qua 16 abr 2025
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“Não precisa destruir a natureza para produzir comida”, enfatiza professor de agroecologia sobre o uso de agrotóxicos

Emergência climática aponta para agroecologia como única solução para a produção de alimentos

Giovani Sella, Rodrigo Matana e Gustavo Beckert

Sob um sol forte das 10h da manhã, cerca de 20 voluntários colhem feijão orgânico no assentamento do Contestado, localizado na Lapa, Paraná. Essa produção será servida em sete cozinhas comunitárias de Curitiba e região metropolitana.

A poucas dezenas de metros, outras 50 pessoas escutam com atenção a fala de Fernando Rinaldi, que aponta para 500 mudas de árvores de cinco espécies diferentes. Daqui a alguns anos, ele explica, essas árvores, prestes a serem plantadas pelos voluntários, irão compor uma barreira natural entre uma plantação de batata orgânica e a rodovia que passa ali perto.

Rinaldi é professor da Escola Latino Americana de Agroecologia (ELAA), que há cerca de 20 anos forma militantes, educadores e produtores agroecológicos da América Latina e do Caribe. “A gente olha para a produção de comida saudável, e não para a produção de commodities”, afirma.

A ELAA faz frente à monocultura e à agricultura empresarial, que produz em larga escala e mira na exportação. Na agroecologia, todo e qualquer cultivo é produzido livre de agrotóxicos, pesticidas ou adubação química. O trabalho na Lapa é um exemplo de como a produção de alimentos não precisa acontecer às custas da saúde humana ou a partir da destruição do meio ambiente.

OS AGENTES QUÍMICOS

Fernando Rinaldi separa de maneira clara a plantação de alimentos da produção de commodities. O professor e agricultor relembra que o modelo de produção atual do agro é baseado na chamada “Revolução Verde”.

A partir das décadas de 70 e 80,  lavouras com maior produtividade e mais resistentes às diversidades, agentes químicos, agrotóxicos e genética transgênica tiveram uma guinada de desenvolvimento, que gerou problemas ligados à qualidade do alimento e ao desequilíbrio ambiental. 

A relação da planta com o solo, clima e fauna é tênue e delicada e as mudanças climáticas das últimas décadas só dificultaram ainda mais a produção consistente de alimentos.

Com uma visão de que o alimento é apenas um negócio, soluções não orgânicas, como os agrotóxicos, são necessárias para superar as mudanças climáticas. Porém, esse modus operandi, por sua vez, corrobora com a desestabilização do clima, que forma uma espiral alimentícia de destruição.

EMERGÊNCIA CLIMÁTICA (sintoma)

Em 2022, uma onda de chuvas intensas e rajadas de vento de até 100km/h atingiu a região de Londrina, no norte do Paraná. O evento climático extremo deixou 145 mil pessoas sem energia elétrica.

Naquele mesmo ano, um vendaval levou abaixo uma estufa inteira no assentamento Eli Vive, do MST, na região. A estrutura foi destruída e, junto, dois mil pés de tomate prontos para a colheita. Jovana Cestile, produtora agroecológica e comunicadora popular, estima ter perdido cerca de oito mil toneladas do fruto na época. Apesar do prejuízo, a estufa foi reconstruída para o recomeço do cultivo.No mês de novembro, outro temporal castigou a propriedade. Dessa vez, a cobertura da armação cedeu pelas chuvas intensas..

Eventos climáticos extremos como os registrados nos últimos anos são fenômenos meteorológicos que superam os níveis do que é considerado normal. Secas prolongadas, chuvas torrenciais e ondas de calor extremo são mais frequentes hoje do que décadas atrás. 

Esses “episódios” tendem a acontecer cada vez mais e com maior intensidade conforme a temperatura média da Terra aumenta. De acordo com o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), ligado à Organização das Nações Unidas (ONU), o número de pessoas expostas a secas e enchentes em cidades deve dobrar até 2030.

O modo de produção do agronegócio tem ligação direta com o agravamento das mudanças climáticas no planeta. De acordo com um relatório do Observatório do Clima, em 2022, a agricultura brasileira emitiu 121 milhões de toneladas de CO₂ (gás carbônico), um dos principais gases responsáveis pelo efeito estufa e aquecimento do planeta.

A maior fonte emissora do setor são os fertilizantes sintéticos nitrogenados, como a ureia, o nitrato e a amônia. No ano de 2020, segundo o Ministério da Agricultura e do Abastecimento (Mapa), a soja, o milho e a cana-de-açúcar, três das maiores monoculturas de exportação brasileiras, foram os cultivos que mais consumiram esses produtos.

Se a produção agrícola for somada à atividade pecuária, o agronegócio representa o segundo maior emissor de gases de efeito estufa no Brasil. Junto com as emissões causadas pelo desmatamento e outros impactos no uso da terra, que em grande parte ocorrem para a criação de novas pastagens para o gado, a agropecuária corresponderia a 75% das emissões de todo o país.

Os fertilizantes nitrogenados, amplamente utilizados na produção de commodities, além de representar a maior parte das emissões da agricultura, impactam o ambiente de forma direta. De acordo com o Centre for Ecology & Hydrology, no Reino Unido, 80% do nitrogênio aplicado nas lavouras é desperdiçado e perdido para o meio ambiente, escoando para os leitos dos rios, infiltrando-se no solo e dissipando-se na atmosfera.

“Trabalhando com os ingredientes que retornam ao solo e mantém equilíbrio, você tem autonomia e autossuficiência”, afirma Luiz Gonçalves, da diretoria da Associação para o Desenvolvimento da Agroecologia (Aopa). 

No cultivo agroecológico, técnicas como compostagem orgânica ou adubação verde garantem um solo fértil, descompactado e protegido contra a erosão. Ao contrário da fertilização sintética, esse tipo de prática ajuda a fixar nitrogênio do ar no solo, através das plantas que compõem a cobertura vegetal, como vica, tremoço, mucuna e guandu. “Você não contamina nem o solo, nem a água, e mantém a biodiversidade”, afirma o diretor.

COMBATE À FOME

No auge da pandemia de Covid-19, o acesso já precário das populações mais vulneráveis à alimentação saudável piorou ainda mais. O Marmitas da Terra nasce em 2020, no auge da crise sanitária, mirando nesse problema. A equipe de voluntários recebia doações dos assentamentos, montava as marmitas e distribuía à população em situação de insegurança alimentar. “Começou com o pessoal passando fome”, diz Fernando, que integra a iniciativa.

Com o tempo, a missão do projeto se transformou. A equipe formada durante a pandemia cresceu e passou a trabalhar, para além da distribuição, na produção agroecológica, “pôr a mão na terra”. 

Boa parte das pessoas voluntárias não é assentada, mas vem da cidade para ajudar no trabalho. A “virada de chave”, diz Fernando, foi unir o trabalho na terra à formação na agroecologia. “Fazer essa relação é importante, do campo com a cidade.”

“Para além deles vivenciarem só a produção das marmitas, eles vieram vivenciar toda essa produção, o ciclo desde o cuidado com a terra”. Os mutirões, como o de plantio da barreira para a proteção das batatas orgânicas, acontecem de quinze em quinze dias, aos sábados. A cada encontro, novas pessoas se apresentam para o trabalho.

QUALIDADE DA ALIMENTAÇÃO (consequência)

Nos mutirões de plantio promovidos nos assentamentos do Contestado, na Lapa, a produção não é voltada para as commodities ou produção em larga escala. A prioridade é a colheita de alimento saudável e livre do uso de agrotóxicos.

O sonho de Jovana era uma terra verde, florida, quem sabe até atravessada por um riacho ou cachoeira. Em 2013, no entanto, quando os lotes do assentamento foram sorteados, ela se deparou com um cenário distante da primeira expectativa: um terreno com apenas três árvores e sem nenhuma água.

Hoje, o que era terra vazia deu lugar a uma agrofloresta cheia de vida. Jaracatiá, uvaia, gabiroba, acerola e goiaba compõem o pomar, fora o café para geração de renda e as estufas de tomate orgânico, certificadas através do programa Paraná Mais Orgânico.

A produção agroecológica exclui o uso de pesticidas e outros químicos agressivos ao meio ambiente. “Na agroecologia, a gente aprende a conviver com toda a biodiversidade daquele território”, explica. Ao mesmo tempo, a cobertura vegetal das árvores protege o solo, forma matéria orgânica e nutre o terreno onde serão cultivadas as próximas culturas.

No assentamento Contestado, o plantio de árvores nativas é aliado ao cultivo dos alimentos que abastecem cozinhas comunitárias da região. “Essa é uma forma de a gente mostrar que não precisa destruir a natureza para produzir comida”, afirma Fernando Rinaldi. 

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