Uma adaptação de Hamlet, feita por grupo peruano, abriu a programação do 31º Festival de Curitiba, na última terça-feira (28). A primeira apresentação foi na abertura do evento, no dia anterior, apenas para convidados. O texto é um encontro entre uma das obras mais clássicas do teatro ocidental, de William Shakespeare, e as vivências singulares de oito atores com Síndrome de Down do Teatro La Plaza. A direção é de Chela De Ferrari.
Uma mistura de tragédia, humor e rap. O questionamento ”ser ou não ser” é ponto de partida para abordar questões como sexualidade, luta por direitos, solidão, identidade, preconceitos e mitos na neurodiversidade. Para além de expor como pessoas com deficiência são invisibilizadas na sociedade, a apresentação também aborda as potencialidades de não seguir “rótulos sociais”. A personagem Ofélia, ao questionar o pai sobre o sentido de ter um cromossomo a mais, recebe a resposta de possuir “uma nota mais alta.”
“Vale a pena buscar o sonho”
Pela primeira vez, apenas artistas neurodivergentes subiram ao palco da Mostra Lúcia Camargo, a principal do Festival de Curitiba. Para assistir ao espetáculo, o estudante da Apae Leanderson, de 29 anos, foi acompanhado do Coletivo Inclusão – instituição não-governamental que leva arte para pessoas com deficiência por meio de oficinas culturais. Para ele, o mais atrativo foram os atores cantando rap. A adaptação usa ferramentas pop para explorar temas complexos.
“Vale a pena buscar o sonho”, disse a voluntária do Coletivo Talita Stec logo após o espetáculo. Ela também conta que para muitos estudantes, “Hamlet” foi a primeira oportunidade de ir e criar vínculos com o teatro.
“O mais interessante é se identificar e poder ver o futuro. Entender que há possibilidade. É possível levar uma vida plena e feliz”
Talita Stec, voluntária do Coletivo Inclusão
Para André Rigoni, também atuante do Coletivo, o grupo La Plaza deixa uma forte mensagem. “Eles conseguem por meio da própria atuação, chamar a gente para uma reflexão. Fora o talento deles, existe essa mensagem: ‘que mundo você quer’?”
O voluntário ainda complementa que a barreira linguística não foi limitadora para os estudantes: “Eles são muito sensoriais. Eles sentem e percebem por meio do gesto. A gente percebeu que eles adoraram. Foram atraídos e sentiram a mensagem do jeito deles”. Falada em espanhol, a apresentação contou com legendas simultâneas em português.
Do outro lado
Novas possibilidades de existência e de fazer arte sensibilizaram o público diverso. Com entradas esgotadas, adultos, idosos, jovens, crianças, com ou sem deficiência, experienciaram a renovação do clássico. Luiza Nemetz e Bruna Wittmann têm 21 anos, são atrizes e estudam teatro. Elas contam que Hamlet foi a primeira oportunidade de assistir a uma peça feita por pessoas com deficiência. Para Bruna, a apresentação gerou mudanças: “Os atores nos colocaram do outro lado: o que eles passam. Fizeram pessoas neurotípicas e sem deficiência sentir de verdade”.
“Mexe com a gente e gera algumas perguntas. Onde estão essas pessoas? Por que é tão difícil ver pessoas com deficiência, como agora, num festival grande de teatro? Elas têm sonhos, vontade de subir num palco e fazer arte”
Luiza Nemetz, atriz e estudante de teatro
31° Festival de Curitiba
O Festival de Curitiba, que começou no dia 27 de março e vai até 9 de abril, conta com mais de 350 atrações e cerca de 2 mil artistas. Um dos maiores festivais de artes cênicas da América Latina, tem como lema “O festival para todos” na sua 31° edição. Como espelho das transformações sociais, a curadoria das mostras apresenta programação diversa, com representatividade em temáticas, artistas e públicos. Os ingressos chegam a R$ 80 e são vendidos de forma presencial e on-line. Confira a programação oficial.