e demais deputados da bancada do PL.
Um título de cidadão honorário, dado por um estado brasileiro a alguém, é uma honraria concedida a uma pessoa que não nasceu naquele estado, mas que tenha prestado serviços relevantes à comunidade local. É uma forma de reconhecimento e agradecimento público pelas ações desse indivíduo. Uma vez concedido, o título de cidadão honorário confere ao agraciado o direito de ser considerado um cidadão do estado, ainda que não tenha nascido nele.
De acordo com a Lei estadual nº 13.115/2001, o título de Cidadão Honorário do estado do Paraná será conferido às pessoas que satisfaçam ao menos quatro das seguintes condições:
- I – contribuição ao desenvolvimento das ciências, letras, artes ou da cultura em geral;
- II – ação destacada na área de filantropia ou em favor de obras sociais;
- III – biografia com registro de postura ética e respeitosa na defesa dos postulados democráticos, das instituições nacionais e da cidadania;
- IV – notório conhecimento e saber na área de atuação;
- V – publicações de abrangência estadual em periódicos, jornais, revistas ou outros meios de comunicação.
O debate na câmara
O deputado Ricardo Arruda, autor da proposta, alega que Bolsonaro teve conduta ilibada e que suas falas defendendo a tortura, ofendendo mulheres, negros, quilombolas, indígenas, LGBTQIA+ e sugerindo o extermínio de pessoas são inverídicas e que foram tiradas de contexto. O deputado declara conduta irrepreensível do ex-presidente:
“Em quatro anos de governo o Bolsonaro geriu de maneira exemplar a nação, sempre defendendo a liberdade e igualdade dos povos e nunca teve qualquer ato de homofobia ou de represália contra qualquer tipo de pessoa.”
Além disso, Arruda explicou o título ao mencionar a alocação de verbas públicas no estado do Paraná durante o período em que o ex-presidente esteve no cargo, destinando-as para projetos de infraestrutura, como a reforma e construção de aeroportos, pontes, duplicação e manutenção de estradas. Ele também ressaltou que o Produto Interno Bruto (PIB) do Paraná superou o do Rio Grande do Sul em 2020.
Co-autor do projeto, o Dep. Soldado Adriano José (PP) entende que só pelo fato da destinação de recursos federais ao Paraná, Bolsonaro já teria os requisitos para ser considerado cidadão benemérito (sic): “Sem dizer das defesas que ele fez, enquanto presidente, dos profissionais da área da segurança pública, do nosso agronegócio, dos clubes de tiro aqui no nosso estado, dos portes de armas para colecionador, atirador desportivo e caçador (CACS), dos caminhoneiros, dos bóias frias, das donas de casa, dos aposentados, enfim, do cidadão de bem”.
Ao final, o deputado Delegado Jacovós (PL), também co-autor da proposta, concluiu dizendo que se Lula, um “ex-presidiário”, pôde receber o título de doutor honoris causa em Coimbra, nada impede que Bolsonaro seja cidadão honorário do Paraná.
A oposição, liderada pelo deputado Arilson Chiorato (PT), analisou a Lei Estadual nº 13.115/2001 e sustentou inconstitucionalidade no título. Chiorato argumentou que Bolsonaro não contribuiu de forma significativa para os campos das ciências, letras ou artes, apontando para a falta de investimento na ciência, bem como sua abordagem de criminalização da pesquisa científica e dos professores. Ele contestou a alegação de que Bolsonaro tenha se destacado na filantropia ou na realização de obras sociais, afirmando que as únicas ações nesse sentido se resumem a projetos voltados para sua família e à mansão em Brasília.
“Atacou o Supremo Tribunal Federal (STF), fez afronta ao congresso, ameaçou e está participando dos incidentes do dia 8 de janeiro, que vai chegar neles esse processo aí, que respeito a democracia esse cara tem para receber um título desta casa? Nenhum! Não respeitou instituição alguma, muito pelo contrário, tentou fechá-las, inclusive”, argumentou Arilson.
Desta forma, Chiorato concluiu a inconstitucionalidade de conceder o título de cidadão honorário do Paraná à Bolsonaro: “Ele não atingiu nenhum dos cinco requisitos quanto mais quatro e nós vamos aprovar? É ilegal e inconstitucional, além de ser imoral.”, concluiu o parlamentar.
Os deputados Luiz Cláudio Romanelli (PSD) e Requião Filho (PT) também votaram contra o projeto concordando com a inconstitucionalidade do título, mas a maioria dos parlamentares que constituem a CCJ votaram a favor. A votação em plenário ainda não tem data definida.
Opinião pública não é afetada
Pela forma em que a votação foi conduzida, é possível medir a popularidade do ex-presidente Jair Bolsonaro na ALEP, que, até o momento, parece não se abalar apesar dos inúmeros processos que acusam Bolsonaro de diversos crimes como a venda de jóias do acervo da presidência, a contratação de um hacker para invadir as urnas eletrônicas, além da sua inelegibilidade declarada pelo Tribunal Superior Eleitoral.
De acordo com Bruno Bolognesi, cientista político e professor na Universidade Federal do Paraná (UFPR), a concessão de cidadania honorária a Bolsonaro pela ALEP não interfere na opinião pública em relação ao ex-presidente, pois trata-se de uma ligação emocional, afetiva, que não é baseada em fatos – da mesma maneira que os escândalos de corrupção envolvendo Bolsonaro não abalam sua imagem perante seus eleitores.
Quanto à possibilidade das acusações contra Bolsonaro influenciarem o desempenho da extrema direita nas eleições municipais de 2024, Bolognesi esclarece que, nesse caso, a ideologia é frequentemente o fator menos relevante. Segundo o professor, o elemento fundamental é o respaldo político e a existência de um legado ou propostas concretas.
Em relação à votação geral que determinará o título de cidadão honorário do Paraná para Bolsonaro na Assembleia Legislativa, o especialista conclui: “Se a cidadania não estivesse acertada para ser aprovada, não seria nem colocada em votação. A única chance de reverter isso é se a mídia abordar a questão de forma intensa”.