Reportagem: Ana Lívia Barbosa, Camila Calaudiano, Manoel Salvador e Vitória Smarci
No Paraná, em 2023, houve 133 focos de incêndio em terras indígenas, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE); em 2024, até o mês de novembro, este número chega a 1.976 focos, o que representa um aumento de 1385%.
Este ano, ainda segundo dados do INPE, a Terra Indígena (TI) mais atingida por incêndios no Paraná foi a TI Tekohá Guasu Guavira, onde vivem membros do povo Avá-Guarani, e que tem sua área distribuída entre os municípios de Guaíra, Altônia e Terra Roxa. Já foram registrados mais de 1375 focos de incêndio na TI.
Diversas denúncias foram registradas acerca de violência de fazendeiros locais na Tekohá Guasu Guavira, muitas delas estão descritas no site do Conselho Indigenista Missionário, ligado à Conferência Nacional de Bispos do Brasil (CNBB), da Igreja Católica Apostólica Romana. Um ataque a tiros contra os indígenas moradores da TI foi realizado em outubro, sendo a terceira intimidação deste tipo só neste ano. Uma carta pela vida foi redigida pelo povo Avá-Guarani, e encaminhada a órgãos públicos e organizações indígenas.
INCÊNDIOS EM UNIDADES DE CONSERVAÇÃO NO PARANÁ
As ondas de incêndios também aumentaram em Unidades de Conservação (UCs). A partir da análise de dados da plataforma Terra Brasilis, em 2024, ocorreram 2.073 focos de incêndio em UCs estaduais, um aumento de 201% em comparação com o ano anterior. No Paraná, uma das Unidades mais afetadas neste ano foi a Área de Proteção Ambiental (APA) de Piraquara, que registrou 155 focos de incêndio.
Segundo informações levantadas pelo Jornal Comunicação e também divulgadas em outros veículos de imprensa, este ano uma área de ocupação indígena foi alvo de incêndio criminoso dentro da APA de Piraquara, na Floresta Estadual Metropolitana – um espaço de 4,4 mil hectares. Desde o dia 9 de agosto (Dia Internacional dos Povos Indígenas) de 2021, membros dos povos Kaingang, Guarani M’bya, Guarani Nhandewa, Tukano e Krahô ocupam a área de preservação. O local é denominado pelos indígenas ocupantes como “Território Sagrado”.

Atualmente, doze famílias vivem na Unidade de Conservação, somando cerca de cinquenta pessoas. Uma das moradoras, Angélica Ferreira, de 26 anos, faz declarações acerca do significado que o local tem para os indígenas: “Nossos antepassados já andaram por aqui. Hoje, o que nós estamos fazendo não é uma ocupação, mas uma reconexão ancestral”.

A chefe da UC e coordenadora do Instituto Água e Terra (IAT), Ana Lowen explica os acordos existentes em relação à Floresta Estadual. “O que existe nesta área é um convênio entre o governo do estado e a comunidade indígena. No acordo firmado, o Estado permite que eles ocupem a terra, na condição de que ajudem na manutenção ambiental do local”. Assim, um dos trabalhos exercidos pela comunidade no local é o reflorestamento de mata nativa.

Em 13 de setembro deste ano, os membros da comunidade contribuíram para combater o fogo do incêndio criminoso que atingiu a área. Ao todo, as lideranças estimam que os incêndios já devastaram mais de 100 hectares em 2024. Lowen conta que “os integrantes da ocupação receberam treinamento dos Bombeiros e da Defesa Civil sobre como agir em caso de incêndios na área. Inclusive, em cada casa de morador há um abafador para combater as chamas”, salienta.
Um dos líderes da comunidade, Eloy Nhandewa, afirma que os incêndios são comuns no local. “Muita gente da vila próxima a floresta descarta lixo aqui na área e depois faz a queima. Tem também algumas pessoas que adentram na floresta para fazer a queima de fios de cobre, para depois vender”, relata. Outras atividades ilegais acontecem dentro da APA de Piraquara, como trilhas de motocross, que também são relatadas por Eloy.

E no cenário nacional?
Analisando o cenário nacional, este ano a Terra Indígena (TI) mais afetada por incêndios é a Kayapó, localizada no Pará. Segundo dados do site “Monitor do Fogo”, até o mês de novembro mais de 750 mil hectares já foram queimados na área – número equivalente a 47 mil Maracanãs. A região é conhecida por ser foco da exploração de minério e, junto das terras indígenas Munduruku e Yanomami, possui a maior concentração de garimpo ilegal no Brasil. Segundo informações do Greenpeace, com base em dados do Ibama e análise de imagens de satélites, o fogo é ateado por garimpeiros para abrir espaço para novos campos de mineração.
A partir de dados do site MapBiomas, que monitora o avanço do garimpo ilegal no Brasil, estima-se que até novembro deste ano, cerca de 22,84% da área da TI Kayapó já tenha sido atingida pelo fogo.
Esta é a distribuição de hectares desmatados pelo garimpo ilegal nas 3 TIs, de 1998 até o ano de 2022:

A empresa Hyundai, marca de máquinas mais utilizada para o garimpo ilegal na região Kayapó, sofreu pressões do Greenpeace e do movimento indígena em 2023. Após acordo, a marca coreana cessou as vendas de escavadeiras hidráulicas no Pará, Roraima e Amazonas, estados onde estão localizadas as terras indígenas mais atingidas pelo garimpo ilegal.
Por meio de relatos de membros das comunidades indígenas. Nota-se que a proteção desses territórios é fundamental não apenas para a sobrevivência das culturas locais, mas para o futuro do planeta, com a destruição nas terras indígenas contribuindo para para o agravamento das mudanças climáticas que afetam o planeta como um todo, para além de quaisquer aspectos individuais.
Causas e consequências do aumento das queimadas
Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) demonstram que o ano de 2024 foi o mais devastador em termos de focos de incêndio desde 1998 – ano em que iniciou o acompanhamento oficial de queimadas no Brasil. Segundo o professor de climatologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e membro da Associação Brasileira de Climatologia (ABClima), Flávio Feltrin, há diversos fatores que provocam esses eventos. “As queimadas foram impulsionadas por uma combinação de fatores extremos relacionados ao clima. A seca prolongada, principalmente no norte do país, aliada às altas temperaturas, intensificadas pelo fenômeno El Niño, tornaram vastas áreas mais vulneráveis ao fogo. Esses fatores, somados ao desmatamento ilegal e à expansão da agricultura em áreas florestais, favoreceram a propagação das chamas, especialmente nos biomas da Amazônia, Cerrado e Pantanal”, explica.
O fator climático foi crucial no aumento das queimadas, as altas temperaturas facilitam tanto o início como a propagação de incêndios. O ano de 2024, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), será o mais quente já registrado.
De acordo com Feltrin, o agronegócio é também um dos principais fatores que desencadeiam queimadas. “O setor tem impacto significativo, especialmente nos áreas de pecuária extensiva e monoculturas, que desmatam através das queimadas e outras formas de destruição das florestas”, afirma. O climatólogo explica que “o crescimento desordenado dessas atividades contribui para a perda de biodiversidade, emissão de gases poluentes e redução de umidade na atmosfera regional, assim diminuindo as chuvas”.
Uma pesquisa realizada pelo Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais (Lasa) da Universidade Federal do Rio de Janeiro, demonstra que 99% dos incêndios no Brasil são causados por ação humana. O crime de atear fogo em propriedade pública ou particular, intencionalmente ou não, está tipificado no Código Penal Brasileiro como “causar incêndio, expondo a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem”. A pena é de reclusão de três a seis anos, além de multa.
Perspectivas e ações para evitar queimadas
Sobre perspectivas para o clima, o meteorologista do Sistema de Tecnologia e Monitoramento Ambiental do Paraná (Simepar), Marcos Jusevicius, alerta: “A diminuição de chuvas em biomas como Amazônia e Cerrado apontam para um cenário climático cada vez mais seco. Há uma tendência de se observar períodos severamente secos com mais frequência.”
Esse cenário climático seco é mais propenso a incêndios acidentais e, por isso, são necessárias orientações para evitar o início de queimadas. A capitã do Corpo de Bombeiros Militar do Paraná, Luisiana Guimarães, orienta:
- Fazer a destinação correta do lixo
- Não utilizar fogo para a queima de lixo
- Ao fazer fogueira, certificar-se de ter apagado (de preferência com água ou terra)
- Não soltar balões
Em caso de incêndio, ligue 193.
Edição: Flavia Keretch, Flávia Cé, Rafael Maldonado e Thiago Ferrari