qui 21 nov 2024
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Jovens se distanciam do “sonho da casa própria”

Pessoas com até 29 anos compõem mais de 20% dos locatários e apenas 2% dos compradores no mercado imobiliário

O cenário enfrentado pela Geração Z, composta por pessoas nascidas entre 1995 e 2010, mostra-se desafiador para a conquista do próprio imóvel. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, a taxa de desemprego entre jovens de 18 a 24 anos chegou a 14% em setembro de 2024.  O aumento contínuo do custo de vida, combinado com a alta nos preços dos imóveis e o desemprego dificultam ou muitas vezes impedem o planejamento financeiro e o compromisso com um local fixo a longo prazo. 

A permanência prolongada na casa dos pais e o baixo índice de aquisições de imóveis, muitas vezes vistos como escolhas ou sinais de comodismo, refletem, em grande medida, as dificuldades financeiras dessa geração. Dados de estudo do DataZAP, do Grupo OLX, realizado em agosto de 2023, apontam que a Geração Z representa apenas 2% dos compradores de imóveis, enquanto a Geração X (nascidos entre 1965 e 1980) e os Baby Boomers (nascidos entre 1946 e 1964) dominam 82% do mercado. Esse número é menor do que em 2007, quando uma pesquisa da Caixa Econômica Federal indicava que pessoas de até 30 anos respondiam por 36% dos contratos de crédito imobiliário.  

No mercado de locação, a situação se inverte: a Geração Z compõe entre 20% e 30% dos locatários, demonstrando que, diante da inacessibilidade à compra de imóveis, o aluguel tornou-se a opção mais viável. Mateus Veiga, 20 anos, designer, exemplifica essa realidade. Mesmo com dois anos de experiência profissional, ele não vê como uma opção sair da casa dos pais no curto prazo. “O aluguel e os custos de vida estão muito altos em relação ao que eu ganho. Mesmo com um emprego estável, não consigo economizar o suficiente para alcançar a independência financeira em breve”, relata. 

Para Mateus, 20, o emprego estável não é suficiente para cobrir gastos com aluguel. Foto: Alana Morzelli – Jornal Comunicação UFPR.
Confira a fala de Mateus sobre a inacessibilidade à compra de imóveis.

Esse desafio também afeta jovens recém-formados, que encontram poucas garantias de estabilidade econômica, mesmo após concluir o ensino superior. Guilherme Carbonari, 23 anos, mestrando em computação, compartilha da mesma visão ao afirmar que não se sente seguro financeiramente para adquirir um imóvel nos próximos dez anos. “É algo que desejo, mas apenas para um futuro distante. Hoje, viver com minha família me permite focar nos estudos e pensar em uma compra mais adiante, quando tiver mais estabilidade e um trabalho melhor”, explica. 

Guilherme Carbonari afirma que, para a Geração Z, o ensino superior não é garantia de estabilidade econômica. Foto: Arquivo pessoal – Jornal Comunicação UFPR.
Ouça o relato de Guilherme sobre o distanciamento do ´´sonho da casa própria“.

Sobre o mercado imobiliário 

A instabilidade financeira enfrentada pela Geração Z faz com que a flexibilidade proporcionada pelo aluguel se torne mais uma necessidade do que uma escolha. Com o alto custo de vida e dificuldades para garantir recursos fixos, esses jovens acabam se vendo obrigados a mudar constantemente, buscando alternativas mais acessíveis e adaptáveis.  

Segundo Izabel Cristina, corretora imobiliária, os jovens buscam por locais temporários, não um lugar para chamar de seu. “Quando alguém adquire um imóvel, geralmente espera-se que permaneça naquele local por um tempo. Porém, os jovens de hoje não costumam ficar parados; eles gostam de estar em um lugar hoje e em outro amanhã. Não têm tanto compromisso com a parte física desse local de imóvel”, explica.  

No mercado imobiliário, adquirir um imóvel, especialmente por meio de financiamento, depende diretamente da capacidade de comprovar uma renda regular e suficiente para arcar com as prestações mensais.  De acordo com a corretora, essa condição, que geralmente não pode ultrapassar 30% da renda familiar, é um dos principais obstáculos para a realização do sonho da casa própria, inclusive para aqueles que se encaixam em programas habitacionais como o ‘Minha Casa Minha Vida’.  

Izabel Cristina, corretora imobiliária, destaca que a tendência do aluguel entre os jovens se deve a razões como flexibilidade e obstáculos de renda. Foto: Arquivo pessoal
Confira a fala da corretora sobre as mudanças no mercado imobiliário para a Geração Z.  

É ‘mimimi’?

“Geração mimada” e “pouco disposta a enfrentar as responsabilidades da vida adulta” são alguns dos comentários associados de forma frequente à Geração Z. Esses jovens são também descritos como uma geração difícil, que desapega e não tem fidelização. Os estereótipos não são por acaso, são uma construção social que passa por várias gerações até chegar no hoje. Claudia Malschitzky, conselheira e membro de comitê de pessoas, explica que os comportamentos dessa geração são consequência do contexto em que foram criados.  

 O acesso rápido as informações, a obsolescência programada e as constantes mudanças do mundo agregados ao marco da pandemia transformaram a tradicional construção social de estudar, casar, ter filhos. Segundo Claudia, que também é consultora de recursos humanos, a Geração Z prioriza as experiências acima dos status. Com a incerteza do amanhã os planejamentos para o fim da vida são adiantados para o agora.  

“A falta de perspectiva futura faz com que o jovem seja mais ansioso.”

Claudia Malschitzky – Conselheira 

A especialista comenta que as incertezas também afetam o comportamento dos jovens. “Eu não sei como o Brasil vai estar, não sei como é que a China vai estar, não sei como é que vão estar as mudanças climáticas, o que que vai acontecer. Então, essa falta de perspectiva futura também faz com que o jovem seja mais ansioso, é uma geração mais ansiosa”, explica.

Claudia Malschitzky, conselheira e membro de comitê de pessoas, aponta que o contexto de incertezas interfere no comportamento da Geração Z. Foto: Alana Morzelli – Jornal Comunicação UFPR.
Confira a fala da conselheira sobre como as mudanças de prioridades da Geração Z interfere no desejo de ter um imóvel próprio.  

“A Geração Z acorda já dizendo: ‘eu quero ser feliz hoje. Então vou arranjar alguma coisa que aonde eu vou de qualquer maneira cumprir minhas obrigações, vou procurar outras opções alternativas para fazer a minha segurança financeira vir mais rápido para que eu possa ser feliz’”, conclui a conselheira.  Ou seja, os valores tradicionais de estabilidade e família se transformam em valores de felicidade instantânea, o que reflete a alta dessa geração como principal público que prefere – ou escolhe por necessidade – o aluguel.  

Ficha técnica

Reportagem e imagens: Alana Morzelli

Edição: Marya Marcondes

Orientação: Cândida de Oliveira

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