qui 21 nov 2024
HomeCulturaCompanhias de teatro independentes têm em Curitiba um palco para buscar seus...

Companhias de teatro independentes têm em Curitiba um palco para buscar seus próprios holofotes

Na Mostra Fringe do Festival de Curitiba, artistas independentes veem oportunidade na luta por uma carreira no teatro

Reportagem por Gustavo Beckert, Ana Luiza Costa Halat e Gabriela Zadvorne

“O conhecimento deveria ser de livre acesso a todos. Então se a gente conseguiu isso com muito esforço, por que então não espalhar para que o pessoal não tenha que ter todo esse trabalho que a gente teve?”, comentou o ator e diretor Juan Bandeira em uma conversa com outros artistas sobre sua experiência com teatro independente, ao lado de seu colega de profissão, o ator e diretor Guilherme Machado. 

Nesta edição da Mostra Fringe no Festival de Curitiba, diversas companhias de produção teatral independentes marcaram presença, não só para apresentarem seus espetáculos, mas também para incentivar e fomentar a formação de grupos que fazem teatro sem a necessidade de leis de incentivo à cultura ou patrocínio da iniciativa privada.

O Coletivo Atila, do qual Machado e Bandeira fazem parte, é uma dessas companhias. Eles compartilharam suas experiências de mais de dez anos atuando como um grupo de teatro independente em Curitiba durante uma oficina na última sexta-feira (5) no espaço Agrupa Cultura, como parte do Fringe. Além deles, também participaram os atores Maicon Morais, Elisan Correia e Gabi Farias.

O grupo, que foi formado por atores de origem na periferia da capital paranaense, foi um dos finalistas do Troféu Gralha Azul em 2023, maior premiação de teatro do Paraná, com a peça “Tião Projeto 31”. “Quando a gente foi indicado ao Gralha [Azul], tiveram grupos que chegaram para a gente e falaram: ‘Nossa! Vocês mostraram que é possível chegar lá com trabalho’. Eles se sentiram muito representados”, conta Machado.

A oficina teve como objetivo instruir atores e interessados sobre a prática do teatro independente./ Crédito: Gustavo Beckert

A oficina com o Coletivo Atila foi apenas uma das mais de quinze atividades diferentes ofertadas pelo espaço da produtora Agrupa Cultura no São Francisco durante a última semana do Festival de Curitiba. Segundo Marina Barancelli, diretora criativa e CEO da produtora, o foco nesta edição do Fringe é atender aos artistas independentes. “O festival de teatro tem muitas peças, muita coisa acontecendo, mas o pessoal que vai assistir, que são os pequenos artistas, os artistas independentes, às vezes não tem acesso a essas grandes companhias, não sabem como entrar no mercado ou não conhecem todo o processo. Então a oficina de hoje está dialogando com toda essa parte sobre como chegar lá”, explica Marina.

Muitos dos artistas independentes enxergam o Fringe como a grande oportunidade de apresentar seu trabalho ao público e ao mercado, tanto as companhias locais, quanto às que viajam de todas as partes do Brasil e do exterior para se apresentar no Festival de Curitiba. O Jornal Comunicação foi atrás de mais dessas histórias de luta, dedicação e paixão pelo teatro.

Grupo Flor de Chita, Catanduva (SP)

“A Dell’arte é o verdadeiro menino sem lugar”. É assim que Lucas Alves, ator da peça “O menino sem lugar”, define o coletivo de teatro independente. Ao associar o grupo com o protagonista do espetáculo, o intérprete do personagem Guima traduz a sensação de grupos independentes de teatro de sempre estarem buscando o seu tesouro, sem local ou recursos definitivos para se apoiarem. A apresentação aconteceu em Campina Grande do Sul, em 27 de março, e por três dias seguidos – 28, 29 e 30 de março – nas Ruínas de São Francisco, em Curitiba.

“O menino sem lugar” conta a história de Guima, menino órfão que sai em jornada de busca por seu tesouro. Durante a apresentação, o garoto recebe missões, faz amigos e inimigos e reflete sobre qual o sentido de sua vida. Ao perceber-se sem pai, sem mãe e sem dinheiro, Guima opta por não desistir de alcançar o seu propósito, embora ainda não saiba direito qual. 

O Grupo Flor de Chita, pertencente ao Coletivo Dell’arte, participa da mostra Fringe do Festival de Curitiba desde 2012. Até então, já estiveram presentes com seis apresentações diferentes. Para os atores, vindos de Catanduva (SP), a oportunidade representa a troca de experiências entre os participantes do festival e o enriquecimento do currículo do grupo. “O Fringe de Curitiba é uma vitrine não só para os grupos que estão aqui, mas também pros alunos lá da nossa cidade, que acabam tendo isso [participar do festival] como uma motivação”, contou Rafael Back, membro do grupo.

Grupo de teatro Flor de Chita, pertencente ao Coletivo Dell’arte. / Crédito: Gustavo Beckert

A cidade, de 122 mil habitantes, já chegou a ter 19 grupos de teatro, de acordo com o ator. Hoje são apenas três. O grupo afirma que a cultura do município foi amplamente afetada após a eleição do atual prefeito, Padre Osvaldo de Oliveira Rosa (PSDB). “Uma das primeiras ações que ele [prefeito] fez foi destruir a Pinacoteca e despejar o nosso grupo de teatro de um espaço cultural que a prefeitura sedia para a gente há 10 anos. Nós também criamos o primeiro teatro comunitário de Catanduva, onde tinham atrações gratuitas para mais de 200 crianças por semana”, relatou Back.

Quanto à importância do teatro independente, Lucas Alves acredita que está associada à possibilidade de não estar preso à bolha da sociedade. “A gente estava caminhando para desconstrução de pensamentos e da sociedade em si. De um tempo para cá isso regrediu. Fazer arte com pessoas que pensam como você faz com que não fique limitado em questões que não podem ser exploradas porque não são aceitas pela população”, explicou.

“Fazer arte com pessoas que pensam como você faz com que não fique limitado em questões que não podem ser exploradas porque não são aceitas pela população”

Dentro do Festival de Curitiba, o grupo de teatro independente também precisou encarar questões associadas ao preconceito. O elenco relatou que, em uma das apresentações, um pai levou seu filho embora durante o canto de um ponto de Oxum, presente no espetáculo. “Se a gente fosse um grupo não independente isso poderia nos afetar. Nós iríamos nos questionar se poderíamos fazer isso e ficar com medo”, complementou Back.

Neste ano, o Coletivo de Artes Dell’arte completa 15 anos. No total, são em torno de 12 atores com DRT – registro profissional para atores e atrizes – e mais de 30 alunos no curso de teatro, oferecido no Sesc Catanduva. Apesar de não conseguirem mais atingir o mesmo número de crianças que atendiam anteriormente ao despejo, por razão de logística e acessibilidade, o grupo permanece na jornada de levar a arte enquanto comunicação e o teatro enquanto linguagem para que seus alunos possam, no futuro, encontrar seus tesouros.

Trio Elétrico de Teatro, Curitiba (PR)

Na segunda-feira (01) aconteceu, no coração da Santos Andrade, o espetáculo Fervo, da companhia independente Trio Elétrico de Teatro. Com tema contemporâneo e figurinos peculiares, o grupo mostrou que “somos filhos da américa latina”, e compartilhamos o mesmo amor pelo “fervo”, seja ele de carnaval, dia dos mortos e demais culturas do continente.

A companhia, que se apresenta pela primeira vez no Fringe, diz que “Foi uma experiência muito bacana, porque o Fringe proporciona para muitas pessoas que nunca viram teatro a experiência de ver um teatro de rua e gratuito. Para a gente, como artistas, estarmos na mostra Fringe, em um dos maiores festivais da América Latina, é muito gratificante”.

Apresentação “FERVO!” atraiu o público da praça Santos Andrade. / Crédito: Gustavo Beckert

Ao ser perguntado sobre a importância do teatro independente para Curitiba, o ator e produtor cultural Carlos Becker respondeu: “É fundamental por ser um teatro de luta. Por enquanto a gente não tem muito instrumento, mas a gente luta por mais.E de grupo aqui em Curitiba é muito forte e a gente se ajuda e se apoia”.

A companhia, que começou seus trabalhos no meio da pandemia de Covid-19, nasceu em um trabalho de grupo da Faculdade de Artes do Paraná, dentro de um projeto de audiovisual, no qual já no início sentia a necessidade de estar na rua. O projeto foi escrito entre 2021 e 2022, lançado em 2023 e está até hoje nas ruas de diversas cidades do estados como um trabalho itinerário.

Ana Halat
Estudante de Jornalismo da UFPR.
NOTÍCIAS RELACIONADAS
Ana Halat
Estudante de Jornalismo da UFPR.
Pular para o conteúdo